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Josep Piqué diz que Pacto Alegre já criou um projeto de futuro para a capital gaúcha
Pacto Alegre é uma articulação de universidades, empresas, sociedade civil e prefeitura de Porto Alegre para estimular o empreendedorismo colaborativo e construir projetos de futuro para a cidade
O Pacto Alegre é uma articulação de universidades, empresas, sociedade civil e prefeitura de Porto Alegre para estimular o empreendedorismo colaborativo e construir projetos de futuro para a cidade. Com um ano de atividades, a iniciativa tem a consultoria do especialista catalão Josep Piqué, que tem como principal credencial a formulação do projeto no distrito 22@, em Barcelona, revitalizando uma área de 200 hectares.
Ao visitar a capital gaúcha, nesse mês, para uma rodada de reuniões do Pacto, Piqué conversou com o Jornal do Comércio sobre suas impressões da cidade e os resultados concretos da iniciativa. Ele já identifica perspectivas para um projeto de futuro, com o que chama de ecossistema de inovação, além de "uma capacidade latente de pessoas que estavam dispostas a trabalhar para Porto Alegre, de forma gratuita e generosa". Nesta entrevista, diz que a capital gaúcha já é uma referência pelo protagonismo do meio acadêmico e explica por que vê o 4º Distrito como um espaço promissor.
Jornal do Comércio - Quando o senhor conheceu Porto Alegre?
Josep Piqué - Tive contato com Porto Alegre graças à IASP (sigla em inglês da Associação Mundial de Parques Tecnológicos e Áreas de Inovação), da qual faz parte o Tecnopuc. E o (superintendente de Inovação da Pucrs) Jorge Audy me convidou para participar de uma conferência em Porto Alegre. A partir daí estivemos em contato, houve visitas de delegações de Porto Alegre a Barcelona, na época do (prefeito José) Fortunati (2010-2016), que lá esteve em encontros como Smart City Expo World Congress. Desde então, houve um fluxo permanente. O primeiro contato foi em 2014, 2015.
JC - Quais suas impressões de Porto Alegre e como avalia o desenvolvimento da cidade?
Piqué - Minha impressão era um paradoxo, porque, por um lado, há capacidades, como um sistema universitário potente. Mas a sensação que eu tinha é que havia um processo de desconfiança ou de decadência, no sentido de perder a confiança na criação de um futuro. E com o Jorge Audy, com o Luiz Carlos (Pinto da Silva Filho, da Ufrgs), com o (Luís) Lamb (Ufrgs, atual secretário estadual de Inovação), começamos a trabalhar no que seria a criação do Pacto Alegre, e foi interessante ver que havia não só inteligência individual, como inteligência coletiva para mudar a tendência de desconfiança no futuro.
JC - Qual é a sua avaliação do primeiro ano do Pacto Alegre?
Piqué - Foi um ano em que montamos a arquitetura de como funcionará o Pacto, não só o desenho, mas também a implementação. As universidades exerceram um papel muito importante, de dar credibilidade ao Pacto, com uma liderança do conhecimento. O manifesto que 75 instituições assinaram mostra que houve inclusão de todos os agentes: universidades, empresas, administração pública e sociedade civil organizada. Depois do manifesto, houve o trabalho para identificar os desafios. E foi muito bom ver como há uma clara consciência do que se tem que mudar. O Pacto tem um mecanismo, primeiro, de mapear capacidades, oportunidades e a visão de futuro. E a partir daí, surgiram 24 projetos de âmbito urbano, social, econômico e de governança, vinculados a desafios.
JC - Os projetos têm a força que se esperava?
Piqué - Os 24 projetos são ações de pessoas e instituições. Tem sido gratificante e surpreendente ver a força e a energia das pessoas, que de forma gratuita e generosa estão trabalhando para Porto Alegre. Isso não é habitual. E demonstra que havia uma capacidade latente de pessoas que estavam dispostas a trabalhar para e por Porto Alegre. Sobre os projetos, há avanços diferentes, de acordo com natureza e dimensão. Por exemplo, o fato de se fazer um trabalho unificado entre hospitais públicos e privados é algo que não se tem muitas experiências no mundo, é um marco nesse tipo de ação. Há projetos específicos vinculados ao 4º Distrito, há uma grande diversidade.
JC - O que esperar de 2020?
Piqué - Teremos o amadurecimento dos projetos e o surgimento de outros. Por exemplo, se colocava ao prefeito (Nelson) Marchezan (Júnior, PSDB) a necessidade de ter um escritório, um espaço centralizado, para receber delegações de investidores, um espaço onde possamos "vender a cidade" a quem queira investir aqui.
