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'Vacina bastante promissora', garante médico que vai liderar testes no RS
Fabiano Ramos explicou como serão os testes e a chance de a vacina chinesa ter resultado
NÍCOLAS CHIDEM/JC
Patrícia Comunello
O Centro de Pesquisa Clínica (CPC) do Hospital São Lucas da Pucrs começou os preparativos para fazer os testes da vacina da Covid-19, após aval da Agência Nacional de Vigilância sanitária (Anvisa). O centro, único no Estado que até agora foi incluído em testes, está no projeto de uma farmacêutica chinesa com o Instituto Butantan, de São Paulo.
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O coordenador do grupo que aplicará os testes, o infectologista Fabiano Ramos, falou ao quadro em vídeo #JCExplica sobre o estágio da vacina e quando poderá ser disponibilizada, possivelmente em março e abril. As fases já realizadas indicam "uma vacina bastante promissora", diz Ramos.
JC Explica - Por que o centro de pesquisa do hospital da Pucrs foi escolhido para testar uma das vacinas em estudo?
Fabiano Ramos - Já temos parceria com o Instituto Butantan em outros projetos, sendo que um dos principais é o da vacina da dengue, que participamos desde 2016. Para o projeto do SARS-Cov2, foram selecionados 16 centros de pesquisa, e o São Lucas é o único até o momento no Rio Grande do Sul.
JC Explica - O que envolve este projeto?
Ramos - É uma parceria do Butantan com a farmacêutica chinesa Sinovac Biotech. O projeto já teve estudos iniciais em macacos e passou pelas fases 1 e 2 de testes, que são em humanos e que mostraram uma proteção bastante relevante, o que nos deixa muito confiantes. Esta confiança é reforçada pela seriedade do Butantan, um instituto com muita experiência em vacinas. Dentre vários projetos, este foi identificado como uma vacina bastante promissora.
JC Explica - As pessoas estão ansiosas pela vacina. Ter testes relevantes, na prática, significa o quê?
Ramos - Toda medicação ou vacina que está em desenvolvimento tem de seguir alguns trâmites legais da pesquisa. Esta fase que o centro vai participar é a 3 do desenvolvimento. Antes desta etapa, são feitos estudos com menos pessoas, que já mostraram uma segurança e proteção adequada da vacina. A terceira fase é realizada com um número maior de participantes e é a última para obter a vacina. A partir dela, a medicação estará pronta para ir ao mercado e para a rede pública.
JC Explica - Se houver a comprovação da eficácia?
Ramos - Quando se chega na fase 3, já temos ideia da possível proteção da vacina porque já ocorreram testes antes. Já é uma vacina na fase final de desenvolvimento.
JC Explica - E quanto vai durar a fase 3?
Ramos - No caso da vacina da dengue, o acompanhamento dos pacientes é por cinco anos. Obviamente, esta da Covid-19 vai ter acompanhamento e avaliações de curto prazo para que ela possa estar disponível para a população antes. É muito possível que tenhamos um estudo mais rápido com avaliações periódicas mais frequentes para que as doses sejam disponibilizadas em pouco tempo.
JC Explica - O tempo é o que todo mundo quer saber: podemos pensar em 2020 como possibilidade?
Ramos - Acho que vamos ter uma vacina para daqui a pouco tempo, seis meses ou mais já seria um tempo recorde.
JC Explica - Estes seis meses seriam após a fase 3?
Ramos - Imagino que teríamos uma vacina em março ou abril ou para o próximo inverno aqui no Brasil. Antes disso, pode ser feito e o pensamento é este, mas não podemos falar de um tempo que ainda não tenhamos muita certeza agora.
JC Explica - A vacina que o laboratório Astra-Zeneca e Universidade de Oxford lideram, que começou a ser testada no Brasil, pode chegar antes do que a que o São Lucas vai aplicar?
Ramos - Na verdade, a ideia é que com os dois projetos se consiga uma ou duas vacinas ou até mais para que cheguem ao público o mais rápido possível. Isso não é uma competição. O importante é que tenhamos vacinas seguras e que protejam a população. O desenvolvimento pode ser feito em um tempo mais rápido, mas as pessoas têm de ser acompanhadas para ver se a proteção vai ser a longo prazo.
JC Explica - Quando se fala de proteção de uma vacina, qual é o momento mais adequado para saber se ela está tendo eficácia e para verificar reações adversas?
Ramos - Depende do tipo de vacina e doença, muitas vezes. Temos a da febre amarela que tem longa duração e a da gripe, que precisa fazer todos os anos porque a proteção é de curto prazo e tem muitas modificações do vírus. Por isso, a imunização precisa ser refeita todos os anos para que a proteção seja estimulada novamente na população. Não sabemos ainda quanto tempo a proteção contra o SARS-Cov-2 persistirá, mesmo em quem teve a doença. É possível que tenhamos algumas definições apenas ao longo do tempo. Alguns estudos indicam que a proteção pode persistir por três meses. Buscamos uma vacina que proteja em tempo curto, mas o ideal é que essa proteção permaneça por mais tempo ou, ao menos, enquanto durar essa exposição ou circulação viral mais importante.
