Sem a ajuda do governo federal, que cobria 70% do benefício emergencial para trabalhadores que tiveram contratos de trabalho suspensos ou jornada reduzida, o mercado sinaliza possível aumento do desemprego no segundo semestre.
> Tire as dúvidas sobre como ficam os pagamentos após o fim do benefício. Confira ainda por que contratos de trabalho por prazo determinado cresceram 3.200% no Rio Grande do Sul.
Enquanto se desdobram para manter as vagas, empresários e sindicatos laborais destacam a importância de um plano nacional para "estancar a sangria" prevista a partir do momento em que a garantia dos empregos findar. Segundo o governo, empresas que, em 2020, suspenderam contratos ou reduziram jornada de trabalho dos funcionários por conta da pandemia de Covid-19 terão de pagar sobre o tempo que contaram com o benefício, caso decidam demitir pessoas, após o fim do auxílio federal.
Desde o início do ano, negócios de diversos setores que se utilizaram do benefício estão tendo que pagar os salários de forma integral, independente de estarem ou não com toda a equipe trabalhando. A maioria tem optado por segurar as vagas, mas não descarta que possa haver necessidade de demitir parte do quadro funcional depois que passarem os meses de carência do auxilio, que garante o emprego em período proporcional para quem se beneficiou da suspensão de contrato ou redução da jornada.
"Funciona assim: se um trabalhador recebeu quatro meses do benefício, só poderá ser demitido após quatro meses de trabalho com pagamento integral", explica o consultor trabalhista da Fecomércio-RS, Flávio Obino Filho. O impasse tem afetado inclusive empresas consolidadas, a exemplo da escola de educação infantil Despertar, localizada em bairro nobre da Capital.
A diretora da escola, Paula Baggio, afirma que tem sido um esforço manter todos os 62 funcionários. "Estávamos economizando para um investimento em melhorias na estrutura da escola, mas agora, para evitar demissões, iremos ter que utilizar uma boa parte destes recursos", comenta a gestora.
"A educação infantil é um ramo que acreditamos ser importante, e vamos seguir investindo no negócio. Mas somos um caso muito específico, pois temos sede própria, o que nos coloca em vantagem em relação a outras escolinhas do Estado", avalia Paula.
Segundo a diretora, "muitas outras escolas da rede privada de ensino infantil fecharam as portas definitivamente" mesmo antes do benefício emergencial acabar, em dezembro do ano passado. "Estamos mais cômodos, porque tínhamos recursos guardados, mas é duro ter que desapegar de um sonho, no entanto, precisamos pensar nos funcionários e nas crianças que atendemos."
Pela primeira vez em 20 anos de atuação, a Despertar ficou sem funcionar durante sete meses, por conta da pandemia de Covid-19.
"Enquanto tivemos o auxílio do governo foi mais tranquilo, mas agora os custos retornaram de forma integral, enquanto a demanda de alunos caiu para 20% da usual." Com os pais receosos de enviar os filhos para a escola, e sem poder demitir os funcionários, Paula afirma que a equipe tem estabilidade até agosto, mas que a ideia é seguir mantendo as vagas. "No entanto, é uma conta que vai ser muito difícil de fechar, 2021 vai ser o ano de grande prejuízo para as escolas infantis."
Sistema de banco de horas e oferta de cursos estão entre as alternativas
As regras do programa oneram as demissões, pois é preciso o cobrir o período do benefício
Marcello Casal/Agência Brasil/JC
Durante todo o período de pandemia do novo coronavírus em 2020, o setor terciário foi um dos que mais utilizou os benefícios do programa do governo federal, que viabilizaram a suspensão de contratos e a redução de jornada de trabalho.
"Ambos os mecanismos foram bastante utilizados pelas empresas do comércio e serviços que, ou fecharam as portas, ou trabalharam com número reduzido de trabalhadores", afirma o consultor trabalhista da Fecomércio-RS, Flávio Obino Filho.
Ele garante que o número de demissões no setor em meio à pandemia só não é maior por conta do auxílio do governo. "No entanto, agora temos algumas demissões represadas, porque se o empresário quiser demitir vai ter que pagar toda a parte que foi enviada como auxílio federal como indenização para o funcionário, em função de quebra da garantia de trabalho", pondera o consultor.
Segundo Obino Filho, se por um lado o mecanismo segurou algumas demissões, por outro torna mais cara a dispensa após o término do benefício. "Há um impasse pela retomada de atividades onde as regras limitam o número de empregados (50% no caso de lojistas não essenciais em municípios classificados com bandeira vermelha no mapa de distanciamento controlado)." Sem a ajuda do governo, as alternativas encontradas pelos empresários passam por negociações coletivas com sindicatos laborais.
