Com uma oferta de produtos agrícolas bastante reduzida na atualidade, a Feira Ecológica do Menino Deus, uma das mais tradicionais de Porto Alegre, vem sofrendo com o calor intenso e também com a falta de chuva, que afeta todo o Rio Grande do Sul.
Alguns agricultores da feira, que ocorre aos sábados, das 7h às 12h30min, e nas quartas-feiras, das 13h às 19h, na área da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, localizada na avenida Getúlio Vargas, 1.384, deixaram de produzir, por exemplo, as hortaliças pela dificuldade de as plantas se desenvolverem em condições tão adversas.
De acordo com o produtor, fundador da feira e também expositor há 28 anos no local, Belmonte Helmuth Schunck, de 73 anos, e que tem propriedade no município de Nova Hartz, a seca torna o momento muito difícil para a produção de hortigranjeiros. cuja produção só diminui.
Schunck diz que em sua propriedade a redução chegou aos 90%, já que produz todos os tipos de verduras e estas são as mais prejudicadas.
Schunck já amarga redução de 90% na produção de hortigranjeiros em Nova Hartz. Fotos: Luiza Prado/JC
O produtor trouxe para a feira do último sábado um pouco de couve, berinjela, pimentões, cebola, alho e açafrão - itens que, segundo ele, ainda resistiram ao sol. Schunck conta que, na propriedade dele, tem água para o abastecimento, porém, com o calor muito forte não é possível manter as plantas vivas, uma vez que ele não conta com um sistema de irrigação instalado.
Vilceu Stefanoski, que tem duas unidades produtivas em Cerro Grande do Sul, uma com 28 e outra de 14 hectares, trabalha com aproximadamente 17 variedades de hortifruti. Ele explica que os locais são bem abastecidos com água, mas com o calor, há um encarecimento pela mão de obra. Também relata que há um desgaste grande pelo uso de equipamentos e também pelo consumo do óleo diesel utilizado nas máquinas no processo de irrigação.
Stefanoski vê com preocupação a jornada da seca prolongada e lembra que a irrigação é utilizada apenas para manter as plantas e a produção não aumenta. Ele, que é um dos 29 expositores que participam da Feira Ecológica do Menino Deus aos sábados, cita que parou de plantar tomate, melão, moranguinho, feijão (safrinha) e milho verde. Nas quartas-feiras, outro grupo composto por 26 expositores gaúchos também utiliza o local para comercialização de seus itens.
De acordo com o feirante de Cerro Grande do Sul, que planta em sistema agroecológico, ainda é preciso enfrentar também os chamados problemas colaterais, ou seja, o aparecimento de algumas pragas - caso das lagartas e dos pulgões, entre outros. “No caso da rúcula, eu trouxe para a feira de sábado um volume de apenas 10% do que normalmente trago, por causa de uma lagarta que destrói o talo da planta e afetou toda a produção”, explica.
Agricultor de Cerro Grande do Sul colheu feijão porque usou irrigação no cultivo, mas isso não resolve tudo
Stefanoski também reduziu em 30% a oferta de alface na feira, por outro lado, ele conseguiu manter o volume da couve. Em relação a produção de melancia, o forte calor acabou interrompendo o ciclo de vida das plantas, ocasionando uma perda muito grande a tal ponto de não ter a fruta para comercialização. Já o feijão, ele conseguiu colher graças ao uso da irrigação na propriedade.
“Sábado que vem, nós não sabemos como vai ser”, fala com preocupação.
O produtor, que também é um dos participantes mais antigos da feira, diz que a política de preços praticados no local não segue os parâmetros normais, com oferta e procura, porém, que sempre se procurou manter preços de modo quase anual.
“A proporção do aumento dos produtos na feira sempre obedeceu ao aumento do salário mínimo para que as pessoas mantivessem o mesmo poder de compra”, explica ele. Ele diz que agora, como os custos subiram, os produtores de um modo geral não sabem como lidar com este assunto, uma vez que será necessário reajustar os valores.
“Os nossos custos subiram mais de 30% e se nós repassarmos para o consumidor será que ele vai comprar?”, questiona. Ele comenta que expositores já estão discutindo uma forma para se chegar a um meio termo, uma vez que é difícil manter as propriedades funcionando deste modo.
Nilva produz tomate, pêssego, uvas e maçãs e diz que a produção de mandioquinha é uma das mais afetadas
De acordo com Stefanoski, de fevereiro do ano passado até março deste ano os preços devem se manter. “Em março, nós vamos ver o que fazer e se as condições do tempo também melhorem para conseguir manter as unidades funcionando”, explica.
Nilva Camatti, de Antônio Prado, produz tomate, pêssego, uvas e maçãs em sua propriedade de 7,5 hectares.
“Uma das nossas maiores dificuldades, neste momento, é a produção de mandioquinha. Com o calor, mesmo com a irrigação, a mandioquinha não está com a produção do jeito que deveria estar, já que a colheita se aproxima”, informa.
Nilva também cita que outra preocupação é com as frutas. “Nós estávamos irrigando, mas o açude secou neste momento e a irrigação parou por falta de água”, relata.
Eduardo Gigante, dono de uma propriedade com quatro hectares em Itapuã, é produtor de ovos orgânicos e também está enfrentando problemas com o calor e a seca. Ele relata que mesmo com as suas galinhas sendo criadas em liberdade, muitas morreram por causa da temperatura elevada.
Gigante diz que algumas galinhas, que são criadas soltas, morreram devido ao intenso calor que é registrado este ano
Ele explica que o tamanho dos ovos também sofre redução. Diz que a oferta do chamado ovo “jumbo”, grande, praticamente parou de ser produzida. Nos últimos três meses, o proprietário teve em média uma perda de 20%.
Ele também relata uma outra questão: o milho e a soja, que compõem a ração dos animais, pela escassez, devem ter valor elevado, o que também deverá afetar no preço dos ovos para o consumidor nos próximos meses.
“Nós próximo mês, nós fechamos contato anual com os nossos fornecedores para compra de milho e de soja orgânicos. Eles inclusive não estão querendo falar de valores agora”. Gigante prevê que a partir de março, já deva ter uma ideia de valores e isto deve ser repassado no decorrer do tempo para o produto.
Para o engenheiro agrônomo da Emater Ari Uriatt, o forte calor e a seca prolongada prejudicam o desenvolvimento das plantas e mesmo com a utilização de irrigação artificial não basta para garantir o seu desenvolvimento e produção. Ele explica que dependendo da situação, a irrigação serve apenas para manter os níveis de temperatura um pouco mais baixos. Neste momento, as grandes prejudicadas são as hortaliças.
Porto Alegre tem 12 feiras de produtos ecológicos que adotam constante intercâmbio de informações. Uma das formas de neutralizar maior as dificuldades, como a falta de itens, é uma composição diversificada de cada uma delas, com produtores de diversas regiões, como Região Metropolitana, Centro, Norte e Litoral. Houve casos de feirantes que foram afetados no fim do ano pela falta de água, e outros agora estão sentindo os efeitos.
"Com isso, consegue-se garantir o abastecimento de produtos básicos em todas as feiras", explica a coordenação da feira. Em relação aos preços, a variação tem se limitado à entressafra, evitando maiores repasses de custos. Por enquanto, não há definição de aumentos. A ideia é manter, dessa forma, o acesso dos consumidores que perdem renda devido à inflação. Além disso, o monitoramento de valores na Ceasa e supermercados auxilia no subsídio aos produtores.