Desde 2017, o mundo do trabalho vem sofrendo uma série de mudanças na legislação. Primeiro a reforma trabalhista e, no ano passado, medidas como a reforma da Previdência, a Lei da Liberdade Econômica e a medida provisória que cria o Programa Verde Amarelo são exemplos das alterações que estão surgindo. Nesta entrevista ao Jornal da Lei, o advogado especialista em Direito do Trabalho Daniel de Lucca e Castro explica as motivações dessas transformações e analisa alguns tópicos da reforma trabalhista, que irá completar três anos de vigência neste ano.
Jornal da Lei - Por que todas essas mudanças estão surgindo agora e como elas vão impactar aqueles que estão no mercado de trabalho?
Daniel de Lucca e Castro - Se formos verificar a exposição de motivos para a edição de todas essas leis, o ponto comum talvez seja a geração de emprego, e o crescimento econômico, passando também pela desburocratização. Aprendemos na faculdade que o Direito possui a finalidade de regular o convívio social, e as leis precisam ser atualizadas. No que concerne ao Direito do Trabalho, é certo que mudanças eram necessárias, pois há tempo que a sociedade experimenta novas formas de relação de trabalho, com grande destaque para os aplicativos. Houve, também, a regulamentação do trabalho no sistema home office, o teletrabalho, além do surgimento do contrato de trabalho intermitente e, mais recentemente, através da Medida Provisória nº 905, ainda não apreciada pelo Congresso Nacional, o surgimento do chamado contrato de trabalho verde e amarelo. São atividades que já existiam, exceção feita ao contrato verde e amarelo, e que, em sua imensa maioria, eram exercidas na informalidade. Agora, não mais. Tenho absoluta convicção que, se outras mudanças já tivessem sido implementadas, como a reforma tributária, e mesmo uma reforma política, por exemplo, todas seriam muito mais positivas do que estão se mostrando até o momento, pois a mão de obra continua cara em nosso País, e a tributação, desigual. As medidas são positivas, sim, mas é necessário um período de maturação para mensurarmos com mais precisão as consequências.
JL - O senhor acha que essas medidas conseguiram resolver os problemas aos quais se propuserem resolver?
Castro - Além da necessária atualização legislativa, pretendeu-se a geração de emprego e o crescimento econômico, e esses números, apesar de positivos, estão aquém do esperado, pois sozinhos não resolvem o problema. Sem um sistema tributário equânime, e um Estado menos oneroso, que custe menos, não avançaremos como gostaríamos e efetivamente precisamos. O contrato intermitente veio para "legalizar" o famoso "bico" e, se bem utilizado, é um avanço. Na questão previdenciária, parece-me quase unânime a opinião de que tínhamos, e ainda temos, um rombo, e medidas foram tomadas para tentar diminuir isso. Porém, aqui, penso que a discussão deveria ter sido mais ampla.
JL - O número de ações na Justiça caiu cerca de 30% desde a reforma trabalhista. Por que o senhor acha que isso aconteceu?
Castro - Isso varia de circunscrição territorial de cada Tribunal Regional do Trabalho que temos no País. Essa redução está umbilicalmente ligada à regra da sucumbência, na qual a parte vencida - empregado ou empregador - paga os honorários para o advogado da parte vencedora. Antes, isso ocorria somente quando o trabalhador estivesse assistido pelo seu representante sindical. Essa regra faz com que aquelas ações classificadas de aventureiras, ou qualquer outro adjetivo semelhante, percam força. Também afeta diretamente o mercado de trabalho de advogados trabalhistas que atuam somente no contencioso. Por outro lado, a advocacia consultiva ganha ainda mais força. Sob o ponto de vista processual, acho válido, pois trouxe um maior equilíbrio processual. Mas, sob o ponto de vista do processo do trabalho, penso que a instituição da sucumbência foi a mudança mais impactante da reforma.
JL - Hoje, dois anos após a aprovação da reforma trabalhista, como o senhor avalia as alterações previstas?
Castro - Do ponto de vista do Direito Material, novas formas de trabalho foram reguladas. Houve uma alteração na Lei Federal nº 6.1019/1974, que, antes, versava apenas sobre trabalho temporário, e, hoje, regula também a prestação de serviços, permitida para toda e qualquer atividade/setor de uma empresa, com as ressalvas impostas pela própria lei. Ainda, penso que as alterações, apesar de acabarem com o recolhimento compulsório da contribuição sindical, deram mais forças para as entidades sindicais, tendo em vista que há, agora, um rol de direitos que podem ser transigidos via negociação coletiva, e outros que não podem, o que não havia. Porém, penso que, em breve, teremos alguma mudança que trate do financiamento da atividade sindical. Existem aspectos positivos e negativos, como em toda e qualquer reforma legislativa, e é necessário mais, e ainda um período maior de maturação de tudo isso. Mas uma coisa é clara: sem crescimento econômico, reforma tributária, reforma política, as alterações de até aqui não surtirão o efeito desejado.