O governador Eduardo Leite anunciou, em transmissão ao vivo nesta quinta-feira (18) nas redes sociais do governo, a decisão de privatizar a Corsan, estatal de saneamento básico que atende 317 dos 497 municípios do Rio Grande do Sul. Leite disse que o caminho será a abertura de capital, para a venda de ações da estatal na bolsa de valores. Para isso, o chefe do Piratini depende do aval da Assembleia Legislativa.
A intenção é vender fatia que acabe com o controle do capital pelo Estado, que só é mantido com a propriedade de 50% das ações mais uma dos papéis com direito a voto -, mas cerca de 30%, disse o governador. Hoje a estatal é uma economia mista.
Leite admitiu que a decisão muda a promessa da campanha eleitoral de 2018 de que não privatizaria a companhia. A medida é necessária, segundo ele, para atender às metas previstas no novo marco do saneamento básico, que teve conclusão da votação de emendas nessa quarta-feira (17) no Congresso. O setor deve ser irrigado com grande volume de investimentos em todo o País.
Em relação à Corsan, uma mudança significativa trazida pelo novo marco é que acaba a vantagem de que, sendo estatal, não precisa passar por licitação para assumir cotratos dos municípios. Agora empresa pública ou privada vão disputar clientes nas mesmas condições.
Leite alegou que as metas do marco vão impor à estatal investimentos de R$ 10 bilhões até 2033, que não teriam como ser sustentados. A necessidade de aportes vai triplicar, segundo o governo. Com isso, a estatal poderia perder contratos. O governo junto com a companhia desenharam um modelo de parceria público-privada (PPP) para bancar o total de aportes, mas o caminho acaba de ser mudado.
"Se não fizermos rapidamente o movimento da privatização, a Corsan vai se tornar em futuro muito próximo o que é a CEEE", projetou Leite, elevando o tom de alerta.
A comparação com a estatal de energia, cuja venda que ocorreria no fim do mês foi suspensa pela Justiça esta semana, deve-se ao passivo acumulado pela CEEE e a dificuldades de fazer investimentos para melhorar a eficiência e cumprir as metas da concessão. Sem atender ao que está previsto no contrato com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a estatal de energia corre garnde risco de perder a concessão. Também estão na lista de privatizáveis a Sulgás e a CRM.
Na prática, o cenário desenhado é: sem ter como assegurar os investimentos, que precisarão ser claramente definidos nos novos contratos, inclusive com fontes para honrar os aportes, a estatal perderá clientes, projetou o Piratini.
No horizonte próximo da estatal, está uma operação com emissão de debêntures no valor de R$ 600 milhões, cujo resultado deve ser divulgado nesta sexta-feira (19), segundo o presidente da companhia Roberto Barbuti.
Meta é captar R$ 1 bilhão com IPO na bolsa
O governo pretende captar R$ 1 bilhão com o IPO da Corsan, recurso que daria lastro a operações de aportes, como investimentos iniciais. Na sequência, a companhia deve fazer novas ofertas de papéis no mercado secundário, já utilizando as possibilidades que são acessadas por uma empresas de capital aberto.
Segundo o governo, a intenção é que parte dos recursos captados na bolsa de valores seja usada para capitalizar a própria companhia. Outro naco deve entrar no Tesouro Estadual.
"Vamos vender parcela relevante das ações", indicou Leite, sem dar mais detalhes. "Queremos buscar o maior ágio possível."
Leite descartou agora que fará a operação sem ter a perda do controle acionário. "Até 49% do capital, a venda ocorreria sem maior apetite do mercado, seria pouco interessante e não aproveitaria a atratividade ao mercado", justifica o governador.
O IPO poderia ser feito sem a perda de controle. Foi o que já ocorreu no Banrisul, em 2007, no governo de Yeda Crusius (PSDB, 2007-2010). Depois disso, o governo de José Ivo Sartori (MDB, 2015-2018) também vendeu ações. A intenção de fazer a venda, mas sem a alteração da proporção societária é admitida desde o primeiro ano do governo Leite. A previsão era executar este plano em 2021.
Barbuti também não quis adiantar a quantidade de papéis a ser ofertada, ao falar com o Jornal do Comércio após o comunicado. O presidente participou da live, diretamente do quarto do hospital onde estava internado e se recupera de complicações da Covid-19. Ele informou que terá alta nesta sexta-feira.
O suspense sobre o volume de ações deve durar até a precificação, com valor mínimo e quantidade, que deve ser comunicada junto com a data da oferta, para reserva antecipada de investidores. Até lá ainda tem processo de apresentação de informações a investidores e analistas, nos chamados roadshow, que subsidiam segmentos sobre a atratividade e potencial de retorno, leia-se-rentabilidade da companhia de saneamento. Será o momento para apresentar carteira de projetos, clientes, investimentos e a capacidade para entregas.
Os procedimentos que preparam a empresa para a abertura de capital ocorrem desde meados de 2020. Neste primeiro semestre, devem ser intensificadas as iniciativas em governança, transparência, manuais que regem a gestão em todas as frentes e atendimento a indicadores de qualidade e boas práticas, exigidas nas regras da B3 e Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que serão detalhadamente analisados por potenciais compradores.
Para conseguir fazer investimentos em áreas que preparam estas condições, Barbuti diz que está em negociação a captação de recursos de organismo multilateral, cuja resposta deve ser dada nas próximas semanas.
"Vamos transmitir ao mercado a capacidade, com novas receitas, novos negócios. Hoje temos uma estratégia defensiva", define o presidente da Corsan. Sem ocontrole estatal, os atuais gestores avaliam que é possível ampliar a base de municípios atendidos e até buscar contratos em outros estados.
Passivo previdenciário e trabalhista são desafios na atração ao mercado
Um dos itens que costumam gerar dúvida ou até pesar em eventual venda é o passivo trabalhista ou rombo gerado por demandas como o fundo de previdência. A Corsan gasta R$ 200 milhões por ano em dívidas trabalhistas. Outros R$ 695 milhões estão provisionados no balanço para potenciais execuções de ações movidas na Justiça. O governo também aponta passivo de R$ 677 milhões com a previdência do quadro.
Barbuti lembra que os valores serão mantidos como compromissos da companhia e estão documentados em demonstrativos contábeis. Já o passivo trabalhista do braço da CEEE de distribuição (CEEE-D), que o governo tenta vender, acabou ficando com a holding do grupo CEEE, cujo acionista majoritário é o Estado.
Sobre o maior passivo, que é o plano de aposentadoria, Barbuti diz que estão sendo concluídos estudos para ofertar novas modalidades, pois o atual ainda é de benefício definido, que exige complementação tanto da empresa como de beneficiários devido à desproporção em relação ao caixa e a arrecadação dos beneficiários.
"Estamos em estágio avançado dessa modelagem. A ideia é permitir melhor visibilidade (da situação futura) à companhia e aos aposentados", descreve o executivo. A intenção é que a alternativa de plano seja mais sustentável, com as contribuições realizadas.