Produtores lamentam e transportadores elogiam percentual menor do biodiesel

Entidades falam em desmanche do setor do biocombustível com medida do governo federal

Por Jefferson Klein

Quantidade do biocombustível no diesel será de 10% em 2022
Empreendedores de biodiesel e transportadores que usam o biocombustível estão posicionados atualmente em lados opostos. Enquanto os produtores alertam para os graves danos para o setor com a decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de manter em 10% (B10) a mistura do biodiesel na fórmula do diesel para o próximo ano, os agentes logísticos veem a determinação como uma forma de controlar os custos do combustível.
Notas assinadas pela Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio) e a União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio) falam em “desmanche do setor” e que a “decisão do governo federal destrói o programa nacional de biodiesel”. Durante 2021, a mistura oscilou de 10% a 13% e para novembro e dezembro já havia a determinação em ficar nos 10%. No entanto, conforme a resolução 16, de 2018, do CNPE, a previsão era de B14 de março a dezembro de 2022, o que acabou sendo revisto agora pelo governo federal.
O economista-chefe da Abiove, Daniel Amaral, admite que a posição pegou o setor de surpresa. “Não se esperava uma reversão tão grande das diretrizes quanto às misturas de biodiesel que vinham sendo desenvolvidas ao longo de mais de 15 anos”, afirma o dirigente. Conforme ele, a expectativa era do B13, para janeiro e fevereiro de 2022, e B14 de março até o final do próximo ano.
Amaral calcula que o impacto na cadeia de biodiesel será de uma perda de cerca de US$ 2,5 bilhões. Ele comenta que, com a redução do percentual, a agroindústria brasileira de soja (principal matéria-prima do biodiesel) deixará de processar em 2022 cerca de 6 milhões de toneladas dessa oleaginosa, restando exportar o produto in natura. Por consequência, o Brasil também deixará de gerar 1,2 milhão de toneladas de óleo e 4,8 milhões de toneladas de farelo. O integrante da Abiove informa que essa quantidade de farelo, com o milho e outros nutrientes, seria suficiente para produzir 12 milhões de toneladas de carne de frango, o que ajudaria a segurar o preço do alimento.
O dirigente reforça que comercializar a soja sem processamento implica perda de valor para a cadeia como um todo. Amaral acrescenta que, entre agricultores que já atuam no setor de biodiesel e que poderiam entrar na atividade se o aumento da mistura tivesse sido aprovado, serão afetadas em torno de 25 mil famílias. De acordo com o economista-chefe da Abiove, outra consequência da decisão do governo é que o Brasil terá que importar 2,4 bilhões de litros de diesel fóssil no próximo ano para suprir o volume que seria destinado ao biodiesel, algo que vai propiciar reflexo na balança comercial brasileira de US$ 1,2 bilhão. “Para quê? Para poluir o Brasil, piorar a qualidade do ar e aumentar os gases de efeito estufa”, critica.
Ele receia que, se não houver uma reversão, ocorra o fechamento de usinas e de postos de trabalho, pois o setor já enfrenta uma forte ociosidade. Segundo dados da Ubrabio, atualmente, são 54 usinas de biodiesel, distribuídas em 47 municípios de todas as regiões do País e em 14 unidades da federação. Esses complexos estão autorizados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a produzir 12,3 bilhões de litros ao ano, frente a uma demanda estimada, para 2021, de cerca de 6,6 bilhões de litros.
Para o diretor superintendente da Ubrabio, Donizete Tokarski, a decisão de manter o B10 é desqualificada do ponto de vista econômico, social e ambiental, sem a menor justificativa, ainda mais diante da ociosidade atual de mais de 50% das plantas. Outro ponto destacado pela entidade é que a participação do biodiesel na formação do preço do diesel B, vendido nos postos de abastecimento, era de 13,6% em primeiro de janeiro deste ano e passou a 13,7% em primeiro de outubro, ou seja, teve uma variação pequena.
“Esperamos que o governo e o CNPE retomem o cronograma de mistura de biodiesel ao diesel fóssil para que o setor de biodiesel volte a ter esperança no programa e minimize os prejuízos causados até agora com a redução da mistura obrigatória”, diz o presidente da Ubrabio, Juan Diego Ferrés. A Ubrabio também considera a decisão do CNPE um equívoco porque vai em sentido contrário ao que foi definido pela 26ª Conferência das Nações Unidas (COP26) sobre mudanças climáticas, realizada no início de novembro em Glasgow, na Escócia.
“O governo federal revela sua falta de compreensão com uma causa que deveria ser sua bandeira: a sustentabilidade”, acrescenta o presidente do Conselho de Administração da Aprobio, Francisco Turra. A medida, ressalta a associação, mantém o País distante do definido pela Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), cujo objetivo é promover a expansão dos biocombustíveis na matriz energética.

Agentes logísticos consideram decisão como forma de amenizar custos do diesel

Se os produtores de biodiesel criticam a manutenção dos 10% do biocombustível na fórmula do diesel em 2022, os transportadores consideram a medida como positiva. Essa posição é sustentada por entidades como Federação das Empresas de Logística e Transporte de Cargas do Rio Grande do Sul (Sistema Fetransul), Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (Setcergs) e Federação Interestadual das Empresas de Transporte de Cargas (Fenatac).
O diretor executivo do Sistema Fetransul, Gilberto da Costa Rodrigues, é um dos que considera a posição do governo como correta. Ele argumenta que o incremento do biodiesel no diesel aumenta o preço do combustível, o que reflete no custo logístico do País. “E isso impacta toda a sociedade, principalmente, produtos de baixo valor agregado que compõem, por exemplo, a cesta básica”, aponta o dirigente.
Ele destaca que a questão não reflete apenas no transporte rodoviário de cargas, mas também no ferroviário, pois os trens são movidos a diesel. Outro ponto ressaltado por Rodrigues é que existem várias dúvidas e restrições dos usuários quanto a percentuais maiores do biocombustível, que poderiam ocasionar problemas mecânicos nos caminhões.
Já o presidente do Setcergs, Sérgio Gabardo, diz que entende a reclamação dos produtores de biodiesel, porém faz uma observação. “Se eles forem competitivos, não terão do que reclamar, a sociedade quer pagar menos pelo combustível”, enfatiza Gabardo. O empresário salienta que o setor de transporte está no limite do que é possível suportar quanto aos seus custos. Ele frisa ainda que o biodiesel também causa dificuldades para o uso dos novos motores que estão entrando no mercado, com tecnologia mais avançada.
Para o presidente da Fenatac, Paulo Afonso Lustosa, a decisão do governo federal foi boa, embora ele considere que o percentual poderia ter sofrido uma redução mais ousada. “No máximo 7%, para não trazer prejuízo para os motores e aumento de manutenção”, defende. Ele cita que é possível seguir os exemplos da Argentina, que fixou em 5% o patamar de adição do biodiesel, e da Europa que estipulou em torno de 7%.