O isolamento social imposto pelo combate à pandemia de Covid-19 fez muitas pessoas darem mais atenção às suas residências. Com a necessidade de passar mais tempo em casa, muitos aproveitaram para realizar reparos que eram adiados, fizeram melhorias para prover mais conforto pessoal ou precisaram adaptar cômodos para o home office. Isso tem gerado reflexos positivos em lojas de materiais de construção e ferragens, que vêm registrando um crescimento de vendas de vários itens.
A funcionária pública estadual Mariana Grass Xavier é um exemplo dessa tendência. Antes da pandemia, a moradora do bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre, utilizava seu apartamento basicamente como dormitório, ficando boa parte do dia fora de casa. No entanto, a partir de março, as medidas de isolamento fizeram com que começasse o trabalho em home office.
O maior tempo dentro da residência despertou necessidades de adaptação do local. "Tive uma maior demanda por conforto. Precisei arrumar um espaço exclusivo para trabalho. Além disso, a sala não pega muito sol e tinha pouca iluminação, então coloquei novos pontos de luz. Também achei que precisava de um ambiente mais agradável, e fiz uma pintura nova, com mais cores e um branco mais claro", explica Mariana.
Esse movimento já foi percebido pelo varejo especializado. "As pessoas têm procurado tornar seus ambientes mais confortáveis", afirma Jeferson Fazenda Diehl, gerente comercial da Ferragem Venâncio Aires. "Elas estão passando mais tempo em casa, convivendo com mais pessoas ao mesmo tempo, o que está sobrecarregando sistemas elétricos, de esgoto, de internet. Isso acaba gerando problemas que precisam ser resolvidos, assim como a necessidade de adaptações no local para atender a demandas que surgiram", comenta ele.
Entre os produtos que têm sido mais procurados na loja, Diehl destaca as tintas. "Parece que as pessoas sentiram necessidade de ter mais cor em casa, uma forma simples de trazer conforto." Outros itens com vendas em alta são os ligados a sistemas hidráulicos e de esgotos, como desentupidores e canos. "Talvez o maior fluxo de pessoas em casa e as demandas maiores dos sistemas esteja gerando problemas como entupimentos", explica o gerente.
No interior do Rio Grande do Sul, essa tendência também vem ocorrendo. "Como ficar em casa deixou de ser simplesmente uma opção e passou a ser uma necessidade, as pessoas passaram a enxergar aquilo que antes não percebiam que precisava ser feito. Desde pequenos reparos, como trocar a torneira da cozinha por uma torneira elétrica ou pintar uma parede para renovar um cômodo até reformas maiores, como mudar um ambiente inteiro", explica Vivian Beltrame, diretora da loja Beltrame Materiais de Construção, em Santa Maria. De acordo com Vivian, setores como os de tintas, jardinagem e decoração tiveram crescimento importante. "Percebemos que os clientes já estão planejando reformas maiores e passando a procurar mais por revestimentos, louças e metais", afirma a diretora da
Beltrame.
Lojistas verificam crescimento de vendas, afirma Anamaco
A percepção dos varejistas de crescimento da demanda por produtos para reformas e reparos foi identificada em todo o País. Segundo o levantamento mensal Termômetro Anamaco, realizado pela Associação Nacional dos Comerciantes de Materiais de Construção (Anamaco), em julho, 54% dos lojistas entrevistados registraram alta de vendas nos três meses anteriores, contra 42% em junho. No outro extremo, apenas 10% reportaram queda de comercialização no período, metade do nível observado na edição anterior da pesquisa.
Em relação aos segmentos, a Anamaco aponta que o grupo de produtos que tem registrado maior procura, nos últimos três meses, é o de revestimento cerâmico, com 68% dos lojistas entrevistados afirmando que a comercialização desses itens teve elevação. Depois, com 58% de aumento, vêm os materiais básicos, como brita e cimento, seguidos de itens hidráulicos (49%), pintura (47%) e material elétrico (41%).
