A Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado (DPE) e a Thêmis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos, uma ação civil pública pedindo a suspensão imediata do termo de cooperação, assinado em julho, que disponibiliza a implantação do SIU-LNG, conhecido como DIU Mirena (dispositivo anticoncepcional liberador de levonorgestrel) em adolescentes em situação de acolhimento institucional. O termo foi assinado entre a prefeitura da Capital, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), os hospitais de Clínicas e Materno Infantil Presidente Vargas, e a empresa farmacêutica Bayer S.A.
De início, 19 adolescentes receberiam o dispositivo, mas nenhum foi implantado ainda. Pelo convênio, seriam disponibilizadas 100 unidades do SIU-LNG - o contraceptivo não é oferecido na rede pública - para jovens em situação de acolhimento da Capital, que tenham demonstrado interesse. Depois, caberia à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) marcar uma consulta com um médico ginecologista em um dos hospitais participantes, momento no qual a adolescente seria avaliada clinicamente e teria o dispositivo implantado. Uma nova consulta seria feita em 45 dias.
Na ação, DPU, DPE e Thêmis argumentam que o termo não prevê o acompanhamento ginecológico regular, previsto como necessário na bula, nem dispõe sobre a opção de retirada a qualquer tempo ou após cinco anos - validade do contraceptivo. "O SUS (Sistema Único de Saúde) usa o DIU de cobre, ou seja, os profissionais do SUS não estão capacitados para lidar com esse dispositivo. Possivelmente, a menina não vai ter orientação de retirada, e pode acabar ficando com o dispositivo pelo resto da vida, sem que esteja fazendo efeito", alerta a defensora pública regional de Direitos Humanos no Estado, Ana Luiza Zago de Moraes.
Em nota, a prefeitura disse que as adolescentes estão sendo orientadas quanto a métodos anticoncepcionais, padronizados ou não pelo SUS. As que optarem pelo SIU-LNG passarão por avaliação médica especializada antes de realizar a inserção e serão acompanhadas por profissional. Além disso, o dispositivo poderá ser retirado a qualquer momento.
A DPU foi procurada, conta Ana Luiza, pela DPE, que relatou o caso de uma menina que, ao ser questionada, "não sabia muito bem o que era" o dispositivo, desconhecia outros métodos anticoncepcionais e não havia passado por consulta. "Verificamos um vício no consentimento, e, a partir disso, consegui a suspensão no caso individual", relata a defensora. Desde que o termo foi anunciado, diversas entidades, como os conselhos regionais de Enfermagem, de Psicologia, da Criança e do Adolescente e o próprio Conselho Municipal de Saúde se manifestaram contrários à medida.
Em julho, foi criada uma petição pública solicitando a suspensão, com o argumento de que ações específicas de saúde sexual e reprodutiva voltadas para adolescentes devem pressupor o acesso real a uma gama variada de informações sobre sexualidade, o próprio corpo e, também, os métodos anticoncepcionais e práticas de sexo seguro. "Não basta evitar gravidez indesejada, mas também infecções sexualmente transmissíveis, HIV/Aids, hepatites, sífilis, e outros agravos." Em 2016, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia para o SUS (Conitec) negou a inclusão do SIU-LNG ao SUS, solicitada pela Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, sob o argumento de que "faltavam evidências da superioridade em termos de eficácia e de segurança em relação a métodos anticonceptivos já disponíveis no SUS, de menor custo".
Política pública deve ser igual para todos, diz defensor público
O defensor público estadual Rodolfo Malhão, que atua diretamente na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), questiona o fato de o poder público oferecer o SIU-LNG justamente para adolescentes sob tutela do Estado. "São, prioritariamente, jovens pobres e negras. Como se pode consentir que elas usem algo que não está disponível para outras meninas fora desse recorte?", indaga. Malhão apoia uma discussão sobre o assunto junto ao SUS, mas considera a criação de uma política pública paralela, destinada apenas a essas jovens, inválida. Também questiona a falta de uma política pública completa - de acordo com o Conselho Estadual da Criança e do Adolescente, os casos de gravidez de adolescentes diminuíram 35% no Estado, mas os de Aids subiram 80%.
Em termos de eficácia, a ginecologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Jaqueline Lubianca, não vê diferenças entre o DIU de cobre e o hormonal. "O SIU-LNG só não foi incorporado ao SUS pela Conitec por questão de custo, uma vez que o DIU de cobre é mais barato e dura dez anos, e o SIU-LNG é mais caro e dura cinco", explica. Além disso, Jaqueline acrescenta que o Mirena reduz o sangramento menstrual, a frequência de cólicas e alivia sintomas da TPM. Em casos de sangramentos intensos, também pode reduzir o risco de histerectomia. Quanto à retirada do dispositivo, a médica esclarece se tratar de um "procedimento infinitamente mais simples que a colocação", que pode ser feito em unidades de saúde que ofereçam o serviço. "Todas as meninas que forem atendidas no Clínicas terão acompanhamento aqui", afirma.
A DPU aguarda, agora, uma decisão judicial sobre o assunto. O MP-RS, por meio de nota, explicou que a política pública municipal já previa a implantação do SIU-LNG à população vulnerável, priorizando mulheres portadores de HIV, em quantidades limitadas. Com isso, o órgão entrou em contato com a Bayer a fim de ampliar a distribuição do dispositivo. O MP-RS também afirma que a implantação ocorre mediante interesse da adolescente, que pode optar por outro método disponível na rede pública. "O termo de cooperação oportuniza às adolescentes a escolha livre e informada, respeitados os critérios clínicos, e o acesso a um método contraceptivo seguro e eficaz que, pelo alto custo, ainda tem o fornecimento restrito", resume.