A manhã do nono dia de julgamento dos réus da boate Kiss terminou com o interrogatório de Mauro Hoffmann, um dos sócios da casa noturna e acusado pelo Ministério Público pelas 242 mortes e 636 feridos no incêndio ocorrido no dia 27 de janeiro de 2013. Um dos pontos principais da inquirição ocorreu no final, quando o réu acusou o Ministério Público de tramar para que outras pessoas não fossem julgadas pela tragédia.
Hoffmann explicou em detalhes o processo que o levou a se tornar sócio da casa noturna. Segundo ele, a ideia de ingressar no negócio se deu após saber que havia a possibilidade de que sua outra casa noturna, a Absinto, localizada em um shopping, poderia ter de fechar as portas. “Eu acertei com o Kiko (Elissandro Spohr, dono da boate na época), isso foi uma condição do negócio, que ele seria o sócio administrador. Eu aceitei porque não iria precisar me envolver, não iria precisar abrir a casa, não iria precisar contratar banda”, disse, salientando uma das linhas de defesa, a de que era apenas um sócio investidor da Kiss, não se envolvendo nas questões administrativas.
O ingresso de Mauro Hoffmann na sociedade, em setembro de 2011, teve um custo de R$ 500 mil, sendo R$ 200 mil pagos à vista e outros R$ 300 mil pagos de forma parcelada.
Hoffmann disse que fechou a sociedade sem saber que havia problemas com o Ministério Publico a respeito da poluição sonora e que, em determinado momento, estava decidido a desfazer o negócio. “Os 200 mil já haviam sido pagos e nós acertamos de deixar o negócio em stand-by até que essa situação fosse resolvida. Eu não iria mais pagar nada a ele (Kiko)”, disse.
Conforme o réu, Elissandro não o comunicou que colocaria espuma na Kiss. “Eu não tinha a chave da boate Kiss. Nunca tive. A Kiss tinha, fui descobrir isso no processo, grupos de trabalho na Internet. Eles tinham o grupo chamado Equipe Kiss no Facebook. Eu não fazia parte. Todo e qualquer fato administrativo da boate, eu não fazia parte”, apontou Hoffmann.
Sobre os fatos ocorridos na madrugada da tragédia, Hoffmann disse que chegou na Kiss praticamente ao mesmo momento em que os Bombeiros. Segundo ele, o que mais dificultou a saída das pessoas de dentro da casa noturna foi a presença de táxis em frente à porta da boate. “Uma tragédia é uma sucessão de pequenas coisas. Falamos de barra (de proteção). Tudo atrapalhou, mas o que mais atrapalhou foram os táxis. Se não tem os táxis, aquilo anda e vai embora”, afirmou.
Em sua defesa, o réu disse que todas as autoridades que tinham poder para fechar a boate não o fizeram e colocaram a culpa nos donos da Kiss. “O Ministério Público veio aqui e disse que estava certo, os Bombeiros disseram que estavam certos, a prefeitura disse que estava certa. Só quem estava errado éramos nós.”
No fim da inquirição realizada pelo juiz Orlando Faccini Neto, Hoffmann agradeceu pelo processo estar próximo de terminar. “Graças a Deus, está chegando ao fim. Eu preciso recomeçar minha vida também. A minha dor é muito forte. Tive de ser muito forte nesses anos para não afetar minha família. Eu tomo muito remédio, é uma loucura. Eu quero pedir perdão, principalmente para os pais, mas também para a sociedade, para a cidade de Santa Maria. Ninguém queria que aquilo acontecesse”, completou.
Assim, como os outros réus já ouvidos, Hoffmann não respondeu perguntas formulados pela acusação e tampouco pelas defesas dos outros acusados, apenas as feitas pelos seus próprios advogados. Nessa parte do interrogatório, ele disse que somente estava sendo julgado em razão de o Ministério Público ter autorizado o funcionamento da boate. "Eu só entrei no negócio porque o Ministério Público me autorizou. Eu estou nessa situação, sou sócio da Kiss, porque o MP assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) autorizando a boate a funcionar. A fé pública de um TAC e de um promotor me fez entrar nisso", afirmou. "Eu era experiente (na administração de negócios), mas a minha experiência termina no momento em que não posso confiar em documentos públicos", reforçou.
Na parte final de seu interrogatório, Hoffmann acusou o Ministério Público de armar para que somente os quatro réus fossem julgados. “O Ministério Público fez um conchavo para tirar as pessoas e colocar nós quatro aqui”, disse referindo-se a um áudio de um encontro do MP com a associação de familiares das vítimas. Segundo o réu, o representante do Ministério Público na reunião teria explicado o motivo de apenas os quatro réus em julgamento terem sido acusados. De acordo com Hoffmann, o MP teria dito que isso ocorreu porque, se tivessem mais pessoas acusadas, o processo se estenderia demais e, sendo apenas os quatro, por estarem presos na época, o julgamento se daria com mais celeridade.
À tarde irá ocorrer o interrogatório de Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda, e, após isso, o início dos debates entre acusação e defesas.