A tecnologia e a medicina andam conectadas na busca por compreender os motivos que levam ao desenvolvimento do Alzheimer. Estudos e exames executados por duas instituições de ensino gaúchas, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) e a Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) evidenciam que, apesar de não existir cura, a doença não é uma sentença. Mas, além do paciente, as consequências do Alzheimer afetam também os familiares.
Lançado em abril deste ano, o livro “Como cuidar de um familiar com Alzheimer e não adoecer”, do médico geriatra e também professor da Universidade Feevale, Leandro Minozzo, evidencia a necessidade de suporte às famílias dos pacientes. A publicação é da editora Sulina, com apoio da Livraria Bamboletras.
Jornal do Comércio - Como cuidar de um familiar com Alzheimer e não adoecer?
Leandro Minozzo - A primeira coisa é aceitar o desafio que terá pela frente. Superar a negação, que é um comportamento muito normal, é a primeira etapa para não adoecer. As famílias que não conseguem fazer isso têm um risco muito maior de adoecer. Depois, buscar conhecimento sobre a doença. Ninguém nasce preparado para ser cuidador e ter um familiar com Alzheimer. Então, é um imprevisto, como menciono no livro, que temos que nos preparar para enfrentar da melhor maneira possível. Esses dois caminhos são bem importantes: aceitar a doença superando a negação e buscar conhecimento para conseguir fazer essa trajetória ser menos prejudicial tanto para o familiar adoecido quanto para quem cuida.
JC - Encarar o Alzheimer de um familiar é lidar de forma direta com o luto?
Minozzo - Totalmente. A primeira parte do livro fala justamente sobre isso, as características do luto relacionadas com o Alzheimer. A negação faz parte do processo de luto, inclusive de um luto prolongado, que pode se estender por quatro, cinco e seis anos quando ele não for bem resolvido. Esse luto prolongado é o que nós chamamos de antecipatório, a pessoa está viva, mas é como se estivesse vivendo um processo de morte continuada. Superar o luto e encarar as fases iniciais, que é justamente a negação, seguida da raiva, é bem importante para o familiar conseguir ir para uma fase mais organizada.
JC- Em seu livro, “Doença de Alzheimer: Como se prevenir", o senhor comenta que até mesmo os médicos possuem dificuldade de orientar corretamente essas pessoas, por quê?
Minozzo - O livro é de 2013, vão se fazer dez anos da primeira edição do “Doença de Alzheimer - como se prevenir”. Naquela época, se falava muito pouco na prevenção da doença. Atualmente, a tendência é avançar nesse aspecto. A gente sabe que manter uma vida ativa, com exercícios físicos, atividades mentais, tratando a depressão e mantendo o tratamento de doenças como hipertensão e diabetes, previne. Hoje, houve uma mudança na compreensão da medicina e dos médicos, mas, naquela época, tinha essa dificuldade. Hoje, vejo que isso mudou para melhor. A gente sabe que é possível postergar e prevenir a doença de Alzheimer.
JC- Até agora, o que se sabe sobre o Alzheimer?
Minozzo - É uma doença muito complexa que, infelizmente, não tem cura e nenhum tratamento disponível que reverta os danos causados, essa é a situação atual. Mas, temos muitas descobertas, inclusive, de comprometimento de células que não são neuronais, células de apoio do sistema nervoso central, chamadas células da glia, que atuam também na doença de Alzheimer. Esperamos que nos próximos anos a gente consiga ter medicamentos que consigam evitar que as lesões do Alzheimer surjam, as marcas beta-amilóides e o acúmulo da proteína fosforilada. Esperamos que esses remédios sejam testados e tragam resultados positivos. Infelizmente, o Adulem, medicação que foi aprovada no ano passado nos Estados Unidos, não conseguiu, de uma forma convincente, mostrar que os benefícios superam os riscos. Aguardamos novos fármacos para colocar à disposição. Até lá, o que temos para fazer, como médicos, é estimular os idosos e as pessoas da minha idade a ter hábitos saudáveis, a praticar exercícios físicos, a dormir bem e a ter uma dieta saudável.
JC - Como é feito o processo de triagem da doença?
