Estudo pioneiro mapeia população com Transtorno do Espectro Autista no RS

Dados foram obtidos através dos encaminhamentos para a Carteira de Identificação do Espectro Autista, chamada de CIPTEA

Por Luciane Medeiros

No RS, para cada 4 meninos com autismo, 1 menina tem o transtorno
O Rio Grande do Sul tem pelo menos 4.074 pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), sendo 80% delas do sexo masculino e 20% do sexo feminino. Os dados foram coletados a partir das solicitações feitas para obter a Carteira de Identificação da Pessoa com Espectro Autista (CIPTEA), em um levantamento inédito em todo o Brasil. A iniciativa busca identificar as principais características dessas pessoas e suas famílias, e vai orientar os gestores públicos na elaboração de políticas mais assertivas para essa população.
Ana Flávia Beckel Rigueira, diretora técnica da Faders Acessibilidade e Inclusão - órgão do governo gaúcho que realizou a pesquisa - explica que, a partir de informações sobre temas como educação, trabalho e renda, será possível mapear quais são as principais dificuldades e obter o recorte do que pode ser feito nos municípios. Os dados foram coletados entre 18 de junho de 2021 e 18 de março de 2022 e abrangem tanto as pessoas diagnosticadas no espectro autista quanto seus familiares. “A cada ano, no mês de abril, todas as informações colhidas serão atualizadas para que tenhamos sempre o número mais próximo da totalidade”, afirma.
A diretora da Faders diz que o número de pessoas consideradas do espectro autista é maior do que as registradas pelas solicitações de CIPTEA. Mas, para se ter uma noção exata dessa população, é preciso que sejam feitos mais encaminhamentos da carteira de identificação. 
No Rio Grande do Sul, para cada quatro meninos com autismo, existe uma menina com o transtorno. “É mais fácil a identificação no sexo masculino, pois nas meninas a detecção acontece quando há uma comorbidade associada, como a deficiência intelectual e atraso significativo na linguagem, evidenciando o diagnóstico. As manifestações sociocomunicativas são mais sutis nas meninas”, esclarece.
Para atender essa parcela da população, o governo do Rio Grande do Sul desenvolveu o projeto prioritário TEAcolhe, que busca proporcionar o atendimento qualificado às pessoas com TEA. A Lei Gaúcha Pró-Autismo, de 2019, estabelece, entre outras medidas, a garantia do atendimento às necessidades específicas das pessoas com transtornos do espectro autista, visando ao desenvolvimento pessoal, à inclusão social e à cidadania e ao apoio às suas famílias.

O que é a CIPTEA

A Carteira de Identificação do Espectro Autista (CIPTEA) tem o objetivo de garantir a atenção integral, o pronto atendimento e a prioridade no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social. 
A CIPTEA pode ser solicitada por meio do formulário disponibilizado no site da Faders (www.faders.rs.gov.br).  

Alguns dados da população com Transtorno do Espectro Autista no RS (a partir dos pedidos de CIPTEA)

Faixa etária
4 a 5 anos - 20%
8 a 10 anos - 17,30%
11 a 15 anos - 16,67%
16 a 18 anos - 4,81%
19 a 25 anos - 4,57%
Idade em que obteve o diagnóstico
0 a 3 anos - 57%
4 a 7 anos - 29%
8 a 10 anos - 5%
11 a 18 anos - 5%
19 a 60 anos - 4%
61 anos ou mais - 0%
  • Renda - 80% com renda per capita inferior a 1 e 1 e ½ salário-mínimo
  • 21% possui outras deficiências além do autismo

Mãe é nomeada curadora de filho com TEA

Embora as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) sejam consideradas capazes, há situações em que os familiares podem ingressar com ação judicial para pedir a curatela - medida de amparo à pessoa que não tem condições de reger os atos de sua própria vida civil. Isso ocorre com indivíduos que, mesmo trabalhando, não têm condições para administrar o salário que recebem, ou quando há riscos para sua saúde, por exemplo.
Foi o caso de um jovem de 23 anos, cuja mãe ingressou na Justiça pedindo para ser curadora do filho. “Essa mãe nos procurou porque seu filho, na época com 23 anos, trabalhava e tinha conta salário em seu nome. Os valores recebidos eram gerenciados por ela, mas era preciso regularizar a situação”, explica a advogada Aline Favarim, do escritório Favarim Advogados.
Neste caso, foi possível fazer o enquadramento na situação de curatela, resultando na interdição do jovem em relação ao seu patrimônio, negócios e saúde.
Aline explica que a curatela também se estendeu aos atos relativos à própria saúde do rapaz, uma vez que havia necessidade de nomeação de uma pessoa para administrar as medicações de uso contínuo por ele utilizadas. Ele não possuía a capacidade de tomar os remédios da forma necessária, nos dias e horários corretos.
A curatela é um instituto previsto no Código Civil desde 1916, mas foi sendo modificada ao longo do tempo. A alteração legislativa mais recente e importante veio com a Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência. Ao não estabelecer mais a incapacidade civil absoluta para os portadores de qualquer deficiência, tem o objetivo de evitar a segregação dessas pessoas na sociedade para que elas exerçam seus direitos em igualdade de condições com todos os demais.
No entanto, a própria lei prevê que, quando for necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela. “A maior diferença é que, após a edição do estatuto, a curatela passou a ser uma medida extraordinária e prevista para durar o menor tempo possível”, ressalta Aline. A advogada acrescenta que há casos em que, dependendo dos laudos médicos e periciais, a medida pode se tornar definitiva. “Mas, ela não pode alcançar direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto”, esclarece.