Arquitetos são agentes de prevenção à saúde da casa e das famílias

Programa Casa Saudável do CAU-RS quer colocar profissionais do setor em atuação conjunta com equipes do SUS

Por Luciana Radicione

Tiago Holzmann lembra que moradia é um direito fundamental
A pandemia escancarou uma realidade há muito já conhecida dos brasileiros: as precárias condições das moradias ocupadas por famílias que vivem nas comunidades, à margem do olhar e da gestão de políticas públicas voltadas para a habitação. Apesar de figurar como direito constitucional, a moradia digna é um imenso gargalo na infraestrutura brasileira, algo que se soma ao déficit habitacional estimado em mais de 7,8 milhões de unidades, segundos dados de 2017 do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).
Se não é possível resolver o problema no curto prazo, há como minimizá-lo. Pela urgência do tema diante da grave crise sanitária do país, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU-RS) lançou em plena pandemia um programa que tem como objetivo colocar arquitetos e urbanistas atuando junto com as equipes de saúde dos municípios gaúchos, dentro da necessidade de ampliar a implementação da Lei da ATHIS (Lei Federal nº 11.888/2008), criada pelo arquiteto e urbanista gaúcho Clóvis Ilgenfritz da Silva.
"A Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social, a ATHIS, é uma pauta permanente do CAU-RS e foi assim que nasceu o programa ATHIS Casa Saudável, cujo objetivo é contribuir para a implementação da lei nos municípios gaúchos, por meio da ação conjunta entre arquitetos e urbanistas e profissionais da saúde", salienta o presidente do CAU-RS, arquiteto Tiago Holzmann da Silva. Ele destaca que a moradia, a exemplo da saúde, justiça e segurança, é um direito fundamental garantido pela Constituição, no entanto, enquanto os demais setores contam com serviços públicos de atendimento, a moradia não possui um serviço público de forma a proporcionar o acesso da população a esse direito. "A saúde tem o SUS, a justiça a defensoria pública, a educação a escola pública”, lembra o arquiteto e urbanista.
O Casa Saudável consiste basicamente em colocar o arquiteto nas equipes de saúde, junto com os demais profissionais, onde ele vai poder complementar a atividade com seu conhecimento técnico e capacidade de intervenção em unidades mal iluminadas, pouco ventiladas, sem água potável e serviço de esgoto. “O arquiteto é quem vai receitar os remédios para a casa. Uma moradia doente deixa as famílias doentes, com episódios de tuberculose, doenças respiratórias, diarreia e leptospirose. A medicina tem o remédio para tratar a consequência, e o programa foi concebido para atacar o problema na causa”, explica Silva.
O Casa Saudável também tem outro viés, o de aliviar a pressão sobre o SUS. Enquanto um tratamento simples de tuberculose custa R$ 1.700, se reincidente custa R$ 3000 e se o caso precisar de internação, vai a R$ 30 mil. “Trinta mil reais é uma casa nova e R$ 1.700 é uma pequena reforma que resolve o problema de uma casa”, exemplifica o presidente do CAU-RS.
No entendimento do CAU-RS, a partir da integração com profissionais da saúde, não há especificamente a necessidade de haver um serviço público de atendimento à moradia, desde que esse atendimento seja embutido nas ações do SUS. O projeto-piloto está sendo desenvolvido em Santa Rosa, no Noroeste gaúcho, onde as equipes escolheram a terceira idade como foco dessa ação inicial com base em um diagnóstico que apontou alto índice de acidentes com idosos por falta de acessibilidade e segurança. Em setembro, o município firmou convênio com o CAU-RS para a consolidação do programa cujas atividades estão sendo coordenadas pela Associação Profissional de Engenheiros e Arquitetos de Santa Rosa (Apea.SR). O bairro escolhido para implementar o programa foi o Júlio de Oliveira. A exemplo de Santa Rosa, o CAU-RS vem trabalhando na ação e conta com o apoio de entidades como a Famurs na divulgação da iniciativa que pretende se tornar uma política pública de habitação permanente no Estado. Neste primeiro momento, o CAU-RS arcou com os custos da concepção dos projetos, mas a proposta é que os municípios também assumam os projetos e a execução das obras.

Programa Nenhuma Casa sem Banheiro quer se tornar política pública contra o déficit sanitário

Também amparado na Lei da ATHIS e um braço do Casa Saudável, o programa Nenhuma Casa sem Banheiro é outra ação importante do Conselho no Rio Grande do Sul. Lançado dentro de um pacote de ações de combate à Covid-19, tem o objetivo de viabilizar a promoção de melhorias sanitárias domiciliares a famílias de baixa renda, com a expectativa é beneficiar cerca de 11 mil famílias gaúchas quando se tonar uma ação perene.
O projeto conta com a participação do governo do Estado, por meio das secretarias de Obras e Habitação, de Planejamento e Gestão, e de Apoio aos Municípios e da Famurs. Além disso, ganhou o apoio do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), além de outras instituições, como o Ministério Público Estadual e Federal, a Defensoria Pública e o Tribunal de Contas do Estado (TCE).
“O programa também nasceu em 2020 e rapidamente houve um alinhamento com essas instituições e a possibilidade de iniciar os projetos. Estamos já em fase avançada nas cidades de Caxias do Sul, Lajeado e Santa Cruz do Sul, onde o CAU firmou parcerias com entidades locais, abriu edital público para a seleção dos arquitetos que irão prestar o atendimento às famílias que são selecionadas pelos serviços de assistência social dos municípios”, explica o presidente do CAU-RS, Tiago Holzmann da Silva. Nesta primeira etapa, o Nenhuma Casa sem Banheiro pretende beneficiar 50 famílias.
Para este ano o governo do Estado garantiu R$ 1.700 para o projeto, somado aos R$ 500 mil do CAU-RS. Para 2022, a perspectiva é de que o governo gaúcho disponibilize até R$ 12 milhões para a ação com a proposta de atender cidades da Região Metropolitana de Porto Alegre por meio de convênio do Estado com os municípios.