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'Proteção natural' pode estar entre as causas da baixa contaminação de Covid-19 em crianças
Com sintomas mais leves da doença, faixa etária entre 0 e 19 anos tem mais casos ambulatoriais e tratáveis em consultório
Ao contrário dos adultos, crianças têm sido menos infectadas pelo novo coronavírus, apresentam sintomas muito mais leves e raramente desenvolvem formas graves da doença. E, apesar de ainda não haver estudo conclusivo a respeito, a explicação para isso pode estar na combinação entre sistema imunológico mais maduro, poucas comorbidades e a proteção natural' dos pequenos.
De acordo com a pediatra, alergista e imunologista Helena Velasco, do Hospital Moinhos de Vento, apesar de as crianças se contaminarem e transmitirem Covid-19, estudos sobre a carga viral desse grupo ainda são inconclusivos e, embora recentemente pesquisa de Harvard tenha apontado a possibilidade de concentrarem carga viral mais alta que a dos adultos, isso não significa maior capacidade de contágio ou de risco de serem infectadas.
Pelo contrário, é provável que crianças se beneficiem do fato de terem a imunidade mais robusta, resultado de uma série de vacinas que tomam ao longo da infância. "Crianças têm um sistema imunológico mais treinado para responder aos vírus, como ao da Covid, e estão mais protegidos por entrarem em contato com outras doenças e estarem mais imunizadas", aponta a médica.
Outra hipótese pode estar relacionada à enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), que facilita a entrada do SARS-CoV-2 (coronavírus) nas células e tem expressão limitada na infância, período em que os pulmões ainda estão em desenvolvimento, o que acabaria por proteger as crianças de formas graves da doença. "Uma das hipóteses das crianças terem menos sintomas seria terem menos receptores ACE2, que facilitam a entrada do vírus nas células", explica Helena.
Em todo o mundo, menos de 10% do casos de Covid foram registrados em pacientes menores de 19 anos. No Rio Grande do Sul, até sexta-feira (28), representavam 8% dos casos totais na faixa etária de 0 a 20 anos, segundo dados do Painel Covid do governo do Estado. "De fato é uma doença na qual o vírus parece não infectar tão bem as crianças como os adultos. As crianças têm uma proteção natural, que é a enzima conversora de angiotensina, e anticorpos para outros vírus. Por isso, quanto menores, menos riscos terão", reforça o infectologista pediátrico da Santa Casa, Fabrizio Motta.
Tradicionalmente, homens têm níveis mais altos de ACE2 em comparação às mulheres, o que também pode explicar a gravidade dos desfechos da Covid-19 em pacientes masculinos, como levanta estudo sobre "As características intrigantes da Covid-19 em crianças e seu impacto da pandemia", publicado no Jornal de Pediatria pelo médico Marco Aurélio Safadi, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.
A análise também destaca, entretanto, que apesar de assintomáticas ou de apresentarem formas leves da doença - geralmente apenas casos ambulatoriais e tratáveis em consultório-, crianças podem ter alta concentração de carga viral, como destacado na pesquisa de Harvard, o que é visto com parcimônia pelos especialistas, diante da falta de estudos conclusivos a respeito. "Crianças pegam muito menos Covid que adultos e têm casos menos graves do ponto de vista de riscos. Mas o fato é que não se sabe com certeza sua capacidade de transmissão", analisa o pediatra José Paulo Ferreira, representante da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (Sprs).
Associada à Covid-19, doença rara que acomete crianças e jovens já tem registros no RS
Ao longo do mês de agosto, como se não bastasse a pandemia, uma síndrome rara e que acomete crianças e adolescentes até 19 anos começou a ser noticiada no Brasil e alertada pelo Ministério da Saúde como provável de estar associada ao novo coronavírus: a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P). Similar à Doença de Kawasaki - que causa inflamações pelo corpo, principalmente nos vasos coronarianos-, a enfermidade é induzida por outros tipos de vírus, como o Sars-CoV-2, transmissor da Covid-19 , e também responsável por ocasionar vários processos inflamatórios nos organismos afetados.
Os primeiros casos da doença foram noticiados na Europa e na América do Norte entre abril e maio, e associados à infecção pelo novo coronavírus. Em comum, os pacientes apresentavam reação hiperinflamatória, que pode levar ao choque e à insuficiência de múltiplos órgãos. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) publicou em seu site, no dia 7 de agosto, nota de alerta com orientações do Ministério da Saúde para a necessidade de notificação obrigatória dos casos de SIM-P, já registrados em estados como Ceará, Rio de Janeiro, Piauí, Pará e, inclusive, no Rio Grande do Sul.
