Com a legislação mais permissiva da América Latina em relação ao consumo de maconha, o Uruguai trabalha, quatro anos depois, com o impacto da legalização da droga. A principal preocupação do governo é com o uso do entorpecente por adolescentes, que pode gerar problemas de memória e de reflexo na vida adulta.
Em simpósio realizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, o psiquiatra Gabriel Rossi, que representava o Ministério da Saúde do Uruguai, apresentou ontem dados sobre a experiência da legalização da maconha no país. Apesar de não possuir informações atualizadas sobre o consumo de drogas por parte da população (os últimos dados são de 2014), o governo uruguaio estima que 147 mil pessoas usem o entorpecente - 35.756 (24,3%) legalmente, com registro junto ao governo; 46,7 mil (31,6%) sem registro, consumindo a droga obtida por pessoas registradas; e 64.544 (44,1%) ilegalmente, através da compra da maconha junto ao narcotráfico.
Em pesquisa com dados de 2014, o Uruguai revela que o consumo de maconha por adolescentes subiu de 9% para 17% entre 2003 e 2013, ou seja, antes mesmo de a droga ser regulamentada no país. A falta de números atualizados dificulta saber se, com a nova lei, o percentual subiu, mas Rossi acredita que o aumento é possível. "O governo entende que cada autocultivador dá sua maconha para outras duas pessoas. Não sei se essas pessoas têm mais ou menos de 18 anos, então é possível, até porque o adolescente tem uma baixa percepção do risco que corre ao consumir a droga", avalia.
Segundo o psiquiatra uruguaio, há evidências científicas que mostram o impacto do consumo da maconha no cérebro do adolescente mesmo anos depois de ter parado de usar a droga. Uma pesquisa publicada em 2015 na revista científica Hippocampus, por exemplo, detectou problemas na memória recente de pessoas que consumiram diariamente o entorpecente por três anos durante a adolescência.
"A memória recente fica no hipocampo, que funciona como uma espécie de caixa na qual a memória fica guardada. Ali, há muitos receptores de canabinoides endógenos gerados pelo próprio organismo que, quando recebem canabinoides externos, são lesionados", explica Rossi. A lesão não fará com que o indivíduo perca totalmente a memória recente, mas causará dificuldades para lembrar de detalhes e, eventualmente, inibirá reflexos. Como a formação cerebral é concluída nos indivíduos em torno dos 21 anos, e não dos 18, o médico defende que a idade mínima para a compra de maconha seja aumentada.
Com uma população de 3,3 milhões de habitantes, o Uruguai é, como já disse o ex-presidente Pepe Mujica, "um país de velhos". O crescimento populacional é de 0,019% ao ano, conforme censo de 2011. Rossi concorda e salienta que, por esse motivo, a juventude uruguaia é um bem precioso para o governo. "Me preocupo com o dano econômico causado pelo uso da maconha por adolescentes", admite. O psiquiatra adverte que, se o país não trabalhar forte na prevenção do consumo por essa parcela da população, surgirá um problema econômico silencioso, causado pela maior dificuldade de aprendizado desses adolescentes e posteriores problemas em seus estudos e carreiras.