JC - Pode dar um exemplo desses obstáculos?
Ibsen - Nossos governos, de 1988 para cá, convivem com um problema de difícil encaminhamento, que é o constante crescimento das despesas e a dificuldade de incrementar a receita. Como é que você incrementa a receita? Um caminho é otimizar a cobrança de impostos ou aumentá-los. Mas você não consegue aumentar a receita, porque a resistência ao aumento e à criação de novos impostos é generalizada. Um outro caminho seria o incremento da arrecadação, através do crescimento econômico. Só que a máquina pública no Brasil, em vez de ser indutora do crescimento, trava a economia. A máquina burocrática atrasa o nosso País pelo custo, pela demora, pela dificuldade operacional.
JC - E as despesas?
Ibsen - Como se faz para reduzir a despesa? Acabando com gastos desnecessários ou privilégios, enfrentando setores que têm alta capacidade de mobilização. Temos, no País, uma hipertrofia dos interesses corporativos, o que não significa, como disse, que eles não sejam legítimos. O serviço público é um exemplo. Há um crescimento desproporcional da máquina pública, com extrema dificuldade para reduzir os quadros, diárias etc. Creio que isso foi consequência do sistema constituinte instaurado no fim do regime militar.
JC - Acredita que a Constituição deveria ser mais simplificada?
Ibsen - Sim. É uma Constituição extremamente detalhista, o que não apenas emperra sua atualização, como também concede privilégios para setores que tiveram grande voz na Constituinte.
JC - Poderia fazer uma avaliação dos primeiros 10 meses do governo Eduardo Leite? É a continuação do governo José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018)?
Ibsen - Creio que sim, até porque as alternativas são muito escassas. O Leite pode ser mais jeitoso. O Sartori tinha um estilo mais franco. Mas, no conteúdo, não tem nenhuma diferença fundamental entre os dois. Além disso, as duas gestões têm a mesma dificuldade de cumprir os compromissos do Estado. O governo Sartori conseguiu quase um milagre: manter o atraso do salário dos servidores no mês seguinte ao do vencimento. O governo Leite já invadiu o segundo mês.
JC - Leite prometeu colocar em dia a folha salarial do funcionalismo ainda neste ano. O senhor acha que é possível?
Ibsen - Sem receita extraordinária, é impossível.
JC - E a receita extraordinária da venda das ações do Banrisul e da IPO (sigla em inglês de Oferta Pública Inicial) da Companhia Riograndense de Saneamento ficou para o ano que vem...
Ibsen - E, depois que esse dinheiro acabar, volta a mesma circunstância. Você vende ações, paga um mês ou dois. Se você vende a Sulgás, a CEEE e a CRM, paga mais um mês ou dois. Por isso, a receita extraordinária é para período extraordinário. É necessário reduzir as despesas com pessoal. O governo está propondo a extinção de vários benefícios dos servidores. Embora ressalve os atuais direitos adquiridos, ainda assim, os servidores são contra. Nenhum dos atuais será afetado, mas eles são contra o princípio. Então, como já disse, é muito difícil aprovar mudanças que são indispensáveis.
JC - Há vários nomes dentro do MDB porto-alegrense cotados para concorrer à prefeitura da Capital em 2020. Entre eles, o do deputado estadual Sebastião Melo, que foi o candidato à prefeitura em 2016; e o do ex-secretário de Segurança e ex-prefeito de Santa Maria Cezar Schirmer, que transferiu seu título eleitoral para Porto Alegre. Qual é o nome mais competitivo dentro do partido?
Ibsen - Acho que o MDB tem dois grandes nomes que são cogitados: Sebastião Melo e Cezar Schirmer. Melo foi um deputado bem votado e que tem tido uma boa atuação. Por outro lado, o Schirmer foi secretário estadual de Segurança, além de ter chegado a vários postos. Esses nomes têm mais destaque do que outros, como o do (vereador) Valter Nagelstein, o da (vereadora) Comandante Nádia etc. Entre Melo e Schirmer, creio que o candidato natural é o Melo, porque foi o candidato a prefeito em 2016, e, depois do resultado da eleição, houve uma percepção muito grande de arrependimento entre a população.
JC - Inclusive, a campanha que levou Melo à Assembleia Legislativa trabalhou com a ideia de que as pessoas que se arrependeram do voto em Porto Alegre tinham uma segunda chance de votar no emedebista...
Ibsen - Isso mesmo. Por isso, entendo que o candidato que tem mais naturalidade é o Sebastião Melo. Mas qualquer um dos dois - Melo ou Schirmer - representaria bem o partido na eleição.
JC - A ida de Schirmer para o governo federal, no qual assumiu um cargo na gestão Bolsonaro, deixa o caminho livre para o Melo?
Ibsen - Não saberia dizer qual é a intenção do Schirmer (ao assumir o cargo em Brasília). Ele nunca se colocou como candidato. O que ele fez foi transferir o título para cá. Aliás, não foi a primeira vez. Ele já era eleitor em Porto Alegre em 1992. Nesse ano, ele foi o nosso candidato à prefeitura e foi para o segundo turno com o Tarso Genro (PT). Lembro bem, porque, naquela eleição, eu era o candidato natural do partido. Nem teria disputa. Mas eu era o presidente da Câmara dos Deputados e estávamos em pleno processo de impeachment do (Fernando) Collor (de Mello). Para se ter uma ideia, a votação do impeachment aconteceu no dia 29 de setembro de 1992, e a eleição ocorreu quatro dias depois, em 3 de outubro, então eu não podia ser candidato. Aí, fizemos um apelo ao Schirmer para transferir o título para cá e ser o candidato. Mais tarde, ele transferiu o título para Santa Maria, onde se elegeu prefeito.
Perfil
Ibsen Valls Pinheiro tem 84 anos e é natural de São Borja. Graduado em Direito pela Pucrs, trabalhou como advogado, procurador, promotor de Justiça e jornalista. O início da militância foi no Partido Comunista Brasileiro. Instaurado o bipartidarismo pela ditadura militar, em 1966, filiou-se ao MDB. Na sigla, elegeu-se vereador (1977), deputado estadual (1979) e deputado federal (1982) por três mandatos consecutivos. Em 1991, como presidente da Câmara dos Deputados, comandou o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello (então PRN, hoje no Pros). Em 1994, acusado de envolvimento em irregularidades, foi cassado. Em 2004, elegeu--se novamente vereador de Porto Alegre. Em 2006, conquistou mais uma vez uma vaga na Câmara dos Deputados. Foi presidente do MDB gaúcho entre 2010 e 2012. Em 2014, foi eleito suplente de deputado estadual e assumiu com a saída de titulares para o secretariado estadual. Em abril de 2018, foi à tribuna da Assembleia para anunciar que deixaria o cargo e não concorreria mais.