O consumo de carne vermelha caiu 20% nos supermercados do Estado no início de 2020, mas, ainda assim, os preços da carne bovina - que tiveram alta de mais de 30% no início de dezembro - se mantêm estáveis. Em alguns açougues da Capital, a queda da demanda chegou a gerar um recuo nos valores cobrados em cortes de todos os tipos e gêneros. No entanto, a iniciativa é pontual. A grande maioria das empresas não pretende baixar o preço.
"Os consumidores estão comprando mais carne de dianteiro (carne de segunda), porque é mais barata", comenta o diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Carnes do Rio Grande do Sul (Sicadergs), Zilmar Moussalle. O dirigente destaca que cortes como costela e traseiro estão parados nos frigoríficos. "A solução tem sido desossar e congelar, porque baixar o preço desses cortes significa abrir mão do lucro."
Enquanto a indústria estoca com o objetivo de esperar um melhor momento para comercializar a carne, boa parte dos 386 pontos de abate bovino no Estado estão valorizando a parte dianteira na venda. "A carne de segunda é a que está mais cara, enquanto deveria ser mais barata", comenta o sócio-proprietário da Casa de Carnes Santo Ângelo, Rafael Sartori. Localizado no Mercado Público da Capital, o estabelecimento viu minguar a comercialização do produto que tradicionalmente integra o "rancho" das famílias gaúchas. "Esse está sendo o pior janeiro dos últimos cinco anos em questão de venda de volume de carne", admite Sartori. O aumento dos preços na primeira semana de janeiro provocou uma queda em torno de 20% na procura, segundo o empresário.
Também caíram os abates. De acordo com o diretor-executivo do Sicadergs, na última semana de 2019, a oferta caiu em 40% no Estado, devido à falta de saída nas prateleiras dos supermercados. De uma média de 47 mil animais por semana, pouco mais de 26 mil foram abatidos, segundo Moussalle. "Na semana passada, o abate também foi menor em 18%: matou-se 39,6 mil bois neste período", calcula.
O dirigente pondera que, atualmente, "a oferta está muito boa", o que indica que "é possível que o preço da carne caia no decorrer dos próximos dias". Já a assessoria de imprensa da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) informa que, em vista de "boa parte da carne vendida e consumida" nos estabelecimentos do setor vir "de fora" (Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, entre outros estados), o preço nas gôndolas deve se manter estável.
Moussalle enumera outros motivos, além do preço, para o consumidor comprar menos carne: os gastos com IPTU e IPVA, típicos do início do ano, e gastos com escolas. Segundo, o consumo irá cair ainda mais se o preço no varejo não baixar.
Fora dos supermercados, a maioria dos açougues está amargando movimento fraco. "Este ano está demais", reclama a atendente da Casa de Carnes São Jorge, Marta Grigollo. Localizado no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, o açougue já registra uma queda de 50% das vendas desde a metade de novembro do ano passado. "A saída está muito devagar, para todo tipo de carne bovina, e olha que baixamos um pouco os preços."
Gaúchos estão comendo menos churrasco
Cultuada pelos amantes do churrasco, a costela de boi também tem sido pouco procurada, por conta da elevação no preço. "Estagnou. O pessoal não compra mais carne de churrasco faz um tempo", afirma o sócio-proprietário da Casa de Carnes Santo Ângelo, Rafael Sartori.
Por outro lado, há quem consiga manter o movimento. "Verão é a época de maior procura de cortes para churrasco. Aqui, a carne está saindo, e o consumo não diminuiu, apesar do movimento estar fraco", revela o gerente do Açougue San Remo, Ceomar Maidana. "Nosso açougue vende o dobro dos demais aqui no Mercado Público", afirma.
Conforme levantamento de preços feito junto aos açougues citados na matéria, a média de preço do quilo da carne de segunda, como paleta e agulha, está em R$ 19,00 e R$ 15,00 respectivamente. Considerando os valores médios oferecidos para cortes de primeira, como coxão mole
(R$ 33,00), alcatra (R$ 39,00), patinho (R$ 33,00) e coxão de fora (R$ 32,00); ou cortes para churrasco - a exemplo de costela
(R$ 22,00), picanha (R$ 48,00), maminha (R$ 39,00) e ripa
(R$ 29,00), é possível entender porque a carne de segunda passou a liderar a lista das mais procuradas entre os gaúchos, apesar de "não ser o produto da temporada".
Segundo o diretor-executivo do Sicadergs, Zilmar Moussalle, os produtores também alegam alta dos custos (em torno de 8,5%) - na prática, o valor da carcaça aumentou em 36,36%. "De R$ 11,00 passou para R$ 15,00 o quilo. A verdade é que a China balizou outros mercados, e todo o valor está sendo repassado para a carne bovina", avalia.
Carne pesou mais no orçamento de famílias pobres
Por causa da alta das carnes, a inflação das famílias mais pobres foi de 1,19% em dezembro, contra 0,99% para as famílias de maior poder aquisitivo, mostra o Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Com isso, enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador de preços calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fechou 2019 em 4,31%, a inflação para os mais pobres ficou em 4,43% no ano passado e a dos mais ricos, em 4,16%.
O indicador decompõe o IPCA por faixas de renda. A faixa mais pobre tem renda domiciliar abaixo de R$ 900,00 mensais por família. A faixa mais rica tem renda domiciliar acima de R$ 9 mil mensais.
Em dezembro, as carnes e os combustíveis foram os vilões da inflação. Por isso, segundo o Ipea, "o aumento de 4,69% nos preços dos alimentos no domicílio foi o principal responsável pelo incremento inflacionário das famílias mais pobres", enquanto a alta de 1,54% do grupo transportes foi o principal foco de pressão sobre a inflação das famílias mais ricas.
"Por ser o grupo com maior peso na cesta de consumo das famílias mais pobres, a alta do grupo alimentação e bebidas contribuiu com 1,16 ponto percentual (p.p.) para a inflação desse segmento da população, com destaque negativo para os reajustes de cereais (5,73%), carnes (18,1%) e aves e ovos (4,48%)."
Embora os ricos também tenham enfrentado a alta dos alimentos, o peso desses itens na cesta de consumo dessas famílias é menor.