Fantasia de LED. Alegorias compostas por telões e QR Code. Passistas com batimento cardíaco monitorado na avenida. E até robô que cai no samba. Se no primeiro dia dos desfiles das escolas de samba de São Paulo, as agremiações apostaram em mensagens políticas para conquistar o público, na segunda noite no Sambódromo do Anhembi a plateia testemunhou um verdadeiro carnaval high tech.
Responsável por abrir a noite nesse sábado (22), a Pérola Negra coroou sua rainha de bateria, Samara Carneiro, com lâmpadas de LED. As luzinhas acendiam na medida em que ela sambava, levantando a plateia apesar do frio e da garoa fininha que caía àquela hora.
Já na Gaviões da Fiel, embalada pela estreia do carnavalesco Paulo Barros e pelo aniversário de 50 anos da escola, a escultura da ave-símbolo da agremiação emitia um ruído de arrepiar. Em outra alegoria, foi escondida uma piscina com uma bomba forte o suficiente para empurrar água barrenta sobre os destaques do carro.
Com o enredo "Tempos Modernos", foi a Rosas de Ouro quem levou o mundo digital ao limite do carnaval. Em parceria com empresas de tecnologia e universidade, a escola da zona norte trouxe para o Sambódromo referências à criação das locomotivas e do automóvel e até um robô no meio da bateria distribuindo baquetas aos ritmistas.
Impressionantes, os recursos tecnológicos se misturaram às tradicionais lantejoulas, plumas e paetês. "O carnaval de São Paulo realmente cresce a cada ano. Isso é incrível. Não tenho os olhos fechados para a minha escola", comentou Solange Cruz, presidente da Mocidade Alegre. Na escola, havia várias alegorias mecanizadas e até um chafariz.
Com todos os carros equipados com telões para contar a história da China, o presidente da Unidos de Vila Maria, Adilson José de Souza, jura de pés juntos que a tecnologia não é uma tendência do carnaval. "Fizemos dentro do contexto do enredo sobre um país capaz de construir uma cidade em poucos dias", disse. "No que depender da Vila Maria, o carnaval continua raiz, que valoriza as expressões faciais e a alegria na avenida."
Pela reação da plateia, as inovações foram aprovadas. Com ingressos esgotados, o Anhembi recebeu público ainda maior do que no primeiro dia e, em diversos momentos, cantaram os sambas-enredos e acenderam iluminadores.
Embora a Gaviões tenha sido a favorita da arquibancada, os desfiles da segunda noite indicam uma disputa acirrada. Mocidade, Vila Maria e Rosas de Ouro também devem entrar forte na briga pelo título.
O desfile da Pérola Negra estava envolto em expectativa. Menos de duas semanas antes do carnaval, a tradicional escola de samba da Vila Madalena havia perdido 40% das suas fantasias durante o temporal que atingiu São Paulo. Contrariando as previsões pessimistas, a escola se destacou pela apresentação enxuta, mas luxuosa, com passistas de saias longas e muito colorido na avenida.
"Queremos vitória", incentivou a presidente da escola, Sheila Mônaco, ainda antes de seus 2,1 mil integrantes ganharem o sambódromo. Foi sob garoa fina e piso molhado que a Pérola entrou na passarela. De volta à elite de São Paulo, após faturar o título do grupo de acesso em 2019, a escola prestou tributo aos povos ciganos.
A narrativa proposta ia desde a Índia hinduísta, passava pelo Egito e citava até Sandra Rosa Madalena, do cantor Sidney Magal. Um dos carros trazia integrantes tocando castanholas de verdade. A rainha Samara Carneiro e a musa trans Mariah Fernandes se destacaram. A Pérola encerrou o desfile aos 64 minutos sob aplausos das arquibancadas.
Para contar a história de Dom Sebastião, rei de Portugal morto na batalha de Alcácer-Quibir, a Colorado do Brás fez um desfile "analógico". A escola esbanjou cores e alas coreografadas, mas - ao contrário de boa parte das concorrentes - apostou em alegorias estáticas (a exceção foi um carro encimado por uma coroa giratória).
Pequena, a escola de 2,2 mil componentes, levou os espectadores para o Maranhão e explorou lendas que envolvem o sumiço do rei. A Colorado investiu em carros imensos e passistas com corpos à mostra. Nos destaques e no chão, componentes trajavam roupas mínimas, quando não era só pintura corporal. A agremiação trouxe, ainda, a primeira madrinha de bateria trans do grupo especial, Camila Prins.
Embora o desfile tenha transcorrido com tranquilidade, alguns componentes pareciam não dominar o samba-enredo e, nas arquibancadas, chegaram a comentar que um casal de mestre-sala e porta-bandeira estava desanimado. Ao encerrar o desfile com 64 minutos, muitos integrantes, emocionados, comemoraram o que consideraram ser uma apresentação de alto nível: "Ahá, uhu, o Anhembi é nosso!"