"Nossos sindicatos estão trabalhando em três frentes", informa Obino Filho. Segundo ele, uma alternativa é usar o banco de horas (funcionário não trabalha por um período e compensa depois); outra seria seguir nos mesmos moldes do programa de benefício emergencial, com o empresário assumindo a parte que era paga pelo governo, mantendo as suspensões e reduções de jornada de trabalho. A terceira seria a empresa pagar cursos para os trabalhadores, que ficariam sem receber o salário integral, mas recebendo a antecipação do seguro desemprego. "Ou seja, mais à frente, se o funcionário é demitido, ele já recebeu este auxílio." De acordo com o consultor da Fecomércio-RS, destas alternativas, somente a segunda ainda não foi aprovada.
"Desde o início, temos orientado os sindicatos a fazerem negociações", destaca o secretário de comunicação da CUT/RS, Ademir Wiederkehr. Ele adverte que "alguns setores fizeram, mas outros estão indo falar direto com os trabalhadores". "Não pode, está errado, tem quem ser pela negociação coletiva direto com os sindicatos que representam cada categoria", frisa o dirigente.
Wiederkehr critica que o governo federal "simplesmente" interrompeu o benefício e "não tomou (nenhuma outra) iniciativa". "Parece que, para a União, a pandemia de Covid-19 terminou em 31 de dezembro", dispara. "Esperamos que, com o fim do recesso no Congresso Nacional, os deputados busquem soluções, pois a economia está travada, perdemos muitos empregos (12 milhões de vagas em 2020) e o governo não apresentou nenhuma medida (para sanar esta crise".
Para a CUT/RS é importante que o governo federal mantenha o auxílio emergencial que foi pago para 65 milhões de brasileiros em 2020. "As pessoas estão sem renda, poucos conseguiram retomar e não tem abertura de emprego neste período, é um quadro social terrível que deve ser revertido - as pessoas não podem morrer de fome", opina Wiederkehr. "O Brasil tem que ir atrás da vacina, seja de que origem for. E queremos o impeachment do presidente (Jair Bolsonaro), que não tem condições de governar o País em meio à uma pandemia que já matou mais de 215 mil brasileiros, dentre eles mais da 10 mil gaúchos."
Programa ajudou a manter empregos em diversos setores
Tayline (esquerda) e Vera seguem com salário integral em escolinha, mas não escondem apreensão
MARIANA ALVES/JC
Professora do nível 1 da Despertar, Tayline Concli diz que poder contar com o benefício do governo federal "ajudou muito".
"A renda ajudou a nos manter e foi um período mais tranquilo. Agora que isso acabou, percebemos que a direção da escola tem se empenhando em manter nossos empregos." Afirmando ser "muito grata" pelo fato de que a direção da escola "está cumprindo o que prometeu", a integrante da equipe de apoio na limpeza da escola, Vera Beatriz Costa, comenta que está "satisfeita" pelo fato de ter conseguido a suspensão de contrato por seis meses e ter voltado a receber o salário integral desde que retornou ao trabalho, em outubro.
Conforme a legislação, Vera tem garantia de emprego até abril. "Não estou preocupada, pois a direção da escola deixou bem claro que não haverá demissões."
O mesmo esforço de Paula tem sido pauta em empresas do ramo de comércio, serviços e turismo, segundo o consultor trabalhista da Fecomércio-RS, Flávio Obino Filho.
"O programa de manutenção de emprego e renda funcionou muito bem, e preservou uma série de empregos. No entanto, a partir do término do benefício, os empresários do terceiro setor estão buscando evitar futuras demissões, através de negociações com sindicatos laborais". Segundo Obino, os lojistas e supermercadistas de Porto Alegre, por exemplo, estão atualmente acordando três alternativas para a manutenção dos empregos. "Duas delas já foram aprovadas", garante.
Vacinação em massa é vista como primordial para alavancar a economia
Economia brasileira está em uma situação muito difícil, diagnostica Lucia, do Dieese
LUIZA PRADO/JC
Com a pandemia de Covid-19 em curso, e sem que a economia brasileira decole mesmo com o retorno às atividades na maioria dos setores, o ano de 2021 inicia com uma grande incerteza no mercado de trabalho.
Em meio à falta de alternativas apresentadas pelo governo federal, que não bancou a renovação do auxílio emergencial nem o benefício para as empresas, a expectativa pela chegada de vacinas aos municípios tem sido a "esperança" e a "grande demanda" de quem tem negócios e um quadro de funcionários a manter.
Empresários, economistas, sindicalistas e trabalhadores consideram a vacinação em massa como "primordial" para alavancar novamente o emprego e a renda.
"A economia brasileira está em uma situação muito difícil, e o governo terá que ceder e continuar com a política dos acordos ou ao menos ampliar o programa Bolsa Família, pois não temos vacina para todos", pondera a economista Lucia Garcia, técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Ela destaca que o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda em 2020 beneficiou em torno 1,5 milhão de empresas e 9,8 milhões de trabalhadores.
