Empreender, muitas vezes, é visto como sinônimo de inovação. Acredita-se que é preciso ter uma ideia inédita para criar o próprio negócio. Mas olhar para um produto já existente e ressignificá-lo também pode trazer sucesso.
A inovação, em alguns casos, está atrelada à praticidade, deixando de lado a experiência proporcionada pelo produto. Para Ariel Fagundes, editor-chefe do Noize Record Club, clube de assinatura de discos de vinil, essa é a grande razão para o retorno do LP: os estímulos despertados ao ouvir música. "Para um público mais amplo, com o lançamento do CD e, depois, do streaming, a funcionalidade do vinil como plataforma de execução de música deixou de existir naturalmente. Mas essa praticidade não compete com a experiência, que é o que oferecemos. O disco proporciona uma relação tátil", compara.
Criado em 2014, o primeiro clube de assinatura de discos de vinil da América Latina nasceu dentro de uma publicação de música independente. Criada por Kento Kojima, a revista Noize começou a circular em 2007, quando era distribuída gratuitamente em bares, universidades e lojas das principais capitais do País. Hoje, a empresa é comandada pelos sócios Pablo Rocha e Rafael Rocha, que entraram ainda no início do projeto, e também por Leandro Pinheiro, que ingressou na sociedade em 2014. A publicação, que chegou à tiragem de 30 mil exemplares, trazia novidades do cenário e era conhecida por suas entrevistas com artistas. O crescimento de publicações similares, no entanto, fez com que a Noize repensasse o seu formato. "Com o passar do tempo, a internet foi se estruturando muito mais nesse sentido. Existiam vários blogs e veículos que cobriam o que a Noize se propunha a fazer. E revista é uma estrutura cara, então começou a ter um certo desequilíbrio nesse sentido'', conta. A reabertura de Polysom, fábrica de discos de vinil, em 2009, foi um estopim para a Noize encontrar o seu modelo de funcionamento. "Quando a gente estava pensando o que fazer com a revista, tinha essa questão de que a Polysom estava bem estruturada, fabricando novos discos. Também estava amadurecendo essa ideia dos clubes de assinatura em vários segmentos. Vimos a possibilidade de criar esse projeto, porque daria para produzir os discos e reformularia a revista."
A partir do lançamento do clube, a revista passou a ser uma extensão do conteúdo do disco. "A gente pega o artista e faz uma grande matéria contando o processo do disco. Além disso, conversamos com as pessoas que estão ao redor do projeto de alguma forma, outros artistas que colaboraram, artistas gráficos que estão no encarte. Sempre tentamos desdobrar os temas que estão colocados no álbum. Às vezes, é uma questão mais de pesquisa", explica.
Ler uma revista e ouvir um disco completo são hábitos cada vez menos rotineiros, de modo que, para Ariel, esses momentos se complementam. "Tanto escutar um disco de vinil como ler uma revista são vivências analógicas que requerem que tu pares um tempo da tua vida e te dediques àquilo. Tem essa questão do ritual: tem que botar o disco na agulha, ouvir um lado inteiro, trocar o lado. A revista se conecta muito bem com isso."
Em 2018, os lançamentos do Noize Record Club passaram a ser mensais. A curadoria do projeto concilia lançamentos de artistas contemporâneos - como Liniker, Letrux e Baiana System - com discos tradicionais - como o de 1968, de Gilberto Gil, lançado em janeiro, e o clássico Afro-Sambas, de Baden Powell e Vinicius de Moraes. O lançamento desse disco foi sugerido pela filha de Vinicius, que contatou o clube lembrando que o álbum completaria 50 anos naquela data. Para 2019, o objetivo é aprimorar o conceito de clube para que possa ocorrer uma maior interação entre os assinantes. "O nosso desafio é criar um senso de clube mais forte, fazer mais eventos nos lançamentos de edições, criar facilidades e parcerias para os nossos assinantes", antecipa.
O processo de produção do Noize Record Club envolve muitas mãos e vários estados. Em Porto Alegre, em torno de 14 pessoas são responsáveis pela produção de conteúdo e também pela produção gráfica; os discos são fabricados no Rio de Janeiro. A estampa da caixa, assim como a montagem do kit com revista e LP, é feita em Santa Catarina; o envio para os assinantes acontece a partir de São Paulo. Com cerca de 1,5 mil assinantes, o sucesso do clube, para Ariel, acontece pelo que o disco de vinil proporciona. "É uma mídia que envolve arte gráfica, nenhuma outra mídia musical tem essa riqueza: capa, encarte, ficha técnica e um certo fetiche pelo objeto que também existe. Acho que isso nunca surgiu com CD, e no streaming não tem como existir. Por um lado, as pessoas estão ouvindo mais música do que nunca pelo streaming, mas, por outro, tem uma demanda por um envolvimento mais profundo com o artista. Quando tu és fã, tu gostas de ter um objeto de afeto."