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Senado deve retomar protagonismo nas reformas, diz Paim
Paim critica texto da reforma da Previdência aprovado na CCJ
Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na última quarta-feira, a reforma da Previdência segue, agora, para análise do plenário. Também foi incluída durante a tramitação na CCJ a chamada Proposta de Emenda Constitucional (PEC) paralela, um recurso para fazer mudanças na reforma sem interromper a sua tramitação.
O senador gaúcho Paulo Paim (PT), que tem trajetória parlamentar marcada pela atuação na área previdenciária, defende que o Senado assuma a sua função de casa legislativa revisora e proponha alterações. "Tem problema seríssimo nessa reforma, e todo mundo reconhece que todos perderão, a classe média, os mais pobres. O Senado tem que existir. A razão dele é ser a casa revisora."
A PEC paralela contempla, entre outros temas, a inclusão de estados e municípios nas novas regras. "Esse é um tema muito complexo, porque simplesmente dizermos que estados e municípios estão fora, o que pode acontecer? Cada município pode criar a sua Previdência. Cada estado criar a sua", pondera.
A intenção do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), é fechar acordo para votar a reforma da Previdência em primeiro turno já nesta quarta-feira. Paim critica a pressa na tramitação dessa e de outras reformas, como a trabalhista. "Chega no Senado, alegam que falta só três, quatro dias, vamos aprovar como está. A reforma trabalhista foi uma vergonha. O Senado não mexeu numa vírgula de um texto que mudou a vida trabalhista no País", aponta. A PEC paralela ainda não tem calendário de votação previsto.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o senador gaúcho também avalia a conjuntura nacional e comenta articulações partidárias para as eleições de 2020, defendendo que o PT abra espaço para a composição do que classificou de frente ampla. "Temos que trabalhar com lideranças não só do PT e pensar nos outros partidos com proposta para que a gente possa fazer algumas mudanças."
Jornal do Comércio - A proposta de reforma da Previdência chegou ao Senado com mudanças feitas pelo plenário da Câmara. O que o senhor avalia a respeito delas?
Paulo Paim - A proposta que veio do governo conseguiu ser pior do que aquela que foi apresentada pelo governo Michel Temer (MDB). E, por isso, a Câmara trabalhou muito com os deputados e conseguiu inclusive tirar alguns dos pontos principais. Diminui o prejuízo em relação àquilo que chegou no Senado. Retiraram a capitalização, que era uma crueldade, porque ela desmontava toda a seguridade social e ficava só a contribuição do empregado e 10% sobre o seu vencimento. Dos 30 países em que essa capitalização foi adotada, 20 já retrocederam. Então, lá está se revendo de novo essa questão. A Câmara também conseguiu salvar o trabalhador do campo, que saiu como grande prejudicado, mexeu ali no BPC (Benefício de Prestação Continuada), pelo menos...
JC - Vai a plenário, em separado, a PEC paralela, que inclui estados e municípios...
Paim - Esse é um tema muito complexo, porque simplesmente dizermos que estados e municípios estão fora, e deixar solto, o que pode acontecer? Cada município pode criar a sua Previdência. Cada estado criar a sua. A PEC paralela não altera nada na proposta que veio da Câmara. Na verdade, significa apresentar uma outra proposta. E querem promulgar essa na íntegra. Tenho dito que, se forem por esse caminho, é muito ruim, porque o Senado é a casa reduzida. Se tem problema seríssimo nessa reforma, e todo mundo reconhece que todos perderão - perde a classe média, perdem os mais pobres, e a miséria vai aumentar ainda mais -, temos a obrigação de fazer o nosso papel no Senado. Na reforma trabalhista, só carimbou, não fez nada. Bom, para que ter Congresso bicameral se o Senado só carimba o que a Câmara faz ou o que o Executivo manda? Tenho dito, até em defesa do Senado. O Senado tem que existir. A razão dele é ser a casa revisora.
JC - Na sua avaliação, por que isso acontece?
Paim - O Senado não assume a sua responsabilidade. Não tem essa de falta de prazo. Venho falando isso há mais de um ano. Por exemplo, eles dizem que essa Previdência não tem tempo. Como não tem tempo? Se cansou, nessa casa, nessa Câmara, e, naturalmente, no Senado, de votar PEC em dois turnos num dia, numa única noite. O Senado, que faz a revisão necessária, manda para a Câmara; na Câmara, em uma semana, volta. Na verdade, o Senado não se impõe, a Câmara faz o que entende adequado, e o projeto chega no Senado. Chega no Senado, alegam que falta só três, quatro dias, vamos aprovar como está mesmo. A reforma trabalhista foi uma vergonha. O Senado não mexeu numa vírgula de um texto que mudou totalmente a vida trabalhista no País.
