Um dos maiores grupos privados de gestão de saúde em prefeituras no Rio Grande do Sul, entre elas, a de Canoas, foi alvo de uma megaoperação, nesta quinta-feira, que aponta fraude milionária no uso de recursos públicos. Três prisões de pessoas ligadas ao Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública (Gamp) foram feitas.
A secretária da Saúde, Rosa Groenwald, e seu adjunto Marcos Ferreira foram afastados por um período de 120 dias para investigação do Ministério Público Estadual (MP-RS). Entre os presos está Marcelo Bósio, ex-secretário da Saúde do município quando o Gamp foi contratado e que hoje está na direção nacional do grupo. A investigação durou um ano e meio.
"É um esquema de uma organização criminosa que desvia recursos da saúde pública", afirmou o coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública, Luciano Vaccaro.
O Gamp detém contratos de gestão e recebe recursos da prefeitura. A organização assumiu no fim de 2016 os hospitais de Pronto Socorro de Canoas (HPSC), Universitário (HU), duas Unidades de Pronto Atendimento (Upas) e Centros de Atenção Psicossocial (Caps). Os contratos realizados pela prefeitura com a empresa envolvem R$ 1,2 bilhão. Entre as irregularidades, estão superfaturamento de remédios e uso de recursos públicos em gastos não ligados à saúde.
A Operação Mega-Sena, como foi nomeada pelo MP, ocorre justamente em meio a uma forte crise na saúde da cidade, com atrasos em repasses de verbas pelo Estado aos hospitais, restrição em atendimentos e greve de funcionários que estão com salários atrasados.
A ação é liderada pelo Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) - Núcleo Saúde, com a Promotoria de Justiça de Canoas e o Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul (TCE). Os promotores ingressaram com ação civil pública com pedido de liminar para afastar a diretoria do Gamp e para que a prefeitura faça intervenção nas unidades administradas pelo grupo. A ação busca, ainda, a extinção do Gamp.
Segundo nota divulgada pelo Gaeco, o Gamp e outras 15 empresas tiveram decretada a suspensão da contratação com a prefeitura. O Gaeco cumpriu ainda 70 mandados de busca e apreensão em quatro estados e em Porto Alegre, Gravataí e São Francisco de Paula. Outros locais são Balneário Camboriú (Santa Catarina); São Paulo, Cotia, Itatiba, São José dos Campos, Caieiras, Santa Isabel e Santo André (São Paulo); Rio de Janeiro; e Belém e Altamira (Pará).
Foram detectados, entre inúmeras irregularidades, o superfaturamento de medicamentos em até 17.000%, a utilização de laranjas e testas de ferro do chefe do esquema na direção do Gamp, a cooptação de agentes públicos, o desvio de dinheiro da saúde pública para os envolvidos na fraude, além do pagamento de viagens de férias pagas com dinheiro público.
O Ministério Público afirmou que o "Gamp, travestido de entidade assistencial sem fins lucrativos, se trata de uma típica organização criminosa voltada para a prática de inúmeros delitos, em especial, peculato e lavagem de dinheiro, entre outras fraudes que esvaziam os cofres públicos". A área de inteligência do MP-RS indicou que, de dezembro de 2016 até agora, Canoas transferiu R$ 426 milhões ao grupo privado. Desse valor, suspeita-se que pelo menos R$ 40 milhões foram desviados para contas pessoais de integrantes do esquema. Além de Bósio, foram presos Michele Aparecida da Câmara Rosin, atual presidente do Gamp, e Cássio Souto Santo, médico que fundou o grupo e é visto como um dos maiores operadores das irregularidades.
Em nota, o Gamp "informa que irá se manifestar formalmente assim que os advogados tiverem acesso a todo o teor da investigação do Ministério Público Estadual. O grupo ressalta, no entanto, que é vítima de um movimento de perseguição política e de empresas contrariadas com o sistema, e tem o maior interesse em esclarecer os fatos."
A prefeitura de Canoas divulgou nota considerando a investigação positiva e afirmando que colabora com a apuração. "A atual administração vem denunciando, antes mesmo de assumir o município, a contratação, realizada no final do governo anterior, pelas deficiências na formatação do edital, que foi conduzido pelo ex-secretário da Saúde, Marcelo Bósio, preso nesta quinta-feira e que deixou a prefeitura de Canoas em dezembro de 2016", afirma a gestão do prefeito Luiz Carlos Busato. O prefeito anterior era Jairo Jorge.
Nesta quinta, os trabalhadores da saúde de Canoas definiram pela suspensão da paralisação iniciada no dia anterior, mas mantiveram o estado de greve. Isso significa que, se os salários e direitos atrasados não forem pagos, conforme prometido, a paralisação poderá ser retomada. Os trabalhadores também definiram datas para novas assembleias: no dia 12, após audiência sobre o pagamento dos salários (incluindo trabalhadores do Gamp), e no dia 21, após audiência sobre os demais direitos atrasados (férias, FGTS e 13º).