No auge da colheita de grãos no Estado, movimentos internacionais pegaram os produtores, de certa forma, de surpresa. Tanto a quebra na produção argentina de grãos quanto a escalada na guerra comercial entre Estados Unidos e China contribuíram para um aumento nos preços recebidos por aqui. Além disso, a desvalorização do real frente ao dólar, trajetória iniciada no fim de março, que fez a taxa de câmbio passar do patamar de R$ 3,20 para o atual, oscilando em torno de R$ 4,00, também trouxe ganhos de rentabilidade na hora da conversão.
Agora, porém, a situação cambial, que já foi alento, ganha mais contornos de preocupação para os produtores. O motivo é que, em um período de transição entre as safras, o principal ponto impactado pelo câmbio é a compra de insumos, grande parte deles, como os fertilizantes, fabricados com matérias-primas importadas. "Neste período do ano, a taxa de câmbio é mais importante para fins de custo do que de preço, pois se está mais formando lavoura", conta o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz.
Segundo a Farsul, apenas até junho, o Índice de Inflação dos Custos de Produção (IICP) já acumulava alta de 7,12% no ano. "Os insumos subiram bastante, e estamos vendo a safra 2018/2019 com o custo de produção muito alto", acrescenta o presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro), Paulo Pires. O dirigente cita ainda os efeitos da greve dos caminhoneiros e, principalmente, da tabela de fretes como motivos para alta nos preços de fertilizantes e produtos químicos, mas argumenta que, mesmo assim, o fato não deve interferir na área plantada no Estado, pois as decisões de plantio já estavam tomadas.
A apreensão acontece porque, na prática, não há como saber se os patamares do câmbio serão os mesmos na hora da colheita e venda da safra 2018/2019, no ano que vem. "É um custo certo para um ganho incerto", comenta Luz, ressaltando que os produtores não possuem qualquer controle sobre o destino da moeda, ainda mais neste segundo semestre, em que especulações eleitorais tendem a determinar o desempenho.
Embora agora seja vista com apreensão, a alta na taxa de câmbio foi um dos fatores de alívio no primeiro semestre, principalmente na cultura da soja, maior produção e volume agrícola exportado do Estado. O aumento nos preços ajudou, inclusive, a reduzir, se não compensar, as perdas na safra, que, de certa maneira, dividiram o Rio Grande do Sul em dois. Na média, a colheita não foi ruim: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima a safra gaúcha da oleaginosa em 17,4 milhões de toneladas, abaixo das 18,7 milhões de 2016/2017, mas, mesmo assim, a segunda maior produção de soja da história.
Quem sentiu a quebra, porém, foi praticamente só a Metade Sul, onde a seca comprometeu seriamente a cultura. Já a Metade Norte, tradicional produtora do grão, uniu o útil ao agradável: manteve as ótimas produtividades, e ainda conseguiu aproveitar a alta inesperada dos preços.
A alta também trouxe a dinâmica do comércio do grão para o período normal, com os embarques ocorrendo de maneira concentrada no segundo trimestre. No ano passado, com os preços baixos praticados no período, houve uma alta na estocagem, à espera de melhora nas condições de venda. "Se no ano passado, por exemplo, vendi (a saca) a R$ 57,00 e, neste ano, está em R$ 90,00, por que não aproveitar?", analisa Luz. Um estudo da Farsul projetava, ainda em maio, que a rentabilidade da soja gaúcha chegaria aos R$ 22,3 bilhões na safra 2017/2018, aumento de 25,2% em relação à temporada anterior.
Guerra comercial entre China e EUA gera incertezas
Um dos principais fatores de melhoria nos preços pagos aos produtores de soja brasileiros neste ano, a guerra comercial travada por Estados Unidos e China é vista, agora, com olhares incertos por aqui. Para quem vende, um dos motivos é que os valores recebidos têm se mantido em alta por conta dos prêmios, já que a referência internacional, a Bolsa de Chicago, viu os preços despencarem desde o início da troca de ameaças. Além disso, mesmo com o clima de ameaças entre os dois países persistindo há quase meio ano, há a leitura de que tudo pode mudar de uma hora para a outra.
"Ainda estamos tentando entender o processo negocial do (presidente norte-americano) Donald Trump, que passou a ser algo mais pessoal. Os Estados Unidos podem resolver negociar com a China, e aí nós perdemos", afirmou o presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Carlos Corrêa Carvalho, durante o Congresso Brasileiro do Agronegócio, no início do mês. O temor, segundo o dirigente, é de que se repita o que aconteceu na relação com a Alemanha em julho, que negociava o embarque de soja brasileira até Trump e a União Europeia chegarem a um acordo de trégua que minou as tratativas. Aos agricultores brasileiros, o principal fator de interesse vem da sobretaxa de 25% anunciada pela China à entrada de soja norte-americana no país asiático, retaliação dos orientais ao embargo a produtos chineses anunciado por Trump.
O presidente da Fecoagro, Paulo Pires, argumenta que a situação traz muita incerteza quanto ao futuro para os produtores, o que não significa, porém, que o cenário vá necessariamente piorar. "Nos preocupa a questão da próxima safra, pois acho que os preços de 2018/2019 serão menores do que os disponíveis hoje", comenta Pires, argumentando que a composição do preço é um dos fatores para a preocupação. "O que dá o preço hoje é o prêmio, e nos perguntamos até quando isso continuará, porque o prêmio é bastante volátil", continua o dirigente.
No médio e longo prazos, os efeitos da disputa entre EUA e China também são encarados como riscos para o Brasil. O tema foi levantado no Congresso Brasileiro do Agronegócio, no qual Carvalho classificou a situação como uma possível armadilha.
"Nossa dependência da China traz ameaças. Se eles resolvem financiar outros países para que produzam soja, vamos ficar apertados", afirmou o presidente da Abag. Consultor da McKinsey, Nelson Ferreira acrescentou ainda que uma esperada retração na economia mundial por conta da guerra comercial poderia reduzir o consumo de proteína animal na China, diminuindo, consequentemente, a demanda dos asiáticos por soja para uso como ração.
Além disso, segundo Ferreira, já há sinais de desenvolvimento de tecnologias poupadoras de água na China, principal problema para a plantação de soja no país. No início de agosto, a agência estatal Xinhua divulgou que novas técnicas com uso de ração de baixa proteína (sem soja) já estão em uso na China e poderiam derrubar as importações de soja do País.