JC - A MP da Liberdade Econômica é um reforço à reforma trabalhista?
Paim - Ela é uma outra reforma trabalhista. Com todos os defeitos e as críticas que faço ao governo, o governo mandou a proposta para o Congresso, tinha uma dúzia, uma dúzia e meia de artigos, e ela sai de lá com 50, votada numa comissão com deputados e senadores. Eu não fiz parte, tentei, mas não fui indicado. Resultado: voltou para a Câmara, os próprios deputados acharam que era demais, que era tão absurdo o que foi feito ali que eles mesmos diminuíram e voltou para 22 artigos.
JC - Como tem visto a atuação do presidente do Senado nessas pautas?
Paim - Procuro não personalizar nunca o que falo. Nesse caso, se tem alguma atuação indevida, o culpado é o Senado. E não é só o presidente do Senado. O presidente do Senado pauta as matérias. Quem tem que deliberar e assumir as suas responsabilidades é toda a casa. Exemplo bem claro, essa indicação, por parte do presidente da República, do governo, do seu filho para embaixador dos EUA. Considero totalmente indevida. É um erro que o governo está fazendo, um desrespeito ao Itamaraty, à carreira diplomática, aos diplomatas e embaixadores que se prepararam. Como presidente, ou governo, ele indicou o nome. Quem é responsável não é ele, é o Senado. Ele indicou só o nome. Agora, o Senado que poderá ter total responsabilidade, porque lá que vai ser testado, sabatinado e votado. O Senado que tem que dizer "olha, não reúne as questões objetivas, em respeito ao Itamaraty, aos profissionais de carreira, para essa função".
JC - Nas últimas décadas, o PT teve adversários tradicionais, como PSDB, DEM... No Rio Grande do Sul, o governador Eduardo Leite (PSDB) rechaçou algumas declarações de Bolsonaro. Há pontos de convergência com esses adversários históricos do PT para algum tipo de união em pautas futuras?
Paim - Minha opinião, e não do PT. No momento, estou muito preocupado com o Brasil. Essa política de ódio, de violência, de desrespeito, que parece que o palavrão é mais importante que a razão. Nossa história, de todos os governos que passaram...
JC - Até governos ditatoriais?
Paim - Até os militares. Nunca passamos um momento como este. Um ataque aos sindicatos, à educação. O pacto que a Constituinte fez, da seguridade social, está sendo desmontado. Há uma destruição da política do bem-estar social. Por isso que todos aqueles que efetivamente defendam a democracia... Temos que começar, podemos ter disputas pontuais, e assim é a vida, há disputas pontuais para um município, para um estado ou mesmo para a União, mas temos que ter um olhar maior, que ultrapassa, digamos, o interesse partidário, as vaidades pessoais, pensando no povo brasileiro. É isso que temos que ter.
JC - Voltando à questão da Previdência, em comparação a pautas como a da educação, os cortes nas universidades estão mobilizando bastante as ruas, mas as mudanças na presidência não geraram protestos massivos. O que acontece?
Paim - Infelizmente, as pessoas não sabem o que vem nessa reforma. Se a população soubesse o que vai acontecer com os idosos, com as pessoas com deficiência, com aqueles que já tinham direito para se aposentar... Veja na Argentina o que houve de manifestações por lá, porque o povo percebeu na época. Houve manifestações gigantescas na Argentina. E o povo tinha razão. O próprio Congresso Nacional (brasileiro) não está percebendo o que está acontecendo, porque todo dia ele apresenta uma reforma nova. Discute-se tanta coisa, e não se discute nada com profundidade, como, por exemplo, a Previdência. E o povo não fica sabendo direito o que vai acontecer.
JC - Analistas políticos criticaram o fato de o PT estar concentrado na pauta da liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso pode ter esvaziado outras pautas do partido?
Paim - Temos que saber trabalhar nesses dois campos. Claro que, se você tem um preso que é uma liderança incontestável e o ato de prendê-lo foi principalmente para ele não ganhar as eleições... Mas a gente não pode deixar de fazer o outro embate, de ter uma visão mais ampla pelo País, sabendo que a caminhada pela libertação do Lula, naturalmente, pelas instâncias legais, não tira e não pode tirar o foco de tudo o que vem acontecendo no Brasil.
