A pandemia do novo coronavírus está impondo um desafio às empresas na hora de fechar as contas do mês e para cumprir os pagamentos de funcionários, fornecedores e tributos. Mas este também é um momento crucial para essas organizações mostrarem que estão realmente comprometidas com as práticas de sustentabilidade ambiental, social e de governança que fazem parte dos critérios ESG (Environmental, Social and Governance, em inglês).
A CEO e fundadora da Gestão Kairós, consultoria especializada no assunto, Liliane Rocha, afirma que esta é a oportunidade para comprovar que os negócios realmente estão levando a sério seu papel dentro da sociedade. Autora do livro "Como ser um líder inclusivo", Liliane salienta que preservar a saúde dos funcionários nesse momento, além de ser uma questão de direitos humanos, também é uma estratégia de negócios.
Empresas & Negócios- Qual é a importância de a empresa colocar todos profissionais em segurança, sem distinção entre cargos?
Liliane Rocha - A importância maior é a questão de direitos humanos, Quando falamos do direito à vida no contexto empresarial, é fundamental que se olhe para todos sem distinção, fazendo valer direitos e valorizando todo e cada indivíduo. Independentemente de cargo, deve-se garantir que todos possam estar seguros e tranquilos.
E&N - É possível que as organizações sejam penalizadas caso não adotem essa política?
Liliane - Temos que ressaltar a questão da reputação das empresas, que, com certeza, a curto, médio e longo prazos, será impactada. A sociedade saberá de que forma cada uma se portou nesse momento. Entendo que nenhuma empresa vai bem com uma parte de seus funcionários doentes, o que é uma possibilidade se não forem adotadas as determinações de distanciamento social. Então, preservar a saúde dos funcionários, além de uma questão de direitos humanos, é estratégia de negócios. Essa força de trabalho será demandada e precisa estar saudável.
E&N - Você fala na importância de conscientizar os colabores sobre a situação do País e da própria empresa. Como fazer isso?
Liliane - Sabemos que há muita conversa de corredor, e a disseminação de fake news, bem comum no Brasil, repete-se dentro das empresas. Desinformação, boatos, dados e notícias falsas acabam sendo compartilhados. Nesse sentido, o papel da comunicação e do marketing - áreas que conhecem o público interno - sabem quais ações e mecanismos mais assertivos para assegurar que todos tenham acesso a informações corretas. Mais do que isso, eles podem ser disseminadores das verdadeiras notícias junto às suas comunidades.
E&N - A transparência é mais importante neste momento? Expor fragilidades e dificuldades pelas quais a organização terá de passar pode ser interessante?
Liliane - Mais do que fundamental, a transparência, agora é imprescindível para que o empresariado compartilhe as boas práticas entre si. A dificuldade pode já ter sido resolvida, e vice-versa. Por isso, a transparência, o compartilhamento de conhecimento e de boas práticas pode fazer toda a diferença em momentos de crise. Não é preciso, isoladamente, tentar 10 vezes algo que outra empresa já tenha obtido sucesso e que pode ser adaptado a cada realidade.
E&N - Reduzir remunerações para amenizar o impacto financeiro é uma opção imediata?
Liliane - Reduzir a renda e a carga horária é, mais uma vez, o cenário histórico brasileiro: penalizar os mais pobres em uma crise global. Sabemos das desigualdades tremendas que existem no Brasil, inclusive temos um grupo mínimo de bilionários e está parado há anos no Congresso Nacional um projeto de taxação de grandes fortunas. Agora, esse grupo deveria, com uma pequena parcela de seus bilhões, ajudar e apoiar a grande massa para que a população sofra o mínimo possível por conta da pandemia.
E&N - Qual é a relevância de os funcionários se sentirem mais seguros em relação ao seu emprego neste momento?
Liliane - Quando falamos da Covid-19, pensamos muito nas implicações do abalo físico e até da morte, que é o ápice do que pode acontecer com as pessoas infectadas. Mas tenho percebido que poucos têm se preocupado com a saúde emocional, psíquica e até na espiritual das pessoas. Pensar que os funcionários estejam e se sintam seguros é dar para essas pessoas uma tranquilidade física, psíquica e emocional de forma que possam continuar desempenhando suas funções de forma plena.
E&N - Observar e adotar essas práticas pode ajudar a fazer com que o colaborador se envolva na sustentabilidade do negócio?
Liliane - Entendo que essas práticas fazem com que o colaborador e a sociedade tenham certeza de que, quando a empresa fala de sustentabilidade e diversidade e se posiciona publicamente em relação a isso, não é somente um discurso, mas uma prática. Ou seja, isso atesta que a companhia não estava sendo oportunista e apenas se apropriando de atributos ambientais, sociais e de diversidade para se destacar no mercado. É em momentos de crise que as empresas precisam reforçar, junto ao público, que promovem mudanças concretas e reais nas práticas que adotam. Assim, deixarão claro para seus stakeholders a seriedade do trabalho que realizam e irão reforçar também junto à sociedade o seu posicionamento enquanto organizações sérias e responsáveis.
E&N - Levando-se em consideração, então, que este é o momento de as empresas mostrarem que realmente levam a sério a sustentabilidade para além de seus balanços, quais ações devem ser destacadas por elas?
Liliane - Em minha opinião, quando vejo que a Gerdau, por exemplo, faz parceria com outras empresas e com o poder público, e anuncia que em poucos dias rá disponibilizar 40 leitos de hospitais para atender pacientes da Convid-19, ela está conseguindo fazer a diferença. Isso porque se posicionar nesse momento de forma contundente e age muito além de seu escopo de atuação comercial. Estamos vendo, na prática, que a empresa realmente se preocupa com o meio ambiente, com a sociedade e com as pessoas, inclusive movendo esforços para atender àqueles que não seriam a priori de sua responsabilidade para garantir a segurança de todos. Voltando ao exemplo da Gerdau, estamos falando de 40 leitos. Mas imaginem se todas as empresas fizessem o mesmo? Se as 500 maiores companhias do Brasil se responsabilizassem agora e cada uma decidisse atuar em prol de alguma área prioritária? Estamos falando de um leque imenso de opções: pode ser com a doação de álcool gel ou outros insumos para as comunidades periféricas, por exemplo. Outra medida importante seria que as grandes empresas garantissem o pagamento aos seus pequenos fornecedores durante a crise, mesmo que eles não possam fazer suas entregas. Tenho certeza de que iríamos superar não só a crise de coronavírus, mas arrisco dizer que teríamos condições de acabar com algumas das maiores desigualdades do País e de nos tornarmos uma grande referência para o mundo.