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Memórias da Porto Alegre antiga resistem no Centro
Casa localizada na Riachuelo é rara sobrevivente do estilo colonial português
Quem anda pela rua Riachuelo, no Centro Histórico de Porto Alegre, talvez nem perceba que um pedaço fundamental da história da cidade está a poucos passos de distância. No número 645, atrás da Igreja Nossa Senhora das Dores, há uma estrutura simples, de dois andares, que não chama muita atenção em meio a edifícios residenciais, garagens e pequenos comércios. Algumas janelas, uma parede branca marcada por algumas pichações, e só. No entanto, trata-se de um tesouro: conhecida como casa Ferreira de Azevedo, é uma das únicas residências particulares remanescentes do estilo colonial português, etapa inicial da evolução arquitetônica em Porto Alegre.
Os primeiros registros do sobrado em arquivos municipais remetem ao final do século XIX, mas é consenso entre estudiosos que se trata de uma construção muito anterior. O comendador João Batista Ferreira de Azevedo adquiriu a casa em 1899, e ela tem sido de propriedade da família desde então.
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Em 1977, a residência foi listada pela prefeitura como "de valor histórico e cultural e de expressiva tradição", e o tombamento foi oficializado em 1980 - contra a vontade de parte dos familiares, que desejavam derrubá-la e erguer um edifício no terreno. O impasse entre poder público e proprietários se arrastou, e a degradação foi apagando grande parte das características originais do imóvel.
A fachada da casa foi restaurada há menos de dois anos, após decisão da Justiça. As tábuas de madeira que selavam as janelas frontais sumiram, e a fachada está, hoje, com um aspecto bem próximo do original. A estrutura também passou por melhorias, e uma cobertura provisória foi instalada para proteger o imóvel de intempéries. Dos antigos cômodos da residência, porém, nada mais resta.
"A casa está, bem dizer, oca", afirma Eduardo Hahn, coordenador de Memória Cultural da Secretaria Municipal da Cultura. No momento, prefeitura e herdeiros buscam parcerias com a iniciativa privada, que garantam uma destinação ao imóvel e tornem financeiramente viável a reforma definitiva.
Região central tem mais de mil imóveis de interesse histórico
Atualmente, o material oficial da prefeitura registra 1.037 bens listados como de interesse histórico no Centro de Porto Alegre. Qualquer um que vá por algumas das vias mais antigas da cidade, como a Duque de Caxias, verá vários deles - como o Memorial do Legislativo, construído em 1790 e o mais antigo prédio da cidade ainda em pé. A região exemplifica as mudanças arquitetônica da cidade: após a etapa colonial inicial, edifícios das escolas neoclássica e eclética surgiram, influenciados pela imigração alemã. Remanescentes dessa época estão por todos os lados do Centro, em meio a um constante processo de transformação.
Um exemplo está no número 55 da praça Conde de Porto Alegre. Conhecida no passado como Praça do Portão, a área foi, durante muito tempo, o marco de entrada da cidade, e ganhou o nome atual em 1912, quando o Monumento ao Conde de Porto Alegre foi transferido da Praça da Matriz para o local atual. Do outro lado da praça propriamente dita, o casarão de três andares é uma das estruturas mais antigas de toda a área, e ganhou fama recente ao abrigar, no começo dos anos 1980, a boate Água na Boca. Desde o encerramento do negócio, porém, a incerteza e a degradação tomaram conta do local.
Representante da família proprietária do edifício, o advogado Daniel Nichele diz que foi aprovado, há menos de uma década, projeto para uma construção nos fundos do terreno, com a preservação da fachada e flexibilização para acesso de veículos. A Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epach), porém, bloqueou a obra. "Os herdeiros não têm condições de restaurar. O que eles desejam é a retirada do imóvel (do inventário), para que possam construir, ou a desapropriação indireta, com indenização", explica.
Eduardo Hahn, porém, indica que essa solução não agrada ao poder público municipal. "Mesmo com o estado de deterioração de hoje, além da fachada, ainda existem elementos no interior do imóvel, como pinturas e vitrais, que são de grande valor artístico", alega. Enquanto isso, o prédio segue com janelas muradas e uma precária rede protetora, que diminui o risco de pedaços da história de Porto Alegre desabarem sobre os que passam a pé pelo local.
Extinção do Fundo Monumenta foi reprovada na Câmara
A área central de Porto Alegre foi alvo do programa Monumenta, promovido pelo Ministério da Cultura para recuperar edifícios históricos nos principais centros urbanos do País. O projeto, que estabelecia um fundo para que particulares financiem reformas em prédios históricos a juro zero, ajudou a restaurar pontos importantes como o pórtico do Cais do Porto, a Praça da Alfândega, o Clube do Comércio e o Memorial do Rio Grande do Sul, entre outros.
A iniciativa, porém, cedeu espaço ao PAC Cidades Históricas, e a extinção do Fundo Monumenta Porto Alegre (Fumpoa) chegou a ser sugerida pela prefeitura, dentro de uma proposta de novas regras para a utilização dos fundos municipais. A iniciativa foi rejeitada, em setembro, pela Câmara.
Os dados mais recentes dão conta de que há cerca de R$ 10 milhões depositados no fundo, com uso previsto, pelo menos, até 2022. Um montante que tem potencial para ser "autogestionável", segundo Rafael Pavan dos Passos, presidente da divisão gaúcha do Instituto dos Arquitetos do Brasil. "O particular tira do fundo o financiamento para a obra e, ao pagar o empréstimo, vai devolvendo dinheiro para o fundo. Se não for desviado a outros fins, tem essa chance de, em teoria, nunca se esgotar", argumenta.
Na próxima segunda-feira: A Casa Elétrica, um pedaço da história mundial da música que cai aos pedaços na Capital.