JC - O senhor é um dos principais quadros do PT aqui no Rio Grande do Sul com cargo eletivo. Como vê o PT gaúcho se encaminhando para as eleições de 2020?
Paim - O PT tem muitos quadros dessa minha geração. Todos nós, tendo cargo eletivo ou não, temos nossas responsabilidades. Tem toda uma geração aí que disputou, cumpriu papéis importantes, mas, neste momento, não vejo por que não possamos colaborar para a formação, essa é a minha posição, de novos quadros, novas lideranças, numa visão, para mim, bem mais ampla. Tenho pedido sempre uma postura, mais do que nunca, neste momento, uma frente ampla. Temos que trabalhar na ideia de uma frente ampla pelo Brasil, para salvar o País. Na situação que está o Brasil hoje, deprimente, triste, tanto no cenário internacional quanto no nacional, devido à situação que está se apresentando. A democracia está em xeque. A liberdade, a justiça, o meio ambiente, o emprego, o salário, a renda, tudo está despencando. O caso do meio ambiente é gravíssimo. Temos que trabalhar com lideranças não só do PT e pensar nos outros partidos com proposta para que a gente possa fazer algumas mudanças. Veja o que aconteceu na Argentina. A Argentina foi também uma visão mais ampla, que fez com que o (presidente Mauricio) Macri, que adota uma política idêntica a essa que é adotada aqui, e que provou que lá não deu certo.
JC - O senhor acha que o PT está pronto para não ser cabeça de chapa? Nas últimas eleições, vimos o PT se recusando a ser coadjuvante.
Paim - Qual é o quadro dos partidos que têm uma visão mais ampla, como nós temos, que deveria ser candidato em Caxias do Sul? Quem deveria ser candidato em Santa Maria? Em Pelotas? Em Canoas? Em Porto Alegre? Os partidos da frente ampla pelo Brasil, para salvar o Brasil, para caminhar juntos nas eleições municipais, já estão, digamos, abrindo caminho para as eleições a governador e presidente, e ao Senado.
JC - Se não fizer isso, o PT pode perder ainda mais força?
Paim - Todos perdem. Perde o povo gaúcho, o povo brasileiro. E perderão os partidos também, que vão se isolar. Não gosto desses termos "esquerda", "centro" e "direita". Os setores mais conservadores sabem se aproximar. Se os setores progressistas não souberem se aproximar, o que vai acontecer com a educação, com a saúde ou com a própria segurança, estabilidade democrática? É obrigação nossa. Não tem que ser os mesmos nomes de sempre que deveriam ser candidatos. Por isso que não sou candidato a nada. Já fiz toda uma história. Quando terminar esse mandato, vou ter 40 anos de Congresso Nacional.
JC - Não pretende se candidatar ao Senado novamente?
Paim - Quando acabar meu mandato, vou me dedicar à militância às mesmas causas, mas não vou para nenhum cargo eletivo, não.
Perfil
Paulo Renato Paim, 69 anos, é natural de Caxias do Sul. Formado em marcenaria e matrizaria pelo Senai, iniciou a vida política na adolescência, no movimento estudantil, sendo presidente do ginásio noturno para trabalhadores e do ginásio estadual Santa Catarina, na época da ditadura militar. Jovem, veio a Porto Alegre trabalhar como metalúrgico e, depois, foi para Canoas. Logo, tornou-se uma liderança do movimento sindical, sendo presidente da central estadual. Eleito secretário-geral da CUT nacional, em 1983, Paim foi um dos escolhidos para representar o movimento na Constituinte. E, por isso, filiou-se ao PT, aos 35 anos. Elegeu-se deputado federal em 1986, sendo um dos 10 mais votados. Dividiu apartamento com Lula e Olívio Dutra nos primeiros tempos de Brasília. Reelegeu-se em 1990, 1994 e 1998 na Câmara dos Deputados, e, em 2002, elegeu-se senador. Em 2010 e 2018, reelegeu-se para o Senado. Com isso, pode completar 40 anos de Congresso Nacional ao fim do novo mandato. Sua atuação no Legislativo se destacou pela defesa dos direitos dos aposentados e da valorização do salário-mínimo.