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Publicada em 30 de Março de 2020 às 14:07

Como se constrói uma marca

Alessandro Souza é coordenador do curso de Publicidade &Propaganda da ESPM-Sul

Alessandro Souza é coordenador do curso de Publicidade &Propaganda da ESPM-Sul

/ESPM-SUL/DIVULGAÇÃO/JC
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Luka Pumes
A divulgação dos resultados do Marcas de Quem Decide sempre deixa o público curioso sobre como foi o caminho das empresas até este reconhecimento. Chegar ao ponto de as pessoas terem o nome de um negócio na ponta da língua é uma trajetória longa e exige esforço constante. Nesta entrevista, o coordenador do curso de publicidade e propaganda da ESPM-Sul, Alessandro Souza, fala sobre essa construção.
A divulgação dos resultados do Marcas de Quem Decide sempre deixa o público curioso sobre como foi o caminho das empresas até este reconhecimento. Chegar ao ponto de as pessoas terem o nome de um negócio na ponta da língua é uma trajetória longa e exige esforço constante. Nesta entrevista, o coordenador do curso de publicidade e propaganda da ESPM-Sul, Alessandro Souza, fala sobre essa construção.
Liberdade da forma do corpo, sustentabilidade, diversidade e posicionamentos políticos, agora, estão presentes em campanhas publicitárias. Os temas, no entanto, exigem cuidados, para que a marca não seja lembrada por um viés negativo.
Alessandro é publicitário, doutor em comunicação e informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e possui MBA em marketing.
Marcas de Quem Decide - Como se constrói uma marca?
Alessandro Souza - Uma marca se constrói por meio de cuidados tanto de pré-venda quanto de pós-venda. Deve haver um zelo com as interações que ela tem em todos os ambientes. Costumamos dizer que a marca tem todas as questões tangíveis, de como o produto é entregue, ou as intangíveis, de como o serviço é entregue. Existe a questão do cuidado com tudo que ela representa, de todos os lugares que ela aparece, quem são as pessoas que a endossam. Então, é um processo contínuo com todas as representações que ela tem tanto em produtos e serviços quanto com o consumidor. Assim se constrói uma marca, procurando, também, comunicar um posicionamento diferente, atrativo e verdadeiro. Quando ela consegue esse posicionamento único e, ao mesmo tempo, relevante para aquela demanda, ela consegue se fixar na cabeça dos consumidores mais facilmente.
MDQD - Que armadilhas a tecnologia impõe às marcas e quais os riscos de ousar demais no meio digital?
Alessandro - Diria que a tecnologia impõe desafios e não armadilhas. Realmente, é bastante complexo acompanhar todas as transformações, mas é fundamental. Uma das habilidades mais apontadas como relevante para o futuro é a do cientista de dados. O grande desafio das marcas é estarem atentas a tudo que está sendo dito sobre elas e a todas as oportunidades que têm de mudança, que eventualmente pode ser de um canal de distribuição ou uma ferramenta de interação, por exemplo. A tecnologia pressupõe tudo isso. Mas, ao mesmo tempo, gera muita oportunidade, porque permite que ela tenha um canal mais direto com o consumidor. Os feedbacks, hoje, chegam mais rápido. É um ganho de velocidade na operação que, em outros tempos, só poderia ser captado via pesquisa. Diria que o grande bem da tecnologia é gerar essa velocidade de feedbacks e de interações com os consumidores. Tem um outro aspecto muito importante que é o cruzamento de dados, o famoso big data ou data mining dentro do marketing. Atualmente, temos muito mais formas de capturar os dados dos consumidores de maneira correta e interpretar o que ele está dizendo, como ele está consumindo. Ganhamos em velocidade de interação e, ao mesmo tempo, temos um grande ativo que é ter pistas sobre o consumo dos nossos clientes. Por um lado, diálogo com mais rapidez e, por outro, enxergo melhor todo o comportamento de compra dele.
MDQD - Que marcas estão se posicionando bem e recebendo retorno atualmente?
