A primeira lei antirracista do Brasil foi elaborada há 70 anos, após uma bailarina e ativista do movimento negro dos Estados Unidos, Katherine Dunham, ter a hospedagem negada em um hotel de São Paulo. Em 17 de julho de 1950, o deputado federal Afonso Arinos (UDN-MG) apresentou à Câmara dos Deputados um projeto que condenaria quem recusasse hospedagem em hotel, entrada em estabelecimento comercial, matrícula em escola ou contratação em empresa por preconceito de raça e de cor. Ainda que o Brasil tenha avançado nas discussões jurídicas e raciais, especialistas apontam que falta colocar alguns dos avanços em prática.
O procurador do estado do Rio Grande do Sul e presidente da Comissão Especial da Verdade Sobre a Escravidão Negra da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), Jorge Luís Terra da Silva, lembra que a lei, conhecida como Lei Afonso Arinos, apenas considerou esses atos como contravenções penais. "Apesar de se reconhecer que determinados comportamentos não seriam juridicamente aceitáveis, não se pode dizer que ela alcançou efetividade." Ele aponta, ainda, que a lei estava em sincronia com o seu tempo, não podendo ser considerada, portanto, atrasada.
Desde então, o Brasil passou por mais duas constituições - 1967 e 1988. Segundo o advogado especialista em Direito Penal, professor universitário e Diretor da Escola do Legislativo da Câmara de Porto Alegre, Lúcio Antônio Machado Almeida, a Constituição de 1934 foi a primeira a falar sobre discriminação racial. A seguinte, de 1937, se calou quanto a isso e, as de 1946 e de 1967 falavam pouco sobre. "A de 1988 é um avanço porque não só é a primeira que de fato define racismo como crime, mas também o determina como crime imprescritível e inafiançável."
Em 70 anos, o País também ganhou outras quatro leis com propósito de combater o racismo. No ano passado, a Lei 7.716, que tornou racismo crime, completou 30 anos. A advogada especialista em Direito Antidiscriminatório Luana Pereira da Costa reconhece a importância da lei, mas acredita que ela tenha eficácia limitada. "Como advogada que já atuou em diversos casos de racismo, posso afirmam que é muito difícil que a polícia, o Ministério Público ou o Judiciário tipifiquem casos de racismo. Via de regra, os casos são tipificados como Injúria Racial, crime de menor potencial ofensivo", contextualiza.
Segundo dados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), de 2005 a 2018, o índice de condenação por racismo ou injúria racial no Estado foi de 6,8%. Entre janeiro de 2005 e dezembro de 2018, mais de seis mil ações foram movidas. Para o advogado especialista em Direito Penal Leandro da Cruz Soares, a ineficácia é grande. "Não necessitamos de mais leis, elas já estão aí. Mas o que aconteceria se alguém me chamasse de macaco hoje na rua? Nada. Os próprios tribunais não estão interessados que determinadas pessoas cumpram pena por isso".
Na mesma linha de pensamento, o advogado especialista em Direito Penal Lucas Fernando Serafim Alves defende que o Direito Penal não deve ser o único meio de combate ao racismo. "O caráter penal falha na forma de prevenção do racismo no Brasil. Reprimir o racismo é chorar pelo leite derramado. Já aconteceu, já feriu", complementa.
Ele acredita que, ainda que a norma seja dura, não impede a prática. "Portanto, não é eficiente na prática porque não previne o racismo. É uma conduta gravíssima que deve ter a intervenção penal. O que nos parece é que há uma máxima no Brasil de que criminalizar a conduta é igual a resolver. Mas não é assim, racismo não se combate somente com Direito Penal. Racismo se combate com política pública."
Nesse contexto, as leis antirracistas podem ser consideradas como mais efetivas são as de cotas. "Elas permitiram uma mudança no quadro discente das universidades públicas federais e, em menor quantidade, nos cargos das instituições públicas", afirma Luana, acrescentando que as leis mais efetivas são as que proporcionam políticas afirmativas. "Como a Lei 10.639/03, que determinou a inclusão do ensino da História e Cultura Afro-brasileira nos currículos. Embora tenha sua eficácia ainda limitada, possui um caráter simbólico e uma potencialidade relevante."
Além das políticas públicas, Soares e Almeida enfatizam a importância da representatividade e de ter pessoas negras ocupando espaços de poder, principalmente na área do Direito. A partir do ponto de vista do racismo estrutural, o procurador do Estado acredita que a solução está na mesma linha. "Se o racismo é estrutural, o combate a também deve ser", defende Silva.