Considerando que atualmente o mercado de trabalho do setor privado emprega 33 milhões de pessoas, o volume de trabalhadores beneficiados corresponde a 30% da mão de obra formal nacional e 24% da mão de obra gaúcha. "É um peso enorme, um impacto muito elevado. e o estanque do benefício será sentido ao término de janeiro", destaca Lucia. De acordo com a economista, o auxílio ficou concentrados entre trabalhadores que ganham entre 1 e 2 salários mínimos, mas atingiu todas as faixas de renda.
Perder os benefícios significa ficar sem solução, com risco de empresários caírem na ilegalidade e os trabalhadores ficarem sem emprego mais adiante, observa Lucia. "Estamos falando de quase 1/3 de ocupados no Brasil e 1/4 no Rio Grande do Sul, que vão deixar de ter renda e movimentar a economia local", destaca. "É um quadro caótico para o mercado de trabalho. A única alternativa é abreviar a crise com a vacina, que na prática será o único expediente capas de amenizar e, mais adiante, reverter esta situação."
A analista de Mercado de Trabalho Virginia Donoso, por sua vez, observa que ao longo de nove meses, o mercado de trabalho vem tentando "minimamente reagir". Atualmente, a taxa de desemprego, que estava oscilando entre 12% e 13% após a crise de 2015/2016, está em 14,06%, destaca Virgínia. "E só não explodiu no ano passado porque muitas empresas toparam entrar na política do governo, bancando 30% do benefício emergencial, e assim, evitando as demissões." Na análise da especialista, a taxa de desemprego tende a aumentar, principalmente no segundo semestre, quando terminar o período de garantia estabelecido pelo programa.
"Muitas pessoas pararam de procurar ocupação, o que acaba comprimindo a taxa de desemprego", explica Virginia. "Quando tiver vacina suficiente e esta população economicamente ativa começar a sair atrás de emprego, se não tiver política efetiva, o volume de desempregados deve aumentar", reforça. Na opinião da especialista, o governo federal deve considerar que o dinheiro oriundo das contratações faz a economia girar, uma vez que retorna integralmente para o mercado em forma de consumo de bens duráveis, alimentação, entre outros itens. "Em outras palavras, o que faz a economia crescer é a massa salarial dos trabalhadores."
Turismo e eventos encaram cenário com perspectivas distintas
A temporada de janeiro e fevereiro sempre é ruim, mas agora está pior, compara Schmidt
SINDHA/DIVULGAÇÃO/JC
Dentre os setores mais prejudicados com a pandemia, o turismo e os eventos encaram a retomada dos negócios, sem o auxílio do governo, com perspectivas diferentes. Com uma taxa de ocupação média de 30% desde o início deste ano, a rede hoteleira de Porto Alegre tem sofrido mais do que nos verões passados, quando este índice girava em torno de 45%.
"A temporada de janeiro e fevereiro sempre é ruim, mas agora está pior", comenta o presidente do Sindicato de Hotéis de Porto Alegre (SHPOA), Carlos Henrique Schmidt.
"Não tem para onde correr, a saída é torcer para que as vacinas cheguem logo, permitindo o retorno dos trabalhadores o mais rápido possível", sentencia o dirigente. Ele afirma que após mais de 180 dias fechados, os hotéis da Capital se encontram com os caixas bastante afetados.
"Pouquíssimas empresas ficaram abertas no ano passado e muitas estão contraindo empréstimos ou vendendo patrimônio para manter as portas abertas", ressalta o presidente do SHPOA. Ele comenta que no ano passado os quadros de funcionários da hotelaria foram diminuídos, com o amparo do benefício federal, com a aplicação da suspensão de contratos ou redução de jornada. "Mas agora (sem estes recursos), as empresas terão que fazer ajustes na mão de obra, porque as operações estão se recuperando de forma mais lenta do que imaginado."
Sem poder demitir enquanto o período de carência do Programa de Emprego e Renda está em vigor nas empresas, a tendência será "dispensar quem não recebeu o benefício", opina Schmidt. "Não ocorrerão demissões, mas orçamentos mais curtos certamente existirão", contrasta o promotor de feiras e administrador de empresas, José Roberto Sevieri.
Para os promotores de feiras comerciais, a questão da manutenção do quadro de funcionários "é um assunto de fácil administração", pois os eventos são feitos proporcionalmente ao tamanho do mercado. "O setor é muito elástico - o importante é que os visitantes que precisam das soluções possam visitar as feiras, que oferecem as necessidades deles, e assim fazem negócios."
Sevieri destaca que "o grande problema" no decorrer de 2020 foi a falta de previsibilidade. "Não se sabia quando seria possível entregar ao cliente o que ele comprou, mas com a vacina (chegando aos poucos) acende esta possibilidade." Com a curva de pressão nos hospitais diminuindo, a confiança do visitante de feiras aumenta e permite que os eventos voltem a acontecer, avalia. O empresário destaca ainda que o setor de eventos precisa, principalmente, de preparação. "Como não tem problema de caixa, não existirá demissões no setor, ao contrário, isso poderia acontecer no começo da pandemia, agora é hora de contratação para poder entregar os produtos a partir de maio", reforça.