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Extinção de conselhos populares gera críticas
Palácio do Planalto alega economia e fim de aparelhamento; pesquisadores lamentam desestruturação de colegiados
A decisão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de extinguir conselhos de políticas públicas ligados ao governo federal tem recebido críticas. As primeiras mobilizações contrárias surgiram no meio acadêmico. Tão logo foi assinado o decreto nº 9.759/2019, no evento que marcou os 100 primeiros dias da gestão, um grupo de pesquisadores de todo o País se uniu para formar o movimento "O Brasil precisa de conselho". Na descrição da página que mantém no Facebook, o grupo afirma que "acabar com os conselhos é enfraquecer a democracia".
"Tem muita informação equivocada que visa deslegitimar esse espaço", comenta o professor Marcelo Kunrath Silva, do departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e integrante do movimento. Ele explica que a linha de atuação do coletivo é, num primeiro momento, difundir entre a sociedade o que são e como funcionam os conselhos.
A medida define que serão extintos os colegiados instituídos por decreto, por ato normativo ou de outro colegiado.
Não são afetados os criados pelo atual governo, ou seja, a partir de 1 de janeiro deste ano. Já para a criação de novos colegiados, recriação dos extintos ou ampliação dos existentes, serão exigidas adequações, como a previsão de que as reuniões sejam por videoconferência e a redução de membros.
O decreto dá prazo até 28 de maio para que os ministérios defendam a manutenção de conselhos que compõem a sua estrutura. Os processos serão analisados e até 28 de junho a extinção dos colegiados estará concluída.
Um levantamento colaborativo organizado pelo movimento em defesa dos conselhos aponta que ao menos 52 colegiados devem ser atingidos pela medida de Bolsonaro, entre conselhos, comissões, comitês e grupos de trabalho, uma vez que o governo não apresentou essa relação.
O número apontado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), de reduzir 700 colegiados para, no máximo, 50, não é confirmada e foi usada como estimativa, provavelmente incluindo grupos de trabalho internos dos ministérios, que não contam com a participação da sociedade civil.
Comemorada pelo governo por promover "gigantesca economia, desburocratização e redução do poder de entidades aparelhadas politicamente", conforme postagem na conta oficial de Bolsonaro no Twitter, a determinação não veio acompanhada da estimativa de redução de custos.
A participação em conselhos, contudo, não é remunerada. Os custos para o governo se restringem ao custeio de viagens e hospedagem para que conselheiros compareçam a reuniões presenciais - o que também passará por mudanças.
Silva, que participa do núcleo de pesquisa Sociedade, Participação Social e Políticas Públicas, na Ufrgs, critica o discurso do "desperdício de recursos", o qual acusa de não considerar o quanto esse investimento produz, em troca, para a sociedade. "O processo eleitoral também (tem custo) e ninguém vai propor o fim. É preciso ter cuidado com esse argumento", alerta.
Dos conselhos nacionais listados dentre os passíveis de extinção estão alguns conhecidos, como o dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), criado em 1999; de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT, de 2001; dos Direitos do Idoso, de 2002; e da Transparência Pública e Combate à Corrupção, de 2003.
Um exemplo de conquista social obtida devido à atuação dos conselhos é a implementação do Plano Nacional da Pessoa com Deficiência, constituído a partir da atuação do Conade.
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu submeter ao plenário da corte uma ação ajuizada pelo PT contra o um decreto que extingue os conselhos. Não há data para o julgamento da liminar no plenário. Cabe ao presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, incluir o processo na pauta.
Decreto do presidente Jair Bolsonaro também revoga Política Nacional de Participação Social
O decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) revoga ainda a Política Nacional de Participação Social (PNPS), criada em 2014 também via decreto presidencial. Priscilla Ribeiro dos Santos, professora do departamento de Ciência Política da Ufrgs e pesquisadora do grupo Processos Participativos na Gestão Pública, lamenta que a participação não seja vista como "estratégia permanente de políticas públicas".
Ela avalia que "o expediente utilizado para a criação dos colegiados (por meio de decreto) acabou fragilizando sua própria manutenção para além da vontade política de uma gestão". O professor Marcelo Kunrath Silva complementa que "os governos avaliaram que, naquele momento, era suficiente usar mecanismos como o decreto" porque "era quase um consenso de que participação era positiva e devia ser estimulada".
Silva recorda que na década de 1990, regidas pela nova Constituição e logo após a redemocratização, "praticamente todas as forças (políticas), de direita e esquerda, defendiam mecanismos participativos". Embora o governo já tivesse dado sinais de que poria fim no diálogo com a sociedade civil, Priscilla comenta que os pesquisadores da área foram surpreendidos com essa iniciativa. A leitura é que, mesmo não atingindo os colegiados criados por lei, a manutenção destes pode ser afetada com corte de recursos e falta de diálogo.
Priscilla, que pesquisa conselhos há nove anos, avalia como "incertos" os impactos da medida, mas pondera que ele afeta "sobretudo essas instâncias de diálogo com a sociedade, exemplos de boas práticas da gestão pública". Os dois professores concordam que isso prejudica a imagem que o Brasil construiu ao longo dos últimos 30 anos por meio de uma série de mecanismos participativos.
"Isso revela o quanto os representantes eleitos são refratários à participação", lamenta a pesquisadora. Neste sentido, a Defensoria Pública da União emitiu uma nota técnica afirmando que o decreto nº 9.759/2019 "viola direitos constitucionalmente garantidos referentes à participação popular na produção de políticas públicas insculpido no parágrafo único do art. 1° da Constituição Federal".