"O crescimento do revestimento cerâmico e dos materiais básicos mostra que as pessoas já não estão apenas fazendo pequenas adaptações. Agora, estão investindo em reformas", explica Waldir Abreu, presidente da Anamaco.
De acordo com o dirigente, no começo do isolamento social houve um movimento inicial de realização de pequenos reparos. "As pessoas começaram a ficar mais em casa, usando mais as instalações, e pequenos problemas passaram a incomodar mais, como uma torneira pingando ou uma luz queimada", explica. O segundo movimento foi marcado pela necessidade de adaptações para garantir mais conforto.
Na Capital, lojas de bairro foram as mais beneficiadas
Os principais beneficiários dessa tendência de consumo de itens para reparos e reformas foram as lojas de bairro, segundo a Associação dos Comerciantes de Materiais de Construção de Porto Alegre (Acomac). "Enquanto no Centro houve redução de vendas devido ao fluxo menor de pessoas, temos casos registrados de comércios em bairros que tiveram aumentos que chegaram a 40%", explica o presidente da entidade, Jaime Silvano.
Segundo pesquisa da Acomac realizada entre seus cerca de 3 mil associados, em média, houve um crescimento de 9,74% nas vendas do setor em julho ante junho, e de 9,10% em relação ao mesmo mês de 2019. No acumulado dos sete primeiros meses de 2020, as vendas das lojas ainda apresentam estabilidade, com um aumento de apenas 0,07% em comparação com o período de janeiro a julho do ano passado.
Para o dirigente da Acomac, os auxílios de R$ 600,00 liberados pelo governo federal, bem como o saque emergencial de R$ 1.045,00 do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) contribuíram para manter as vendas do setor. "Esse incremento do dinheiro circulante, assim como os recursos que entraram devido aos acordos de trabalhadores demitidos com suas empresas, foram em parte gastos no nosso setor", afirma.
No entanto, o dirigente não acredita que esse movimento de gastos deva continuar por muito tempo. "Isso não deve ir muito longe, temos um número muito alto de desempregados, que vão restringir gastos, e logo adiante essa venda pode cair", destaca.
Falta de produtos e crédito reduzido preocupam empresários
Itens de material elétrico e cimentos tiveram alta de preços
/JOYCE ROCHA/JC
Se, por um lado, a pandemia gerou uma maior procura por itens para reformas no lar, o setor de material de construção também tem enfrentado dificuldades. Estoques baixos de alguns produtos têm levado a altas de preços, prejudicando o atendimento. Além disso, a competição com fabricantes de materiais, que estão investindo na venda direta ao consumidor, e também a falta de crédito para reformas são obstáculos apontados pelos empresários.
"Muitas indústrias que dependem de grande escala, como no setor siderúrgico, tiveram que reduzir produção, readequar o número de empregados. Com isso alguns produtos passaram a ser menos ofertados e, consequentemente, o preço subiu", explica Waldir Abreu, presidente da Anamaco. Entre os principais itens que tiveram elevações de preços estão os polímeros, como PVC, produtos baseados em alumínio, cimento e o material elétrico, de acordo com o presidente da Acomac, Jaime Silvano. "No caso do material elétrico, o problema é o cobre. Houve fechamento de minas no Chile por causa da pandemia, o que reduziu a produção. Além disso, a alta cotação do dólar encarece a importação", comenta.
Silvano destaca que, em relação a alguns itens, várias empresas cancelaram sua carteira de pedidos. "A demanda é maior que a oferta, faltam produtos e subiram preços". O dirigente dá como exemplo as telhas à base de alumínio. "Hoje não tenho telhas no pátio da minha empresa. Mesmo que colocasse um preço maior eu não venderia, porque não tenho como entregar", afirma.
O mesmo problema é enfrentado por Jeferson Fazenda Diehl, na Ferragem Venâncio Aires. "Itens de alumínio praticamente não se encontram mais. Telhas do tipo Brasilit, por exemplo, têm previsão de entrega somente em fevereiro. Se alguém precisar para consertar um telhado por causa de um temporal não teríamos como atender", lamenta.