JC Explica - Uma vacina de curta duração já é arma importante em uma pandemia, por se tratar de um vírus novo e que pode ter mais ondas de contaminação, como se projeta?
Ramos - Mesmo que seja uma proteção de tempo curto já seria bastante importante para minimizar esse impacto mais rápido. Existem várias situações de doenças infecciosas que, às vezes, têm um anticorpo protetor que não aparece mais no sangue, mas quando o organismo entra e em contato com a doença pode reconhecer e produzir novamente o anticorpo. Por isso, o acompanhamento de longo prazo é importante para ver como isso é verificado no dia a dia. Em resumo: precisamos no curto prazo de uma vacina que ofereça proteção, mesmo que por tempo curto, e depois vamos ver como esse mecanismo ocorre, se pode ser de mais tempo.
JC Explica - Por que o curto seria efetivo nas ações da pandemia?
Ramos - A gente ainda segue uma pandemia instável e muitos locais do mundo registram aumento de casos, como no Brasil. Ter uma vacina que possa fazer o bloqueio, mesmo que seja daqui a alguns meses, é importante para que esse vírus não continue circulando. A grande questão é a capacidade de produção da vacina. O próprio governador de São Paulo, João Doria, disse que o Butantan terá capacidade de produzir um número de doses bastante grande para levar à população rapidamente. Dependendo de tempo de estudo e dos resultados, essa produção pode começar para termos as doses mais rápido. O Butantan já produz a vacina da gripe para abastecer o SUS, por exemplo.
JC Explica - A vacina é testada em quem já teve o vírus ou quem não teve?
Ramos - Normalmente, a vacina é testada em quem não teve contato com o vírus, mas não temos ainda os critérios de inclusão dos participantes. Uma vacina é melhor avaliada em pessoas que ainda não tiveram contato com a doença. Com isso, podemos avaliar a ideal capacidade de estimular o sistema imunológico a produzir anticorpos para proteção.
JC Explica - O SARS-Cov-2 tem sido citado por diferenças genéticas em diversos países - a vacina dá conta dessa diversidade?
Ramos - Essa resposta ainda não temos. No caso da vacina da gripe, por exemplo, todos os anos pegamos os vírus prevalentes que circulam para atualizá-la. Como é isso? Detecta-se os vírus que circulam no inverno do Hemisfério Norte e produz-se a proteção baseada nessa carga viral. Neste momento, não sabemos como vai ser com a vacina do novo coronavírus.
JC Explica - A vacina, quando chegar, vai atender toda a população? Grávidas ficariam fora por enquanto?
Ramos - Normalmente, alguns grupos acabam sendo afastados na fase de estudos. Não se inclui grávidas numa pesquisa. Isso não quer dizer que a vacina não vai ser usada por gestantes.
JC Explica - Como vai ser feita a testagem?
Ramos - Como o centro de pesquisa fica em Porto Alegre, provavelmente vamos buscar mais a população daqui, até porque a pessoa que receber a dose tem de retornar para acompanhamento e coleta de exames para ver se os anticorpos estão sendo produzidos. As pessoas precisam estar comprometidas para que possamos verificar a imunidade ou para ver se ficaram doentes. Para avaliar se a imunização está funcionando, precisamos ver quem acabou adoecendo pelo vírus da SARS-Cov-2.
JC Explica - Se ficam doentes é por que a vacina não funcionou?
Ramos - Não necessariamente. A vacina pode funcionar por um tempo. Tudo isso a gente vai ter de ver. Por isso, é importante o acompanhamento para verificar por quanto tempo a vacina vai proteger e se é de mais longo prazo.
JC Explica - A rapidez no desenvolvimento de uma vacina em meio a uma pandemia é inédita na história da Medicina?
Ramos - Com certeza o tempo de desenvolvimento é recorde. Na pandemia da Gripe A, em 2009, que no inverno seguinte já tinha vacina que englobava o H1N1, é importante lembrar que já havia uma vacina contra a Influenza. Foi apenas acrescentar uma cepa viral ao que já tinha sido desenvolvido. Agora estamos saindo literalmente do zero. O desenvolvimento tem uma rapidez muito alta, por isso temos de ter cautela e seguir os passos da pesquisa.
JC Explica - Se houver frustração sobre o êxito da vacina ou tivermos de esperar mais tempo, como serão os próximos caminhos dessa pandemia? Ou seja, pode-se ficar contando com o resultado antes de se realizar?
Ramos - Sempre se deve contar com esta possibilidade em uma pesquisa (de não dar certo). As fases iniciais do desenvolvimento servem para isso. Tanto nesta vacina chinesa, como na de Oxford e outras pelo mundo, as fases iniciais mostraram vacinas seguras e que podem chegar ao mercado pelo menos para uma proteção de curto prazo. Quanto antes pudermos ter a vacina e que chegue o mais rápido possível às pessoas melhor.
JC Explica - Como se conseguiu tão rapidamente apresentar resultados?
Ramos - Hoje a tecnologia é muito grande, temos grupos com muita experiência e saímos de um vírus novo e que teve repercussão econômica e social imensa. Fazer este bloqueio envolve esforço do mundo todo.