Alessandro - Há vários exemplos bem legais. Gosto muito da Insecta Shoes, que tem uma marca maravilhosa, com uma pegada de moda sustentável, que usa o conceito moda ética com estética. É uma marca que realmente se posiciona e atua com a causa, cuida de suas pessoas e esse posicionamento de fazer roupas a partir de garrafas pet, por exemplo, pega superbem em toda uma geração de consumidores que prega isso. Outra marca que podemos citar é a Sicredi, uma instituição financeira que tem toda uma questão de construção da importância do cooperativismo, de como ele pode ser uma nova forma de se pensar a economia. Acho muito redondo esse posicionamento da Sicredi de se contrapor a esse modelo corporativista e em que o correntista também é parte das decisões e dos ganhos. São dois exemplos de setores bem diferentes, um de moda e outro financeiro, um mais descolado e outro, em tese, super-rígido. Isso é muito bacana da gente pensar, pois são construções de marcas bem legais com dois posicionamentos bem interessantes.
MDQD - O que as marcas precisam pautar na comunicação hoje?
Alessandro - As marcas devem priorizar na comunicação o seu posicionamento, sempre de maneira transparente com todas as pessoas e áreas que envolvem o seu negócio, seja com consumidores, fornecedores ou colaboradores.
MDQD - Há algum caso emblemático de marca que perdeu muito por apostar em comunicação fora de um nível aceitável pela opinião pública?
Alessandro - Não diria que têm muitas marcas que perderam muito por se posicionar de uma forma muito forte em relação à opinião pública, mas podemos nos lembrar de alguns exemplos no mundo da moda. A Victoria's Secret, por exemplo, sofreu um pouco por trabalhar a questão dos estereótipos e não entregar. Tem a discussão sobre o trabalho escravo, que algumas marcas de moda não tiveram um entendimento real de como trabalham seus fornecedores e acabaram sendo um pouco penalizadas. O consumidor está muito mais atento a quem são os estereótipos, a quem o está representando em sua comunicação. Está mais atento a toda cadeia de produção. Não diria que perderam muito, mas, nitidamente, tiveram algum desgaste. E, talvez, o caso recente mais emblemático, uma tragédia, uma questão de crise muito forte, é o da Vale com toda a questão de Brumadinho. Ela teve um posicionamento muito ruim em um primeiro momento, tentando barganhar e não deixando muito claro que queria apoiar a comunidade. Há nichos de algumas questões mal resolvidas, de alguns gerenciamentos ruins das marcas, desde uma grande mineradora até uma empresa de moda. No próprio ambiente político, há alguns casos assim. Poderíamos pensar nessas questões que influenciaram em valor de marca quando elas tinham alguma relação de capital aberto, em bolsa, mas também de percepção de imagem e consumo.
MDQD - Como inovar de forma alinhada com o público?
Alessandro - Voltando um pouco para a questão da tecnologia, a marca deve checar o perfil de seus consumidores, ou seja, de aderência ao tipo de relacionamento que será construído com eles para não haver nenhum exagero nesse ambiente digital. É uma coisa que é possível, por exemplo, para empresas de moda, fast-food, para a indústria do entretenimento. Mas há setores que são um pouco mais rígidos, que lidam com consumidores mais formais. É difícil imaginar o setor da saúde ou um escritório de advogados sendo informais em sua comunicação. Esse é um cuidado importante e não dá para generalizar. Vejo, por exemplo, o Burger King e o McDonald's fazendo "bacanices". Faz sentido uma vez que o segmento trabalha muito com jovens. Mas, dificilmente, veremos o Albert Einstein e o Sírio Libanês fazendo esse tipo de abordagem. Passa muito pelo setor a questão de como usar a tecnologia de uma maneira mais descontraída, mais no sentido redes sociais. Acho muito importante evitar essa angústia de querer falar o "internetês", de maneira mais descontraída sempre.

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