Atualizada às 9h06min em 8 de março
O antigo prédio da Secretaria da Produção, Indústria e Comércio (Smic), que seria assumido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), é ocupado por estudantes indígenas desde domingo (6). O coletivo, representado por cerca de 46 homens, mulheres e mães dos povos Kaingang, Xokleng e Guarani, reivindica a construção de uma Casa do Estudante Indígena na área.
A ocupação do edifício, que fica na entrada do Túnel da Conceição, em frente ao Campus Centro, segue nesta segunda-feira (7). Segundo Jaqueline de Paula, estudante da Ufrgs e participante do coletivo, elas permanecerão no local até que seja agendada uma reunião com a instituição.
Além do respeito às vivências indígenas, necessidade de uma moradia dedicada à comunidade tem relação, principalmente, com o fato de muitas mães-estudantes virem de aldeias distantes para estudar em Porto Alegre. Em vídeo publicado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT-RS), as estudantes relatam que não conseguem ficar com os filhos durante a graduação, o que dificulta a permanência na universidade.
"Quem faz a frente são mulheres indígenas mães, mas não é uma pauta só delas. É por uma moradia estudantil indígena, que atenda as nossas necessidades e respeite a nossa cultura", explica Jaqueline ao JC.
A demanda já é antiga — a comunidade protocolou um pedido formal através de carta endereçada à Coordenadoria de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas (CAF) em 2017, mas nunca foi atendido.
Em resposta à ocupação, a Ufrgs afirmou ainda no domingo que "está em contato com a Prefeitura de Porto Alegre, proprietária da área, para atuar de forma cooperada no tema". A entidade ainda diz que um representante da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis será indicado para integrar os trabalhos e o diálogo com os estudantes indígenas.
Segundo Jaqueline, o coletivo ainda não foi contatado pela universidade para encontrar uma resolução. Ela complementa que, antes da ocupação, já estava marcada uma conversa com a Coordenadoria de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas (CAF) da Ufrgs, mas foi desmarcada.
A Ufrgs também reafirma o comprometimento com a inclusão no corpo estudantil, a partir de medidas como cotas no vestibular, o acesso via SISU e um processo seletivo exclusivo à população indígena. Quanto à assistência, a universidade ressalta a destinação de mais de R$ 38 milhões em recursos para o atendimento aos estudantes, incluindo indígenas.
"Entre as modalidades de assistência estão as Casas do Estudante, localizadas em três campi distintos, totalizando cerca de 550 vagas, disponibilizadas a todos os alunos que contemplem os requisitos dos editais de chamamento. Além disso, os indígenas têm vaga garantida na moradia estudantil e, no caso de mães ou pais, podem optar pelo auxílio-moradia, caso assim desejem", afirma a universidade, em nota.
As estudantes necessitam de alimentos, utensílios de cozinha, botijão, água, fios, canos, compensado, martelos, pregos, produtos de limpeza, sacos de lixo, luvas, vassouras e gerador. Doações podem ser feitas pelo PIX 03478244048, destinado à Jaqueline de Paula.
De acordo com a CUT, a ocupação é apoiada pelo Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Manifestação da Secretaria de Desenvolvimento Social
Na tarde desta segunda-feira (7), às 14h, ocorreu uma reunião entre representantes das estudantes e a Secretaria de Desenvolvimento Social. Após o encontro, a secretaria divulgou uma nota.
“Na tarde dessa segunda-feira, 7, em reunião realizada na Secretaria de Desenvolvimento Social (SMDS), os representantes do grupo de indígenas que ocupou o antigo prédio da Secretaria da Produção, Indústria e Comércio (Smic), solicitaram o apoio da Prefeitura na construção de um diálogo com a reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) para a criação de uma Casa do Estudante Universitário Indígena que aceite a presença de crianças.
A reunião foi coordenada pelo secretário Léo Voigt que informou ao grupo a disponibilidade da Coordenadoria dos Povos Indígenas, Imigrantes, Refugiados e Direitos Difusos da SMDS para a construção do diálogo, mas que não há possibilidade de permanência deles no prédio devido ao alto risco que representa para a segurança das pessoas. Os representantes indígenas solicitaram a análise da cedência de algum outro prédio Municipal onde possam permanecer até o desfecho da situação”.
A Guarda Municipal, que acompanha desde domingo (6) o ingresso de cerca de 60 indígenas no local, vai seguir orientando e assegurando as questões de segurança, segundo a secretaria. Patrulhas da Ronda Ostensiva Municipal (Romu) da Guarda Municipal serão realizadas pelos agentes de segurança na região.
Já a Procuradoria-Geral do Município (PGM) enfatizou que o imóvel ocupado por indígenas é de propriedade do Município, e que a demanda do grupo não tem relação alguma com o Município. Informou ainda que tomará medidas jurídicas cabíveis para “resguardar o patrimônio público, bem como a segurança das ocupantes".
Ufrgs havia demonstrado interesse no prédio da Smic
Abandonado e degradado há seis anos, o antigo prédio da Smic estava no centro de negociações entre a prefeitura de Porto Alegre e a Ufrgs, que havia demonstrado interesse no terreno em 2021. A intenção da universidade era revitalizar o edifício para dar lugar a um centro de inovação.
Contudo, a cessão foi inviabilizada após o investimento ser negado em instância federal. O motivo, segundo a universidade, foi o fato do acordo prever 30 anos de cessão, em vez de ser definitiva.
No terreno de 3,813 m² localizado entre a avenida Osvaldo Aranha e o Túnel da Conceição, a universidade pretendia abrigar a própria pró-reitoria de inovação, além de hospedar empresas residentes do Zenit - Parque Científico e Tecnológico da Ufrgs, um gabinete de inovação da prefeitura. No último andar, ainda seria reservada uma sala exclusiva para o projeto Pacto Alegre.