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Regras dificultam acesso dos pequenos ao Pronampe
Microempresas em dificuldades não estão conseguindo contratar o crédito oferecido para socorrer os negócios
"Só tem uma salvação: a vacina e um empréstimo do governo", avisa Ricardo Paranhos, sobre o futuro da sua academia no bairro Cidade Baixa, com 27 anos de operação e que voltou a fechar no começo da semana devido a restrições da pandemia em Porto Alegre. Ele aguarda resposta ao pedido de empréstimo que fez ao Banco do Brasil (BB) dentro da linha do Programa de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), com juro mais baixo e fundo garantidor. É o crédito sob medida para Paranhos, mas, sem retorno até agora, ele começa a acreditar no que ouviu de um gerente: "Só alguns abençoados vão receber".
A preocupação não é exclusividade do dono de academia. Limites para concessão devido a regras do programa podem restringir o acesso de muitos pretendentes. "Se conseguir o crédito, a hashtag #fiqueemcasa é tranquila", associa Paranhos, referindo-se à estratégia para suportar as portas fechadas e cobrir os quatro meses que se passaram de aperto da pandemia.
O Rio Grande do Sul está em quarto lugar no Brasil em obtenção de crédito do Pronampe, com mais de 6,1 mil contratos e R$ 381,6 milhões até a quarta-feira (8).
Nesta quinta-feira (9), o Banco do Brasil foi autorizado a receber uma suplementação de R$ 1,24 bilhão para a concessão do crédito, após ter comunicado que atingiu o teto de R$ 3,7 bilhões em contratos do Fundo Garantidor de Operações (FGO). A Caixa Econômica Federal também bateu a meta inicial, ao emprestar R$ 3,18 bilhões, mas informou nesta quinta-feira que conseguiu mais R$ 1,14 bilhão do governo federal.
"O limite total do Pronampe é de R$ 17 bilhões. Vai ter recursos para mais bancos entrarem. Não vai faltar dinheiro", aposta o gerente interino de Inovação e Serviços Financeiros do Sebrae-RS, Augusto Martinenco, que está em contato direto com empreendedores que buscam a linha, entre quem conseguiu e quem, até agora, espera a resposta.
O Jornal do Comércio apurou que, nas próximas duas semanas, mais três instituições com operações focadas no mercado gaúcho vão passar a receber pedidos. Badesul deve começar a operar no dia 15. Banrisul e cooperativa Sicredi informam que estão finalizando os ajustes e devem ativar a linha até o dia 20. A demora se deve a validações técnicas de sistemas junto ao Banco do Brasil, que concentra a gestão do FGO.
O programa pode ser um alento, mas o que parece afastar candidatos como Paranhos é uma das regras do uso do fundo garantidor, que prevê que 80% dos recursos têm de ser usados para cobrir garantias de contratos de microempresas, com faturamento anual, em 2019, de até R$ 360 mil, e os 20% restantes para pequenas empresas e com receita anual de até R$ 4,8 milhões.
"Temos um grupo de WhatsApp com 217 academias e nenhuma conseguiu o dinheiro até agora", conta Paranhos, também dono de uma filial no bairro Santana, com operação há 27 anos. Em fevereiro, quando a pandemia começou a dar sinais mais fortes, Paranhos resolveu se prevenir, temendo meses mais complicados, e fechou uma filial no bairro Cidade Baixa. Com isso, passou de mil alunos para 700. Depois de quase quatro meses de medidas restritivas, a academia soma 400 alunos e interrompeu a renovação das mensalidades, o que derrubou o fluxo financeiro.
"O Pronampe vai me ajudar a ter saúde mental para ajustar o negócio e ter sobrevivência melhor", avalia o proprietário. Até a semana passada, o pequeno empreendedor vivia a incerteza da MP da suspensão e redução de contratos de funcionários. A validade acabou sendo prorrogada, e ele poderá reter empregados. Mas a academia fechada afasta alunos antigos e potenciais novos. O que tem gerado fluxo para pagar as contas é a locação de equipamentos, que virou um potencial de nova frente de negócio, e a receita que entra vai para quitar parte de salários e despesas como luz.
"Mas renegociei o aluguel e este mês é o último de valor reduzido. Agosto terei o aluguel normal do mês, de R$ 17 mil, e terei de começar a pagar os parcelamentos que renegociei", aponta, reforçando que o Pronampe, caso consiga a linha, servirá para normalizar o pagamento do aluguel e outras despesa até o fim do ano.
