A sanção do novo marco legal do saneamento no Brasil não deixou de causar polêmica, principalmente, devido ao veto do presidente Jair Bolsonaro à possibilidade de renovação por mais 30 anos dos contratos atuais das companhias do setor. Caso não seja derrubada, a decisão fará com que as empresas estatais e municipais acabem sendo desvalorizadas, inclusive a gaúcha Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), que pretende fazer seu IPO (oferta inicial das ações).
O presidente da Corsan, Roberto Barbuti, diz que a questão do veto ao artigo 16 do Projeto de Lei nº. 4162/2019, que permitia a renovação dos contratos em vigor, estava sendo levantada como uma possibilidade, mas acabou surpreendendo, porque o tema tinha sido objeto de um acordo político. O dirigente entende que a suspensão do artigo contraria o que foi negociado (no Congresso Nacional) e é prejudicial financeiramente para as empresas estaduais, de uma forma em geral, incluindo neste contexto a companhia gaúcha.
No entanto, Barbuti afirma que para a Corsan o impacto não é tão intenso como para outras empresas, pois o prazo médio dos contratos do grupo é longo (em torno de 26 anos ainda de vigência). Entretanto, se o veto não cair, deve implicar a desvalorização da companhia, que pretende em breve ofertar ações para o mercado. Não há uma data definida para a empresa fazer a sua abertura de capital, mas a previsão é que ocorra em meados do próximo ano, adianta Barbuti. Ainda não está determinado qual o volume de ações que será oferecido, contudo o limite será de até 49%.
O secretário do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, Artur Lemos Júnior, concorda que o veto desvaloriza os ativos das atuais empresas de saneamento, atingindo patrimônio de estados e municípios que possuem companhias que atuam nessa área. Ele ressalta que os estados querem combater essa possível perda de valor das empresas. Lemos comenta que a sanção do marco do saneamento é o coroamento de uma discussão exaustiva dentro da Câmara e do Senado. "Porém, esse coroamento vem com algumas fissuras que são os vetos, especialmente o do artigo 16", frisa. O secretário enfatiza que o veto causou surpresa, pois o tema já havia sido acordado, e acredita na possibilidade de ser derrubado. Ele salienta que quem defende a mudança da proposta original sustenta que é para não perpetuar a atual situação do saneamento no Brasil. Lemos considera o argumento como incorreto, porque os contratos sendo renovados teriam que estar de acordo com a lei, que estabelece o cumprimento de metas. Se esses objetivos não forem alcançados, a concessão poderia ser cancelada.
O advogado Rubens Naves, especialista em saneamento, também aponta que o veto representa o rompimento de um acerto de Bolsonaro firmado com o Congresso. "Se o veto for derrubado, Bolsonaro poderá falar que queria uma reforma mais radical, que daria mais liberdade para o mercado e, se não der certo, não foi por culpa dele", argumenta. Naves enfatiza que o impacto nas empresas estatais, se o veto não for revisto, é devastador, causando uma desvalorização dos ativos muito grande.
Perspectiva é de atração de investimentos bilionários para o segmento
Apesar da discussão sobre os reflexos das alterações da lei para as empresas que já atuam no setor, é consenso que as mudanças nas regras significarão mais aportes no saneamento. O presidente da Passarelli (companhia que atua nas áreas de engenharia e construção e há mais de 50 anos no setor), Paulo Bittar, lembra que o marco regulatório firma o compromisso da universalização do saneamento no Brasil até o fim de 2033, atingindo uma cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto. A legislação, reforça o empresário, significará investimentos bilionários no Brasil nos próximos anos. De acordo com levantamento da KPMG, o custo da universalização para atender a todo o País é calculado em R$ 753 bilhões. " Vai se ter um ambiente de negócios favorável", projeta Bittar.
Sobre o veto à renovação por até 30 anos dos contratos já firmados, o executivo pensa que será derrubado. Ele recorda que uma carta de governadores foi endereçada ao presidente da República para rever a questão. "Vai acabar se chegando a um meio-termo, dando a chance das empresas poderem renovar os contratos, mas desde que comprovem a capacidade de atingir a universalização", aposta. Essa carta mencionada por Bittar contou com a assinatura de 16 governadores, sendo que, pela região Sul, constava os nomes dos governadores do Paraná e de Santa Catarina (Ratinho Júnior e Comandante Moisés), contudo não o do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.