Com quase 400 participantes, a audiência pública que ocorreu na manhã desta quarta-feira (23) no Auditório Araújo Vianna foi marcada pela oposição à concessão do Mercado Público de Porto Alegre e por questionamentos sobre o futuro dos atuais ocupantes. Foi a segunda plenária chamada em menos de uma semana dentro do processo de coleta de sugestões antes de lançar o edital para atrair interessados privados em assumir o complexo que completou 150 anos em 2019.
O contrato terá validade de 25 anos com previsão de investimento de R$ 85 milhões e outorga mínima inicial de R$ 28,1 milhões. Só nos primeiros três anos, deverão ser investidos R$ 41, 5 milhões, segundo a prefeitura. O secretário municipal de Parcerias Estratégicas, Thiago Ribeiro, projetou que a intenção é lançar a licitação em dezembro e ter contrato assinado com quem vencer em maio de 2020.
A audiência começou pouco depois das 10h, houve fila para entrará o que atraiu a agenda para começar às 9h30min. Um dos temores registrados é de que a empresa que assumir inviabilize a continuidade de parte dos atuais 106 permissionários ou queira implantar tipos de negócios, como redes e franquias. A plateia no Araújo Vianna teve a presença pesada de representantes de permissionários. Mas também de políticos e ex-gestores, entre vereadores, parlamentares e ex-prefeito e a maioria parte das manifestações foram mais de críticas à concessão, em defesa da gestão pública, e apontando que a concessão seria privatização.
Representantes do segmento de religiões e cultura africana mostraram rejeição ao modelo. Iya Vera Soares, ialorixá da Casa Memória 13 de agosto, citou que a identidade do mercado com a população negra, pois escravos ergueram a estrutura e atuaram na área, mesmo após o fim da escravidão. "É um sagrado nosso. O espaço é de vivência, dos permissionários, dos pescadores, da nossa cultura, e emprega mais de 1,2 mil pessoas", elencou. "Não queremos descaracterizar esse processo."
Da terceira geração de permissionários de um açougue, Rafael Gugliotta levou o filho de oito meses para acompanhar a sessão. "Em mercados por todo o mundo, valoriza-se as gerações que se sucedem na gestão. A prefeitura quer diminuir isso, por isso trouxe meu filho para fazer valer meu passado e brigar pelo meu futuro", disse Gugliotta. Ribeiro tentou afastar temores. "Não é nada disso, de que tem de sair. O bom é que eventual investidor possa se associar aos permissionários", especulou Ribeiro.
Outra proposta é a alteração da cláusula que veda manifestações culturais, religiosas e partidárias, incluída no edital. O secretário garantiu que este item será modificado e que só não fez, pois precisa esperar o término da consulta pública.
O secretário ressaltou que a colocação do "mix" atual seria uma barreira. Mesmo assim, uma das sugestões feita por um participante foi de incluir no edital da licitação a proibição de uso de carrinho de supermercado. A presidente da Associação do Comércio do Mercado Público Central (Ascomepc), Adriana Kauer, admite que o edital não restringe o tipo de operação. "Dá liberdade para fazer o que quiser. Não é justo com quem investiu, os permissionários pagaram aluguel duplo por dois anos na reforma de 1996", cita Adriana.
Um número grande de ocupantes terá vencida a permissão até 2021. Hoje a arrecadação é de R$ 330 mil por ano. Sem a ocupação do segundo andar, que não foi restaurado desde o incêndio de 2013, a receita cai. O edital prevê valor de R$ 100,00 pelo metro quadrado a ser pago para a prefeitura. O valor arrecadado tem de ser investido no mercado. Hoje a prefeitura repassa na forma de serviços, como limpeza e segurança.
"Não somos contra nada que venha a somar no mercado público", ressaltou Adriana, cobrando mais diálogo e garantias a quem opera há décadas ou são pequenas operações. "Nenhum gestor virá por filantropia, vai cobrar por colocar dinheiro e quem vai remunerar será o permissionário, que se chamará locatário", pondera a presidente. A entidade repassou à secretaria pelo menos 20 propostas para o edital.