Outra preocupação do setor é a falta de crédito específico para reformas. "Num passado não muito distante, havia linhas de financiamento da Caixa Econômica Federal para reformas ou para fazer a própria construção da casa", explica o presidente da Anamaco, Waldir Abreu. "A falta desse crédito impede a redução do déficit habitacional brasileiro", alerta.
Segundo Abreu, o momento seria ideal para financiamentos focados no setor, tendo em vista a redução da taxa Selic (juros básicos da economia) para apenas 2% ao ano. "Esse movimento seria muito importante. Estamos solicitando ao governo a liberação desse financiamento para reformas e obras residenciais", destaca.
Demanda por serviços de profissionais aumenta no período
Silva Neto atende a mais chamados do que antes da crise
/JOYCE ROCHA/JC
O maior número de pessoas realizando reparos e reformas está refletindo também na procura pelos serviços de profissionais para realizar esse tipo de trabalho. Segundo levantamento realizado pela plataforma de contratação de serviços GetNinjas, de março até a primeira quinzena de agosto houve um aumento de 55% na demanda por trabalhadores para reformas e reparos em relação ao mesmo período de 2019.
No Rio Grande do Sul, o crescimento na mesma comparação foi de 64%, segundo a GetNinjas. Já em Porto Alegre, o aumento foi de 33%. Segundo a plataforma, os cinco serviços mais procurados no Estado em agosto foram mudanças e carretos, pedreiro, montador de móveis, eletricista e encanador.
Essa maior demanda foi percebida por Darci da Silva Neto, que realiza serviços de reparos domésticos. "Logo que começou a pandemia o movimento caiu a zero. Mas depois de um mês e meio se normalizou, e agora as pessoas já têm me chamado ainda mais do que antes do isolamento", afirma.
Segundo Silva Neto, a necessidade de ficar mais tempo dentro de casa está fazendo com que as pessoas percebam problemas que antes não eram notados. "Muitas vezes chego para arrumar algo na residência que precisava ser consertado há muito tempo mas ninguém fazia", afirma. Entre as principais tarefas, o profissional destaca a melhoria de sistemas elétricos. "Talvez pela questão do home office as pessoas estão precisando fazer a instalação de novas tomadas para equipamentos eletrônicos, porque a quantidade que havia antes nas casas não atendia às novas necessidades", explica Silva Neto.
Isolamento impulsionou o e-commerce no setor
Com muitas lojas fechadas no primeiro momento da pandemia e boa parte dos clientes mantendo o isolamento social mesmo após a reabertura das atividades, as lojas de materiais de construção tiveram que recorrer às plataformas de e-commerce e vendas remotas para atender às demandas. "Os comerciantes investiram fortemente no atendimento remoto, como por meio de suas páginas no Instagram e através do WhatsApp, recebendo pedidos e enviando produtos diretamente para as casas dos clientes", afirma Waldir Abreu, da Anamaco.
Um exemplo desse movimento foi o crescimento da plataforma Toca Obra, desenvolvida pelo grupo Saint-Gobain no Brasil. A iniciativa é voltada para promover a transformação digital de comércios de pequeno e médio porte do setor de construção. Em nove meses, o Toca Obra superou a marca de 250 lojistas cadastrados e a oferta de 30 mil produtos. "O negócio registra, desde janeiro, um crescimento mensal médio de 40%", informa Lucile Charpentier, diretora de vendas digitais de materiais de construção do grupo Saint-Gobain.
No Estado, o Toca Obras possui mais de 30 lojas parceiras. Uma delas é a Beltrame Materiais de Construção, de Santa Maria. "Essa experiência tem sido bastante diferente e positiva, pois aumentamos muito o alcance da nossa loja. Através do site realizamos entregas de mercadorias em outras cidades que antes não tínhamos abrangência", afirma Vivian Beltrame, diretora da loja.