JC - O espaço seria do Pacto ou da prefeitura?
Piqué - O bom do Pacto é que coloca desafios e dá oportunidade para somar projetos para resolvê-los. Os projetos podem ter natureza pública, privada ou público-privada. Isso nos permite articular todos os projetos. Nesse caso, o projeto de fazer um espaço para vender e apresentar a cidade seria de alguma forma operado pela prefeitura, mas coordenado pelo resto das ações. Quando vem uma empresa como a Basf para se instalar em Porto Alegre, tem que falar com as universidades, com as empresas, tem que dialogar com o todo.
JC - Há pessoas e empresas querendo estar mais próximas das iniciativas do Pacto Alegre para fazer as coisas acontecerem. Quais os desafios da seleção dos projetos, de modo a permitir iniciativas capazes de transformar a sociedade?
Piqué - Com os projetos atuais, estamos tendo bases de mudança muito claras. Há projetos vinculados ao 4º Distrito, com instituições como (Instituto) Caldeira, Nau (Live Spaces, antigo Gondoleiros) e Fábrica do Futuro, que já estão fazendo ações, criando núcleos inovadores, estimulando o empreendedorismo corporativo. E aí vemos o bom do modelo do Pacto: não faz falta que só o prefeito faça as coisas, a sociedade também pode fazer. Mas precisamos criar mecanismos de participação ativa e de inteligência coletiva, isso nos dá mais força, somos mais eficientes, porque, com os mesmos recursos, temos mais valor. Vamos começar a ter na cidade expressões de inovação, com uma orquestração de toda essa gente. Um projeto pode avançar muito, mas o importante é que toda a Porto Alegre faça isso.
JC - O senhor citou iniciativas pontuais no 4º Distrito, que abrange uma região grande da cidade, com vários bairros e algumas áreas degradadas. Em quanto tempo pode haver uma mudança mais ampla?
Piqué - O 4º Distrito requer um planejamento urbanístico e, sobretudo, infraestrutura. É preciso criar condições para receber investimentos. Pelo que sei, o prefeito Marchezan foi a Washington, no Banco Mundial, para financiar o projeto (US$ 30 milhões). Isso significa financiar infraestruturas para que a iniciativa privada possa investir. No 22@, em Barcelona, se fez assim, um planejamento urbanístico, um plano de infraestrutura pública e, graças a isso, a iniciativa privada começou a investir. No 22@, foram mais de € 2,5 bilhões nos últimos 18 anos. Muito dinheiro privado investido em edifícios e novas construções, que permitem instalar empresas e todo um ecossistema.
JC - O caso de Barcelona pode ser feito em Porto Alegre?
Piqué - Correto. Repassamos esse modelo, pessoas da prefeitura de Barcelona explicaram toda a nossa metodologia.
JC - Voltando ao 4º Distrito, tem o plano urbanístico, aporte em infraestrutura e só depois...
Piqué - Pode ser ao mesmo tempo. Em algumas ruas (do 4º Distrito) já começaram a trabalhar. Na medida em que se faz a infraestrutura (já pode receber investimentos)... O plano urbanístico é para ter a organização dos usos. A infraestrutura é para assegurar que as empresas que se instalem tenham a tecnologia e as condições necessárias, energia, conexão etc.
JC - Porto Alegre está iniciando a revisão do Plano Diretor. Na última revisão, em 2010, foram aprovados estímulos para prédios maiores no 4º Distrito. Entretanto, nessa década, não surgiram tantos empreendimentos na região como se esperava...
Piqué - Porque o planejamento urbanístico é uma condição necessária, mas não suficiente. É preciso um plano de infraestrutura e, depois, um plano de desenvolvimento social, com a instalação de âncoras desse desenvolvimento.
JC - Nos últimos anos, uma área que passou por uma revitalização foi a orla do Guaíba. Qual sua avaliação?
Piqué - Muito interessante. É uma demonstração de como o urbanismo pode alterar (a cidade), com infraestrutura, iluminação. De fato, é um novo espaço que a cidade ganhou. Tem o restaurante 360 Poa GastroBar, não é só um restaurante temático, é um espaço diferente, com um pôr do sol maravilhoso. Portanto, vemos que é possível: em Porto Alegre se pensa, se planeja e depois se implementa. Com a orla, Porto Alegre demonstra a ela mesmo que é possível mudar. E, nos bairros, é possível mudar. Mas para isso é preciso ter um pensamento urbanístico claro, infraestrutura e, depois, usos. A Usina do Gasômetro já é um edifício restaurado, agora tem um projeto para desenvolver atividades, um polo de inovação local. E a própria orla (revitalizada) vai se estender um pouco mais.
