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Saúde

- Publicada em 16 de Março de 2021 às 20:55

UPA Moacyr Scliar e PAs de Porto Alegre operam muito além do limite da capacidade de atendimento

Ontem, Moacyr Scliar tinha 59 pacientes esperando vaga em hospital

Ontem, Moacyr Scliar tinha 59 pacientes esperando vaga em hospital


/MARIANA ALVES/JC
"Cada vez que escuto o barulho da sirene da ambulância, me bate um desespero", conta, chorando, a enfermeira da UPA Moacyr Scliar, Fabiane Avila. O motivo do desespero é que, com a superlotação da UPA, ela sabe que não tem espaço para colocar o novo paciente, normalmente em estado crítico, trazido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Na tarde desta terça-feira (16), a Moacyr Scliar, também conhecida como UPA Zona Norte, tinha 59 pacientes internados aguardando encaminhamento para algum hospital de Porto Alegre.
"Cada vez que escuto o barulho da sirene da ambulância, me bate um desespero", conta, chorando, a enfermeira da UPA Moacyr Scliar, Fabiane Avila. O motivo do desespero é que, com a superlotação da UPA, ela sabe que não tem espaço para colocar o novo paciente, normalmente em estado crítico, trazido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Na tarde desta terça-feira (16), a Moacyr Scliar, também conhecida como UPA Zona Norte, tinha 59 pacientes internados aguardando encaminhamento para algum hospital de Porto Alegre.
As Unidades de Pronto Atendimento (UPAs 24h) fazem parte da Rede de Atenção às Urgências, e são nesses locais que atendimentos de complexidade intermediária ficam concentrados, compondo uma rede organizada em conjunto com as atenções básica, hospitalar, domiciliar e o Samu 192. Já os Pronto Atendimentos (PAs) são unidades destinadas a atender casos agudos, porém com menor gravidade.
Segundo monitoramento da prefeitura em tempo real junto as emergências, onde estão incluídos UPAs e PAs, à tarde, todos os estabelecimentos estavam lotados. O PA da Bom Jesus, que conta com sete leitos, tinha 35 internados em observação. Desses, 10 aguardavam internação em UTI e 20 esperavam outros modelos de internação, como de enfermaria, por exemplo. No PA da Cruzeiro do Sul (Pacs), 64 pessoas estavam internadas, sendo que a capacidade original era de 12 leitos. Dessas, 40 aguardam internação e 11 uma vaga em UTI.
No PA da Lomba do Pinheiro, com nove leitos, havia 35 pessoas internadas, das quais 12 aguardavam internação e 10, leito de UTI. Em Porto Alegre, UPAs e PAs são as portas de entrada para as emergências hospitalares. Os pacientes que chegam nessas unidades são acolhidos e atendidos até que estejam estabilizados ou até que algum hospital consiga atendê-los. "Os pacientes ficam na UPA/PA até haver disponibilidade de leito de UTI ou de hospital. Estando na emergência do hospital, mesmo que não seja em leito de UTI, ele está melhor assistido do que na UPA", explica o médico da coordenação municipal de urgências da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), Diego Fraga.
"A nossa porta está sempre aberta para o Samu, não podemos negar nunca. Se tivermos 300 pacientes na UPA, temos que aceitar o novo paciente igual. Às vezes chegam duas ou três ambulâncias ao mesmo tempo e fazem uma fila no pátio, e aí nós temos que encontrar um local para deixar o paciente até que tenha leito para ele", explica a enfermeira Fabiane. Nesta terça, em mais um recorde de óbitos, o Rio Grande do Sul registrou 502 mortes pela Covid-19. Em Porto Alegre foram 79.

Pacientes intubados deveriam ser transferidos em 12 horas, mas ficam até cinco dias

Na UPA Zona Norte, a capacidade original era de 17 leitos, mas, na noite de domingo (14), o local chegou a acomodar 72 pacientes - 423% acima da capacidade. A enfermeira conta que os profissionais tiveram que improvisar locais para acomodar as pessoas. Na tarde desta terça-feira, o número já tinha reduzido para 59 internados, dos quais 23 aguardavam UTI.
Com tais números, Fraga entende que a situação é alarmante. "Todos PAs/UPA estão com uma situação muito acima da marca histórica de internação. Os trabalhadores estão trabalhando ao máximo para dar qualidade assistencial e todo suporte que se pode dar dentro das condições desses serviços", acrescenta. Segundo ele, esses locais deveriam ser apenas unidades de transição. Mas, na situação atual, na qual todos os hospitais da Capital estão sem leitos de UTI, é muito difícil.
Fabiane explica que os pacientes intubados na UPA deveriam ser transferidos para o hospital em até 12h, mas alguns estão ficando de 4 a 5 dias na unidade. "Só nossos pacientes de Covid-19 atuais encheriam uma UTI." Por causa da superlotação, faltam equipamentos e equipe para administrar bem a situação. Na necessidade de improvisar local para tantos pacientes, os profissionais de saúde transformaram a sala de observação da UPA Moacyr Scliar, que tinha 12 leitos, em uma sala para 24 pessoas. "Em cada saída de oxigênio colocamos um conector em forma de Y para conseguirmos colocar dois pacientes. Cada leito tem dois pacientes dividindo a saída de oxigênio", conta a enfermeira.
"Teoricamente, uma UPA não tem onde internar, só onde deixar o paciente em observação. Por isso, agora estamos vendo um represamento em cascata. Não é errado que as pessoas fiquem internadas nas UPAs e PAs, mas o problema é que não temos onde colocá-las", defende a professora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Mariur Gomes Beghetto. Segundo ela, as UPAs são para aguardar decisão diagnóstica e não decisão terapêutica, que é o que está acontecendo. Por isso que, com a superlotação, é comum ver pessoas aguardando em macas ou cadeiras.
Fraga reconhece a falta de mão de obra e afirma que concursos, horas extras e contratações temporárias estão sendo abertos. Segundo Fabiane, na UPA em que trabalha constantemente abre hora extra. "Mas ninguém aceita mais, porque está todo mundo cansado", afirma ela, ressaltando que o cansaço é tanto físico, por ficar em pé, com sede e por movimentar pacientes, quanto mental. "Sempre lidamos com morte, mas sempre tivemos recursos. Agora não temos respirador nem leitos, então, às vezes, temos que escolher, e isso é muito difícil."
A filha de Fabiane, de 24 anos, também é enfermeira na linha de frente da Covid-19. "Minha filha e a amiga dela, também enfermeira, me ligam chorando para contar que os pacientes imploraram pela vida, para dizer que estão tristes e desesperadas. Tenho 25 anos de profissão, fico tentando consolar as duas, mas também sofro quando um paciente me pergunta se um dia vai poder ver a família de novo", diz ela, com a voz embargada. Somente nos primeiros 15 dias de março, o RS registrou uma morte por coronavírus a cada 10 minutos.
Enquanto se preparava para o próximo plantão, que começava às 19h desta terça-feira, Fabiane afirmou já estar angustiada. “Entro às 19h e já li no grupo dos enfermeiros da UPA como está a situação. Já tenho que sair de casa mais ou menos preparada para o que vou enfrentar à noite. Fico angustiada o dia inteiro.”