Sobre o futuro do negócio, o educador físico pondera: "Se conseguir chegar vivo até a vacina, vejo um grande futuro, pois vai reduzir o número de concorrentes no mercado, o que é uma pena. E pode ser até a minha situação daqui a seis meses".
Como funciona
Quem pode buscar o crédito
- Microempresa com receita bruta em 2019 até R$ 360 mil
- Pequena empresa com receita bruta em 2019 de mais de R$ 360 mil até R$ 4,8 milhões
Qual é o valor máximo que pode contratar
- A empresa pode solicitar até 30% da receita bruta anual em 2019
- Empresa com até um ano de atividade: limite de até 50% do capital social ou 30% do faturamento médio mensal
Custo do dinheiro pedido
- Taxa de juros máxima igual à taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic) mais 1,25% sobre o valor concedido
Prazo para pagar o empréstimo
- 36 meses, com oito meses de carência para pagar a primeira parcela (a carência está includia no período total de quitação)
Garantias (são duas possibilidades)
- Garantia pessoal: empresas com mais de um ano deve ser igual ao valor contratado mais encargos. Empresas com menos de um ano, a garantia pessoal pode chegar a 150%.
- Fundo Garantidor do Pronampe: criado pelo governo para cobrir risco do uso de recursos próprios dos bancos. Cobre até 100% do valor de cada empréstimo (limite global de 85% da carteira à qual a linha de crédito estiver vinculada no banco credenciado)
Uso do Fundo Garantidor
- Recursos devem cobrir 80% do valor emprestado a microempresas e 20% para pequenas empresas (este detalhe gera preocupação, pois deixaria de fora muitos pleitos de pequenos empresário)
Prazo para fazer operações
- Bancos podem fazer contratações até 19 de agosto de 2020, podendo ter prorrogação por mais três meses
Fonte: Site do Banco do Brasil
Gerente do Sebrae-RS aponta limitações nas regras do Fundo Garantidor
A regra que limita o uso do Fundo Garantidor de Operações (FGO) para pequenas empresas (que só podem usar até 20% do caixa do fundo para cobrir o valor contratado) é só um dos entraves ou restrições para mais candidatos acessarem a linha, que não tem nada semelhante nas modalidades normais dos bancos.
O gerente interino de Inovação e Serviços Financeiros do Sebrae-RS, Augusto Martinenco, destaca que o limite "engessa" as próprias instituições financeiras, que precisam ter equilíbrio entre a liberação para cada tamanho de negócio. Martinenco cita que os percentuais não estão na lei que criou o Pronampe, sugerindo que a regra poderia ser mudada pelos gestores.
Outro item que pode impedir mais candidatos de acessar o dinheiro é a proibição de demitir nos dois meses seguintes à contratação. O gerente do Sebrae-RS avalia que há casos em que a situação da receita é mais crítica, o que dificulta manter o quadro de pessoal. A dica do especialista é que a empresa inclua no valor a ser pleiteado o custo para manter a estabilidade do quadro.
Um terceiro limitador é a empresa ter restrições cadastrais, com nome negativado do sócio e da empresa em cadastros de crédito. Mas muitos que estão nesta condição é porque estão há meses com menos receita e tendo de atrasar ou escolher contas a pagar. "Precisa ter olhar para quem está sendo impactado no momento de crise, mas tem um bom histórico de pagador", sugere o gerente do Sebrae-RS. Ou seja, se não fosse a pandemia, o empreendedor poderia nem estar recorrendo ao empréstimo.
O número ainda restrito de instituições operadoras acaba também dificultando o acesso. Martinenco destaca que as empresas têm pressa em obter o crédito. A intenção de buscar o dinheiro aparece em fatia cada vez maior entre mais de 500 micro e pequenos empreendedores monitorados pelo serviço durante a crise. "Precisa de celeridade dessas instituições para que os recursos cheguem a tempo. As empresas precisam para manter a estrutura agora", reforça.
O Pronampe é desejado por negócios de várias áreas afetadas pela crise. O Sindilojas chegou a criar uma central para receber demandas de dúvidas e dificuldades de lojistas. Além de recusas sobre o acesso, outra queixa é vinculação dos contratos à compra de produtos dos bancos.