Eles chegaram aos milhares para votar de manhã cedo. Descendentes de escravos, filhos da era dos direitos civis e outros moradores da Geórgia, nos Estados Unidos, ficaram na fila por horas quando poderiam estar em outro lugar. No entanto, em um ano em que questões como preconceito e justiça racial estão em primeiro plano, os eleitores negros viram que vale a pena perder tempo para votar no próximo presidente dos EUA - mesmo que no início do processo de votação e durante uma pandemia, o mero ato de ir a um local de votação se torne arriscado.
Tendo de esperar mais de três horas para votar em Savannah na quarta-feira (14), Khani Morgan, de 75 anos, não queria arriscar sua saúde meses depois de sofrer um derrame: ela usava uma máscara e uma proteção de plástico que cobria todo o rosto. Khani disse que a importância do voto foi incutida nela quando menina pela bisavó Sally Williams, que nasceu escrava em 1850 e viveu mais de 100 anos. Por isso, se sentiu obrigada a votar cedo para registrar seu apoio ao democrata Joe Biden, na frente do atual presidente dos EUA, o republicano Donald Trump, nas pesquisas eleitorais.
"Não vou deixar nada ficar no caminho de mim e desta oportunidade", afirmou Khani, que coordena um programa de alfabetização de adultos. A disposição de muitos eleitores negros de fazer fila ao invés de voltar outro dia é uma medida de sua determinação e ceticismo sobre o sistema.
Os moradores da Geórgia reconheceram que poderiam ter votado pelo correio ou retornado a um local de votação em um momento diferente. Mas sem a expectativa de que a votação se tornasse mais fácil nas próximas semanas, eles viram a espera como uma etapa necessária.
Nascido durante um ano crucial do movimento pelos direitos civis, quando os negros ainda lutavam pelo direito ao voto no Sul, Donovan Stewart, de 56 anos, se preparou para esperar o tempo que fosse necessário para votar no subúrbio de Duluth, em Atlanta.
"Muitos indivíduos passaram por muito, sofreram muito por esta oportunidade", disse Stewart, um militar aposentado. "Fizeram isso para que eu pudesse ficar na fila por quatro horas para cumprir meu dever cívico. É para isso que fomos chamados, votar e tentar fazer uma mudança. "
Também em outros estados, eleitores esperaram horas na fila desde cedo. Assim foi no Texas, no Kentucky e no Tennessee. Mas na Geórgia, um estado mais disputado do que no passado, as eleições chamaram a atenção nos últimos anos.
Esse tem sido o caso principalmente desde 2018, quando o republicano Brian Kemp derrotou a democrata Stacey Abrams em uma disputa governamental acirrada, que foi atormentada por longas esperas e alegações de supressão de eleitores. Longas filas, causadas em parte por problemas de equipamento, prejudicaram as primárias de junho no estado, e as preocupações resultaram em uma enxurrada de ações judiciais relacionadas às eleições buscando soluções rápidas antes da eleição de novembro, bem como mudanças mais amplas e de longo prazo no sistema de votação.
Apesar de reconhecer falhas no equipamento, o secretário de Estado, Brad Raffensperger, disse que os procedimentos de limpeza relacionados à pandemia e um grande comparecimento resultaram na longa espera que os eleitores encontraram até agora durante a votação. "Se você olhar para essas filas, elas parecem longas, mas todos estão espaçados por dois metros e isso faz com que pareçam muito mais longas", disse ele durante uma coletiva de imprensa.
Muitos eleitores da Geórgia decidiram votar perto do início da votação antecipada ao invés de esperar até mais perto do dia da eleição. A votação tem sido pesada tanto em distritos com tendência democrata quanto em redutos republicanos.
Incapaz de encontrar o fim da longa fila durante sua primeira tentativa na votação antecipada na segunda-feira (12), Michelle Lynch tentou novamente na quarta-feira e tirou uma selfie enquanto exibia seu adesivo "Eu votei" depois de ter sucesso. Michelle votou em Biden e planeja compartilhar sua história nos próximos anos. "Quero poder dizer aos meus netos que participei da votação", contou. "Nossos ancestrais lutaram tanto pela votação e eu sinto que este é um momento agora".
Stephanie Loftin, de 48 anos, levou cerca de quatro horas para votar pessoalmente perto de Atlanta. Embora a votação não presencial permitisse a ela evitar uma longa espera, Stephanie não se sentiu confortável com a ideia de enviar sua cédula ou jogá-la em uma caixa de coleta. "Não confio no sistema, para dizer o mínimo. Sinto que ficar na fila e realmente garantir que minha cédula seja feita, me faz sentir melhor, me faz descansar melhor à noite".
Na cidade de Marietta, Alexus Daniels, de 26 anos, não foi impedido por longas filas. "Nosso país está uma bagunça agora, então eu tive que sair, tenho que fazer minha voz ser ouvida", disse ele enquanto esperava sua vez.
Vendedora de imóveis, ela disse que está mais atenciosa do que nunca com seu direito de voto e ir para a fila valeu o risco e o trabalho. "Acho que é uma garantia de que meu voto vai valer", argumentou.