Segundo o Centro de Operações de Emergência do Estado (COE-RS), foram contabilizados oficialmente três casos de SIM-P. O primeiro, notificado no dia 9 de agosto, foi de uma menina de seis anos, de Novo Hamburgo, internada um dia antes, que testou positivo para Covid-19. Nove dias depois, em 18 de agosto, houve a segunda notificação, uma menina de 2 anos, de Passo Fundo, que aguardava resultado de exame de contágio do novo coronavírus. O terceiro paciente foi identificado um dia depois, em 19 de agosto, menina de 6 anos, de Porto Alegre, que também testou positivo para Covid.
Pela nota técnica do Ministério, as crianças e adolescentes que manifestam sintomas da SIM-P são habitualmente saudáveis, mas podem apresentar alguma doença crônica. Pelo que se sabe, a identificação da síndrome ocorre em períodos que podem variar entre dias e semanas após infecção aguda pelo novo coronavírus, com características clínicas semelhantes às da Kawasaki. A SIM-P se baseia no desenvolvimento de inflamações que têm outras infecções como gatilho, como é o caso da Covid-19. Recentemente, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descobriram, após analisar o caso de uma menina de 11 anos acometida pela enfermidade, que o Sars-CoV-2 atingiu as células cardíacas da menina, que acabou não resistindo a uma miocardite, inflamação do coração.
Segundo orientação do Ministério da Saúde, crianças e adolescentes podem apresentar rápida progressão para formas graves da SIM-P, com insuficiências respiratória e cardíaca, doença renal aguda, hipotensão arterial e até choque. Desta forma, o tratamento tem se mostrado eficiente e busca diminuir o estado inflamatório e restabelecer o funcionamento adequado de órgãos e sistemas, com a finalidade de diminuir a incidência de sequelas. A pediatra e imunologista Helena Velasco reforça que cada vírus tem sua especificidade, mas que a SIM-P é uma resposta inflamatória possível de acontecer com outros vírus, como o da Covid.
A doença é chamada de multissistêmica por envolver pelo menos dois órgãos e sistemas, como cardíaco, renal, respiratório, hematológico, gastrointestinal, dermatológico ou neurológico. Dentre seus sintomas destacam-se alterações cardiovasculares, renais, respiratórias, hematológicas, gastrointestinais como dores abdominais, vômito e diarreia, alterações oculares e nas mucosas, conjuntivite não purulenta, lesões cutâneas ou inflamações muco-cutâneas (oral, pés e mãos), além de febre alta persistente.
Quando diagnosticada precocemente, no entanto, tem alta possibilidade de diminuição e bloqueio do processo inflamatório, e a maioria das crianças consegue se recuperar bem da doença, mediante tratamento adequado, como alerta o infectologista pediátrico da Santa Casa, Fabrizio Motta. "Quanto mais tardio for o diagnóstico, maiores os riscos de alterações cardíacas. Mas são raros os casos de óbitos", explica.
Segundo ele, a associação à Covid-19 está sendo feita pelo fato de muitos dos pacientes acometidos pela síndrome apresentaram teste ou anticorpos positivos para o novo coronavírus, mesmo que permaneçam assintomáticos, com sintomas leves ou apenas tenham tido contato com pessoas contaminadas. "A doença é rara e os números são baixos em relação à Covid, estima-se que apenas 0,5% das crianças com coronavírus, que já são em número pequeno, desenvolvam a síndrome. A Covid atua como gatilho nesses processos inflamatórios, mas não há risco de transmissão e não afeta adultos", complementa o médico.
No Brasil todo, de acordo com o médico pediatra José Paulo Ferreira, representante da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (Sprs), foram 132 casos notificados, o que reforça o caráter raro da enfermidade. Estima-se que cerca de 10 casos já tenham sido identificados no Rio Grande do Sul - apesar de oficialmente o governo ter o registro de apenas três. Dos casos gaúchos, três foram atendidos pela equipe da Santa Casa, dois pacientes eram meninos de 5 e 6 anos, que já tiveram alta, e o outro uma menina de 11 anos, que ainda está em tratamento, mas já tem previsão de alta.
"A Covid não é grave na pediatria, mas essa síndrome é e precisa ser tratada para evitar processo inflamatório intenso e que possa ocasionar problemas cardíacos. E, embora não haja estudo conclusivo sobre a prevalência da SIM-P em pacientes Covid, surgem casos em observação e que nos levam a acreditar podem sim ter relação com o coronavírus", reforça o Ferreira.
Retomada das aulas requer cuidados redobrados com higiene, distanciamento e uso de máscara
Mantidos em casa há mais de cinco meses, quando as aulas presenciais foram suspensas em todo o Rio Grande do Sul, crianças e jovens têm sido privados de suas rotinas e do convívio com amigos, avós e familiares, mas podem vir a retomar gradualmente as atividades escolares, já que o Executivo gaúcho planeja divulgar