Minozzo - É importantíssimo que não só o idoso perceba seus esquecimentos, porque não podemos depender disso, uma vez que é comum o paciente com Alzheimer não perceber que está esquecido e que seu esquecimento é algo significante. É muito importante que as famílias, em um conceito ampliado e não apenas em um núcleo pequeno, mas irmão, tios e sobrinhos, consigam perceber que os esquecimentos estão acontecendo e não julgá-los como normais no processo de envelhecimento. Dessa forma, uma consulta pode ser realizada. Esse ponto da conscientização é muito importante. No Brasil, temos estudos que mostram que leva um ano e meio e, às vezes, até dois anos para se chegar em um diagnóstico, desde os primeiros sinais de esquecimento. Uma consulta médica é primordial, ela pode ser feita com um clínico geral da atenção básica, geriatras e com neurologistas especializados Assim, é possível avaliar se o esquecimento tem alguma outra razão como, por exemplo, depressão, deficiência de hormônios ou de vitaminas. Exames são realizados, assim como os testes de memória, chamados de testes cognitivos. Existem exames mais modernos. A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) há poucas semanas começou a disponibilizar um exame bem interessante, o PET/CT, com marcadores de amilóides, mas esses exames mais sofisticados ficam para os casos duvidosos, não precisamos deles para fazer o diagnóstico.
JC - Recentemente, cientistas da Universidade da Califórnia em San Diego, nos Estados Unidos, criaram um aplicativo que pode rastrear distúrbios e transtornos como o TDAH e o Alzheimer. Até que ponto as tecnologias e meio digital podem contribuir para um quadro de Alzheimer não evolua?
Minozzo - Há pesquisas mostrando que o estímulo cognitivo que a internet e outros meios podem proporcionar, ajudam. É uma perspectiva interessante. O que eu vejo, em termos de cuidado do Alzheimer, é que a tecnologia pode contribuir para manter o idoso em casa por mais tempo, o afastando de riscos, para garantir, por exemplo, que ele tome suas medicações. Já existem aplicativos e pulseiras para cuidado em casa em outros países, mas no Brasil isso é muito incipiente. Como rastreamento, o que podemos pensar? A tecnologia pode facilitar as consultas de diagnóstico, essa é uma barreira que nós temos no cuidado do Alzheimer. A gente faz relativamente poucos diagnósticos dos quadros demenciais e isso a tecnologia poderia nos ajudar bastante. Temos estudos que apontam entre 600 e 700 mil brasileiros com quadro demencial sem diagnóstico, isso é um problema sério. Outro estudo, como o realizado pela Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) no ano passado, mostrou que até 2050 podemos ter quatro milhões de brasileiros com Alzheimer. Temos um caminho para inovação que é muito urgente.
JC - De acordo com o Ministério da Saúde, o Alzheimer afeta 33% da população com mais de 85 anos, sendo a maioria mulheres. Há algum motivo específico ou seria pelo fato de as mulheres buscarem ajuda com mais frequência?
Minozzo - A explicação não é por erro de análise, por mulheres buscarem ou não mais atendimentos. As mulheres têm um risco aumentado de Alzheimer no mundo todo. As pesquisas estão sendo feitas para avaliar se existe algo relacionado com os hormônios femininos, que entram em diminuição no período de menopausa e pós-menopausa, se é uma sensibilidade maior para o estresse ao longo da vida. Então, tem algumas teorias sendo testadas, mas nada definitivo ainda.
JC - A demência era utilizada como sinônimo para Alzheimer, quais são as diferenças entre um e outro?
Minozzo - Demência é uma síndrome, ou seja, um conjunto de doenças que são caracterizadas com a perda de funções cognitivas como, por exemplo, memória, atenção, linguagem e orientação no tempo e no espaço. Temos um quadro demencial quando o prejuízo atinge a capacidade de planejamento, que é chamada de função executiva, ou até mesmo na interação social, quando esse prejuízo leva a gente a não conseguir realizar atividades que eram feitas antes. Existem dezenas de causas da demência, mas a principal é o Alzheimer. Porém, outras doenças também levam para este quadro, como: demência vascular, demência frontotemporal, demência por corpos de Lewy e diversos outros tipos, embora o Alzheimer seja o mais comum, atingindo cerca de 50 a 70% dos casos.
JC - Quais são as principais características do Alzheimer?
Minozzo - Normalmente, acontece com pessoas na idade próxima aos 70 anos, mas pode ocorrer antes. Antes dos 65 anos é chamado de caso precoce, mas, geralmente, vemos na população a partir dos 70 anos um prejuízo aos poucos, de forma sutil. Ele preserva a memória do passado, mas a memória recente o paciente perde. O esquecimento não é normal, não faz parte do envelhecimento, ele deve sempre ser avaliado, pois existem casos reversíveis, como o Transtorno Cognitivo Leve, que podemos fazer com que não avance mais.
Sobre o autor:
Especialista no tratamento da doença, Minozzo já escreveu outros cinco livros: Um novo envelhecer: tempo de ser feliz (2013); Doença de Alzheimer: como se prevenir (2013); Em busca do sentido da vida na terceira idade (2014); O estresse do cuidador de pessoas com Alzheimer (2015); e Como enfrentar o Alzheimer e outras demências (2019).