JC - E o projeto do Cais Mauá?
Piqué - Barcelona já fez isso no porto velho, uma remodelação, e hoje é o polo de entretenimento, com shopping e toda a atividade de turismo. Efetivamente, é uma zona muito boa para desenvolver.
JC - Até que ponto as mudanças saem do papel por projetos? Há polos que simplesmente surgem, por exemplo, alguém abre um bar, depois surge outro nas proximidades e daqui a pouco tem um polo de bares...
Piqué - É a diferença entre o agricultor e o coletor. O coletor, na história antiga, não plantava, simplesmente pegava uma fruta da árvore e seguia para outro lugar, daí pegava outra fruta e seguia, não trabalhava a terra, vivia do que a terra dava. Já a agricultura é planejar, entendendo a natureza e vendo como plantar. O que estamos fazendo com o Pacto Alegre é um ecossistema inovador, em que entendemos a natureza da inovação, dos agentes - universidades, empresas, administração pública, sociedade civil. E permitir, por exemplo, que um empreendedor nasça. É preciso promover a natureza de nascer, a importância de crescer, por exemplo, com programas de empreendedorismo na universidade como fazem os parques tecnológicos - Tecnopuc, Ufrgs - ou hackathons (maratonas para criar soluções inovadoras)... Também por isso é importante a criação do fundo público de investimentos, bem como juntar corporações e startups no mesmo ambiente.
JC - Várias ações...
Piqué - O que quero dizer com isso: alguém pode pensar que de forma espontânea as coisas acontecem. E é possível que aconteçam. Obviamente, há empresários que vão fazer ações sem a necessidade de um ecossistema. Mas se alguém as gerir bem, pode acelerar o processo, com um entorno favorável para incentivar a inovação.
JC - Com vários atores...
Piqué - Estamos em uma mudança de estrutura econômica e estrutura social devido à revolução tecnológica, mas também devido às mudanças que ainda vão acontecer - a digitalização vai mudar tudo, tudo. E, até agora, pensávamos que a administração pública ia fazer tudo pela gente. Mas a administração pública é uma máquina. É como um martelo, que pode pregar pregos, mas talvez não esteja preparado para fazer uma escultura. Por isso, é importante incorporar a administração pública, a universidade, as empresas, a sociedade civil. Por isso, a importância do Pacto Alegre, que formula um mecanismo de criação de um projeto de futuro. Não de espera do futuro. É um mecanismo de articulação, uma inteligência coletiva, que não há muitas cidades no mundo que estejam fazendo. Porque há cidades em que a administração pública faz tão bem, que os cidadãos ou a sociedade não fazem nada.
JC - É possível fazer um paralelo entre Porto Alegre e outras cidades em que tenha trabalhado?
Piqué - Medellín fez um pacto de inovação com uma liderança pública muito explícita. E vejo aqui uma liderança muito clara, da sociedade civil e das universidades. No caso da América Latina, se pede tudo para a administração pública, e ela oferece o que tem. Os recursos estão limitados. Portanto, somar a capacidade pública com a capacidade privada e com a capacidade universitária, abre uma porta para a sociedade responsável, comprometida, que decide trabalhar para o bem comum. "Não é só para mim, não é só para os meus." Não há outra cidade no mundo onde a universidade esteja liderando desta forma. As universidades tomaram consciência de que são responsáveis pela sociedade. O Pacto Alegre vai ser uma referência pelo papel da universidade nesse desenvolvimento.
Perfil
Josep Miquel Piqué é espanhol da região da Catalunha. Presidente da incubadora La Salle Technova Barcelona, foi mentor e é conselheiro do projeto 22@, que revitalizou cerca de 200 hectares de uma área industrial obsoleta de Barcelona, com novas atividades de inovação. A ação é considerada uma das mais ousadas da Europa e espelho para outras cidades do mundo, com investimento superior a € 200 milhões em infraestrutura. Também esteve à frente do projeto de revitalização da cidade de Medellín, na Colômbia, e trabalha na Aliança para a Inovação, em Santa Catarina. Na Associação Mundial de Parques Tecnológicos e Áreas de Inovação (Iasp), que presidiu de 2016 a 2018, teve contato com Porto Alegre e hoje é consultor do Pacto Alegre, acordo entre instituições de ensino, governo, iniciativa privada e sociedade civil para estimular o empreendedorismo colaborativo. Com a metodologia utilizada por Piqué, as instituições envolvidas visam criar mecanismos para conectar e construir uma rede de desafios que permita transformar Porto Alegre em uma referência mundial em inovação.