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Normas não protegem a saúde mental dos trabalhadores
Ainda que seja pauta dos dias atuais, há uma lacuna normativa para fiscalizar problemas psicológicos no ambiente de trabalho
Ansiedade. Depressão. Síndrome de Burnout. Esses transtornos e distúrbios emocionais fazem parte da realidade de um número cada vez maior de pessoas no Brasil. Cresce, também, o número de trabalhadores que desenvolvem doenças de saúde mental por causa de estressores relacionados ao trabalho. De janeiro a setembro de 2018, o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) concedeu mais de
8 mil licenças para tratamento de transtornos mentais. Ainda que a promoção de um ambiente de trabalho sadio seja responsabilidade do empregador, o Direito do Trabalho conta com um crescimento de demandas dessa natureza que ainda não estão tipificadas nas Normas Reguladoras (NR).
Em 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) previu que até 2020 a depressão seria a maior causa de afastamento de trabalhadores no mundo. No Brasil, a maior causa ainda é o adoecimento do músculo esquelético, mas as doenças mentais ficam em segundo lugar. Segundo dados do INSS, de 2012 a 2017, 12,3% dos afastamentos por doenças no País foram por transtornos mentais.
Embora os números sejam expressivos, fiscalizar ambientes de trabalho para evitar o desenvolvimento de distúrbios emocionais não é comum. Segundo o chefe da Seção de Segurança e Saúde do Trabalhador (Segur) da Superintendência Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, Mauro Marques Müller, é mais fácil fiscalizar um ambiente de trabalho com máquinas ou substâncias químicas, por exemplo. "Temos na regulamentação que o trabalhador pode estar exposto até determinado limite de tolerância de uma certa substância química. Ou uma zona perigosa em que o trabalhador possa sofrer uma fratura. Então conseguimos chegar naquela situação de trabalho e intervir diretamente para que seja prevenido", esclarece.
A falta de normatização para situações que fogem dos perigos físicos dificulta o trabalho de fiscalização. "O fiscal pode se deparar com um quadro de depressão ou Burnout e não terá instrumento para incidir. E é triste que a fiscalização não consegue chegar antes de acontecer, como no caso de uma máquina desprotegida", complementa Müller. As NR mais novas, como a 33 e a 35, fazem pouca menção a fatores psicossociais, e a NR 17, conhecida como norma da ergonomia, não trata especificamente sobre isso. "A NR 17 fala da relação entre o trabalhador e a atividade de trabalho e das condições em que essa atividade é realizada. Ela é muito genérica, trata da organização do trabalho mas de uma forma ampla. Há uma lacuna normativa", defende o chefe da Segur.
Excesso de trabalho facilita o desenvolvimento de distúrbios
O motivo do cenário atual ser esse ainda é desconhecido. Segundo o psiquiatra Pedro Beria, porém, o excesso de trabalho, o desvio e o acúmulo de função e as longas cargas horárias são fatores de risco em comum para os principais transtornos mentais. "Essa carga de trabalho ocupacional de um determinado indivíduo não é somente um fator de risco para o desenvolvimento de alguma doença, mas a exposição ao estressor é a doença em si", afirma.
É comum que os trabalhadores não consigam desligar o contato com a empresa após o término do expediente, tendo em vista que, com a internet e os smartphones, estão sempre conectados ao e-mail comercial e ao
WhatsApp. Para algumas pessoas, responder mensagens e e-mails após o horário do trabalho pode não ser desgastante, mas, segundo Beria, a longo prazo, pode causar problemas.
"Certamente o fato de estarmos sempre conectados influencia o sentimento de sobrecarga e cansaço relacionados ao trabalho. Dificuldade de relaxar, cobrança excessiva e preocupação intensa são sintomas comuns e originários da maior parte das síndromes relacionadas aos transtornos mentais", explica. O psiquiatra defende que esse excesso de conexão pode ser condicionante para pessoas que já tem predisposições genéticas ou outros fatores de risco associados.
De acordo com o advogado especialista em Direito do Trabalho Júlio Cesar Almeida, essa prática se encaixaria nos aspectos referentes ao tempo à disposição do empregador da Consolidação de Leis de Trabalho (CLT). "Se o empregado tem que estar à disposição, ele vai ser remunerado. Entra na jornada de trabalho", complementa.
Ele ressalta, ainda, que há outras indicações, como a ausência de descanso e desligamento da empresa. "Algumas empresas costumam até colocar horário de funcionamento em e-mails corporativos para evitar que o funcionário acesse fora do expediente e, assim, garantir que não haja uma extrapolação dessa comunicação que pode ser considerado uma ferramenta de trabalho", comenta.
Se essas práticas comuns nos ambientes corporativos fossem denunciadas e levadas ao Judiciário, contariam com decisões baseadas na jurisprudência que, segundo Almeida, nem sempre acolhe os trabalhadores. Para ele, em uma ação trabalhista, o funcionário pode questionar o excesso de horas de trabalho, o tempo à disposição do empregador e o desvio ou o acúmulo de funções e pedir um aumento salarial. Ele afirma, porém, que cada caso deverá ser analisado. "Direito Trabalhista é pautado na realidade fática, não só no documento. Mas o que prevalece é a realidade vivenciada entre o empregado e o empregador", argumenta.
Falta contexto seguro para denúncias
Independentemente de existir ou não legislação para impedir que essas decisões sejam baseadas na jurisprudência, outro grande problema do Direito do Trabalho envolve a falta de um cenário seguro e propício para denúncias das situações irregulares que acontecem no local de trabalho.
Para a desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) Beatriz Renck, ainda que a demanda de denúncias desse tipo tenha aumentado, é raro que o trabalhadores façam reclamatórias trabalhistas na vigência do contrato. "As pessoas têm direito de reclamar perante os órgãos públicos, mas, na situação de desemprego alarmante em que vivemos, isso é quase impossível de acontecer. Existe esse medo do trabalhador de perder o emprego, e, por isso, ele acaba aceitando situações que não ideais", justifica.
A advogada especialista em Direito do Trabalho Fernanda Garcez Lopes Cunha ressalta que o trabalhador está protegido de uma série de situações referentes ao adoecimento e às denúncias. "Por exemplo, se o funcionário está doente naquele momento, ele não pode ser desligado. Se tiver um nexo de causalidade entre a doença e o trabalho na empresa, ele também pode ganhar uma estabilidade provisória quando ele retornar da licença", aponta.
Atualmente, as denúncias são feitas por meio do telefone 158, do site do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do aplicativo de celular MPT Pardal, para denúncias mais urgentes e com poucas informações. O site de denúncias do MPT recebe reclamações anônimas mas que atingem apenas coletivos de trabalhadores, não interferindo no âmbito individual. Segundo o vice-procurador-chefe do MPT, Gilson Luiz Laydner de Azevedo, o MPT recebe muitas denúncias e, por isso, trabalha apenas com casos de grande repercussão social e que possam apresentar um resultado para a sociedade.