A terça-feira (23) foi tumultuada no que diz respeito ao plano de privatização da CEEE-D. Depois da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ter aberto processo administrativo que pode desencadear o encerramento da concessão da distribuidora, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), acatando solicitação da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), liberou a realização do leilão da concessionária marcado para o dia 31 de março e que estava suspenso devido à liminar.
O certame estava suspenso desde o dia 15 de março pelo Tribunal de Justiça gaúcho em resposta à ação movida por integrantes da União Gaúcha, entidade que congrega sindicatos de servidores públicos. Por sua vez, a decisão do STJ que viabilizou a realização da disputa foi proferida pelo ministro Humberto Martins, presidente do Superior Tribunal de Justiça. A PGE destacou a urgência da necessidade da medida, pois o prazo para a entrega das propostas dos interessados no negócio encerraria na próxima sexta-feira (26). De acordo com a procuradoria, “a decisão do TJ-RS causava risco de grave lesão à ordem e à economia públicas, já que os participantes do leilão necessitam de segurança sobre a efetiva realização da oferta para a apresentação das propostas”. Ainda segundo a instituição, a manutenção da suspensão poderia acarretar prejuízos ao Estado estimados em aproximadamente R$ 7 bilhões.
Para o secretário-geral da União Gaúcha, Filipe Costa Leiria, o enfretamento jurídico foi feito e o governo não conseguiu contra-argumentar as questões da ação popular e recorreu à intervenção do STJ. Ele acrescenta que, apesar de ser possível recorrer da decisão, dificilmente será viável uma apreciação até a data do leilão e agora serão avaliadas as medidas cabíveis. Leiria mantém a crítica ao baixo preço estabelecido para a proposta inicial pela estatal (R$ 50 mil) e ao repasse para a CEEE-Par (holding também controlada pelo governo do Estado) de uma dívida de aproximadamente R$ 2,8 bilhões em ICMS da concessionária.
Antes da decisão do STJ, pelo fato da estatal ter descumprido por dois anos consecutivos (2018 e 2019) as cláusulas de qualidade e de gestão econômica e financeira previstas no seu contrato prorrogado em 2015, a Aneel determinou a abertura de processo administrativo que pode desencadear o encerramento da concessão da distribuidora. No entanto, o órgão regulador faz a ressalva que a decisão não acarreta prejuízo à venda da companhia já que, uma vez concretizada, a alienação implicará “o arquivamento do processo de extinção da concessão”. A agência frisa que a estatal também tem assegurado o seu direito de defesa.
Ainda conforme a Aneel, a CEEE-D violou os limites dos indicadores de fornecimento de energia de Duração e Frequência de Interrupções Interno (DECi e FECi) no ano de 2019, resultando no descumprimento do critério de eficiência com relação à qualidade do serviço prestado. No voto sobre a questão envolvendo a distribuidora gaúcha, assinado pela diretora da agência Elisa Bastos Silva, é destacado que já existia procedimento administrativo de caducidade da concessão da empresa, iniciado em decorrência do seu desequilíbrio econômico-financeiro, mas que está suspenso em virtude da transferência de controle societário da estatal. Apesar de prever a mesma penalidade – fim da concessão, como se tratam de infrações diferentes (uma diz respeito ao descumprimento de metas em um período específico, 2018 e 2019, e a outra se deve ao desequilíbrio econômico-financeiro da companhia sem um espaço de tempo em particular), a Aneel decidiu abrir um novo processo.
O órgão regulador informa que “a transferência do controle societário deverá ser concluída no prazo de doze meses, prorrogável por igual período em caso de comprovada justificativa, e ensejará o arquivamento do processo de extinção da concessão”. O secretário estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, Luiz Henrique Viana, que tomou posse nessa terça-feira, argumenta que o governo gaúcho já vinha anunciando há mais tempo a possiblidade que, devido às dificuldades operacionais, a concessão da distribuidora poderia ser perdida. No entanto, ele enfatiza que foram tomadas as providências necessárias para fazer o repasse do controle da empresa e resolver a situação. “Sem isso (a concessão), a CEEE-D passa a ter valor zero, passa a não valer nada e continua com todas as dívidas”, afirma o dirigente.
Ex-presidente da concessionária estranha decisão tomada próxima à data do leilão da empresa
O ex-presidente do Grupo CEEE (governo Tarso Genro, entre 2013 e 2014) e assessor técnico da Frente Parlamentar pela Preservação da Soberania Energética Nacional, Gerson Carrion, diz que causou surpresa a decisão da Aneel quanto ao processo de caducidade da distribuidora gaúcha e considera que foi uma manobra política, não condizente com um órgão regulador que deveria ser independente. Carrion salienta que a decisão da agência foi divulgada às vésperas da data estipulada pelo governo gaúcho para a realização do leilão da CEEE-D.
O assessor técnico da Frente Parlamentar pela Preservação da Soberania Energética Nacional sustenta que, nos últimos anos, o governo busca justificar a venda da distribuidora apontando a precarização da empresa, mas sem debater melhor o tema com a sociedade. Ele reforça que a questão da extinção da concessão da CEEE-D é uma possibilidade e não um fato consumado. “É um sistema de ameaça”, comenta Carrion.
Além da situação da distribuidora, a Aneel aceitou nessa terça-feira a transferência da titularidade da concessão para exploração dos empreendimentos de geração da CEEE-GT para a recentemente criada CEEE-G. A medida abrange os aproveitamentos hidrelétricos Jacuí, Passo Real, Canastra, Bugres, Ernestina, Capigui, Guarita, Herval, Santa Rosa, Passo do Inferno, Forquilha, Ijuizinho e Itaúba, assim como as participações que a estatal possui nas usinas de Machadinho e Dona Francisca. A medida é necessária porque a CEEE-GT foi dividida em uma empresa de geração (CEEE-G) e outra de transmissão (CEEE-T). A meta do governo é privatizar essas duas áreas separadamente, após concluir a venda do segmento de distribuição (CEEE-D).