Marco do saneamento estimula PPPs no setor

Lei 14.026 estabeleceu regramento para o serviço e prevê a universalização do atendimento até 2033

Por Jefferson Klein

Apenas no RS, investimentos projetados são de R$ 53,8 bilhões
Com a recente Lei 14.026, que estabeleceu o novo marco legal do saneamento no Brasil, foi instituída também a meta da universalização desse serviço no País até o fim de 2033, atingindo uma cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto. De acordo com estudo promovido pela Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON) e a empresa KPMG, o custo para alcançar esse objetivo é estimado em R$ 753 bilhões (R$ 53,8 bilhões a serem aplicados somente no Rio Grande do Sul). Essas vultosas cifras incentivam ainda mais a formação de parcerias público-privadas (PPPs) e novas concessões dentro dessa área.
Segundo dados da KPMG, no Brasil, 59% da população não possui acesso a tratamento de esgoto; 48% não tem acesso à coleta de esgoto; e 17% não possui abastecimento de água. Quanto aos serviços de saneamento no País, hoje 94% dos municípios são atendidos por empresas públicas e apenas 6% por companhias privadas. O diretor executivo da ABCON, Percy Soares Neto, considera que entre as vantagens das PPPs está a possibilidade de alavancar a capacidade de investimentos das companhias. Conforme o dirigente, uma parceria não significa necessariamente elevação de custos, mas é preciso ser bem desenhada para que não anule oportunidades de redução de tarifas. Quando é feita uma PPP, uma questão importante a ser observada, acrescenta Soares Neto, é que não se tenha duplicidade de funções, ou seja, o parceiro privado não deve ter atividades iguais às da concessionária. Por exemplo, a equipe que faz a leitura do consumo de água precisa ser vinculada apenas a uma das partes.
O diretor do ABCON recorda que o País já possui os setores de energia e telecomunicações abertos, que são praticamente universalizados, e não faz sentido manter fechado o de saneamento, de água e esgoto. "Investimentos no segmento dinamizam a economia de uma forma capilar", enfatiza. Ele reforça que aportes nessa área mobilizam a mão de obra local e cadeias como a da construção civil, máquinas e equipamentos, eletroeletrônicos e aço.
O sócio-líder do Setor de Governo da KPMG no Brasil e na América do Sul, Mauricio Endo, também acredita que as PPPs ajudarão o País a atingir as metas de universalização de saneamento. No entanto, o dirigente lembra que, ao ser exigida uma contrapartida em dinheiro do poder público, é preciso prever algumas medidas que confirmem que o pagamento será feito de forma regular, sendo necessário criar um fundo de garantia, o que torna a realização da PPP mais complexa.
Endo argumenta que, se for bem-feita a combinação dos "filés com os ossos" do setor de saneamento, ou seja, de mercados mais rentáveis com menos lucrativos, a universalização dos serviços pode ser alcançada sem a necessidade de PPPs, mas com as concessões comuns. O integrante da KPMG prevê que, com o novo marco legal, o segmento começará a atrair mais investidores assim como se verifica em outros campos como, por exemplo, o de energia. "O setor elétrico sempre foi mais atrativo ao investimento privado, porque era melhor regulado, com um planejamento de mais longo prazo e criterioso", considera.
O dirigente recorda que o aporte no segmento de saneamento é muito pequeno ainda, não atingindo 10% do total. "A gente imagina que pode chegar a mais de 50%, futuramente", projeta. Um atrativo dessa área para a iniciativa privada, destaca Endo, é que o risco de inadimplência é pequeno, sendo um fluxo de pagamento mais seguro, por se tratar de um serviço essencial. Ele projeta que fundos de pensão tendem a aplicar recursos nesse mercado. O sócio-líder do Setor de Governo da KPMG no Brasil e na América do Sul destaca ainda que esse programa de atração de investimentos privados para o setor de saneamento no Brasil é o maior nesse sentido sendo realizado hoje no mundo.

Veto sobre renovação por mais 30 anos ainda será analisado pelo Congresso

Apesar de já sancionado, o novo marco legal do saneamento ainda não está consolidado e uma das questões essenciais é a análise, no Congresso Nacional, do veto do presidente Jair Bolsonaro à possibilidade de renovação por mais 30 anos, sem licitação, dos contratos atuais das companhias do setor. O secretário do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, Artur Lemos Júnior, diz que aguarda uma definição, mas admite que é difícil prever o que acontecerá a respeito do veto. "Mas, a gente acredita que caia, até por que, em que pese que o governo federal tenha dito que não foi objeto de acordo, o próprio relator da matéria, deputado Geninho (Zuliani -DEM-SP), mencionou que foi, então o que foi acordado, deve ser cumprido", sustenta.
O presidente da Corsan, Roberto Barbuti, também salienta que o posicionamento da empresa, assim como o do governo do Estado, é contrário ao veto. Porém, ele acrescenta que a companhia trabalha com os dois cenários possíveis, derrubada ou manutenção da posição, e se for mantida a decisão de Bolsonaro, Barbuti destaca que a Corsan está entre as estatais do setor com melhores situações de prazo médio de contrato, que está hoje em torno de 26 anos, ou seja, um longo período. "A saúde da empresa não está atrelada a isso (queda ou não do veto)", afirma.
Quanto às PPPs, Lemos ressalta que as parcerias são instrumentos saudáveis. "O ganho de uma parceria está na eficiência", argumenta o secretário. Ele reforça que esse é o objetivo quando se busca o apoio da iniciativa privada.