'A Copa nos ajudaria a chegar até as eleições', diz Damo

Doutor em Antropologia observa aposta na aura que o futebol tem e que o evento vai além do apelo meramente esportivo

Por Patrícia Comunello

Entrevista especial com o professor de Antropologia da Ufrgs, Arlei Damo, sobre Brasil, Copa e política.
Em meio ao ambiente político pré-eleitoral brasileiro tenso e repleto de indefinições, que tal assistir aos jogos da Copa do Mundo de 2018 para dar um tempo? A sugestão é do professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e doutor em Antropologia Arlei Sander Damo, apostando numa aura que o futebol tem e que vai além do apelo meramente esportivo. "Ele consegue fazer com que pessoas de diferentes classes, idades, gêneros e interesses partidários consigam dialogar", atenta Damo.
O professor lançou esta proposta na coluna Entrevero, que mantém no site Ludopédio, um espaço do mundo acadêmico dedicado ao esporte mais popular do País. "Talvez jamais o Brasil tenha precisado tanto de uma Copa do Mundo. Não me refiro ao título, a esta altura irrelevante. Uma quarentena de amenidades nos faria bem e de quebra chegaríamos mais perto das eleições", escreveu o professor da Ufrgs.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Damo logo avisa que a atitude é uma alternativa em meio a dificuldades "de diálogo e mediação". "O debate travado neste momento não está sendo produtivo. É um debate entre grupos quase que de fanáticos."
Jornal do Comércio - Por que a Copa do Mundo faria bem ao Brasil neste momento?
Arlei Sander Damo - O clima político está muito tensionado e está faltando mediação. Sabemos que a política é um espaço de debate e tensionamento em um país, estado ou cidade, mas quando isso chega a um nível em que não tem possibilidade de diálogo fica complicado. E chegamos a este ponto. O debate travado neste momento não está sendo produtivo. É um debate entre grupos quase que de fanáticos, especialmente o que acontece em redes sociais na internet. As pessoas que têm muita convicção em suas opções não abrem mão e, por outro lado, temos pesquisas eleitorais mostrando que há muitos indecisos, apontando para a falta de perspectivas. Escrevi o artigo sobre a Copa e os brasileiros bem no meio da greve dos caminhoneiros em que se começou a discutir a possibilidade de uma intervenção militar. Quando se chega nesta situação, tem de dar uma parada estratégica, para recomeçar lá adiante em outro ponto. A Copa do Mundo nos ajudaria a chegar até as eleições.
JC - Alguma chance de o futebol feminino chegar ao reconhecimento do masculino?
Damo - O que faz os esportes prosperarem é ter público. O futebol dos homens atingiu isso, após um longo percurso. O feminino é mais recente, está mais no registro de outros esportes, como vôlei, basquete etc. Para ter mais visibilidade, teria de constituir um público cativo, que assiste aos jogos e vai aos estádios. Nos últimos tempos, tem se tentado fazer algo diferente com o futebol das mulheres, que não seja apenas replicar o modelo do masculino, que acho que não funcionaria. Até porque as mulheres que militam nesta área não querem ser o outro lado, como um modelo de feminilidade que complementa a masculinidade do futebol dos homens, em geral bem tradicional. Há pressão para que o futebol das mulheres dê resultados em pouco tempo, o que pode frustar. Mas é bom lembrar que o futebol masculino levou décadas para criar clubes sólidos, perenes e com uma comunidade afetiva no entorno. O futebol das mulheres precisa sair da sombra dos clubes de grande porte. O que é mais urgente é formar mulheres para serem dirigentes e que possam buscar caminhos. Talvez o futebol das mulheres nunca chegue a ter tanta visibilidade e dinheiro quanto o dos homens. O que importa é superar preconceitos que impediam mulheres de jogar, treinar e dirigir clubes ou comentar jogos na TV. Avançamos bastante nesse aspecto, mas precisamos mais.

Perfil

Arlei Sander Damo tem 47 anos, nasceu em Quilombo, em Santa Catarina, e é professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), onde fez mestrado e doutorado. Foi estagiário de pesquisa no Institut d'Ethnologie Méditerranéenne et Comparative (Université d'Aix-Marseille I & III) entre 2003 e 2004 e hoje é pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). É autor de quatro livros: Futebol e identidade social; Do dom à profissão: a formação de futebolistas no Brasil e na França; Fútbol y cultura (Buenos Aires, Argentina) e Megaeventos Esportivos no Brasil, os dois últimos em coautoria com Ruben Oliven, também professor da Ufrgs. Além de atuar na área de Antropologia do Esporte, Damo coordena o Grupo de Antropologia da Economia e da Política (Gaep) e colabora com o site Ludopédio.