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Símbolo do interior gaúcho, vinho colonial começa a deixar os porões
Bebida tradicional foi legalizada em 2014 e a expectativa é que a formalização traga benefícios aos vinicultores
Um dos símbolos do interior gaúcho, o vinho colonial, feito geralmente em pequenas quantidades pelos próprios produtores familiares de uva, está deixando os porões. Tradição mais do que centenária, o produto só se tornou legal no País em 2014, com a sanção da Lei nº 12.959, que estabeleceu requisitos e limites para a produção da bebida. Desde lá, vinte produtores registraram seu vinho, e diversos outros se encontram em processo de habilitação. O ritmo é considerado normal pelas entidades, que veem diversos benefícios com a regularização.
Pela lei, pode ser vendido legalmente no Brasil, sem a necessidade de criação de uma empresa, o vinho produzido por agricultor familiar que seja feito com no mínimo 70% de uvas colhidas na sua própria propriedade, em quantidade que não ultrapasse os 20 mil litros anuais. Além disso, a elaboração deve ser feita na propriedade, e a comercialização, direta com o consumidor, seja no local ou em feiras.
Havia ainda um artigo permitindo a venda por meio do talão do produtor, que acabou vetado. Mesmo assim, no Rio Grande do Sul isso ainda é possível, graças ao Programa Estadual de Agroindústria Familiar (Peaf). O benefício é relevante porque, com o talão, a contribuição social é reduzida para apenas 1,5%. Pelas regras do Peaf, entretanto, é preciso que o vinho seja elaborado com 100% das uvas produzidas na propriedade familiar.
Tradicionalmente feito para consumo próprio, é difícil estimar o número real de produtores de vinho colonial que poderiam regularizar sua produção para venda. Os dados preliminares do Censo Agropecuário de 2017 mostram, porém, que 8,1 mil produtores brasileiros declararam elaborar vinhos, e, destes, a esmagadora maioria, quase 6,4 mil (ou 78,5% do total) são gaúchos.
Chefe da Emater-RS em Bento Gonçalves, o enólogo Thompson Didoné conta que, além dos 20 produtores já regularizados, apenas a região de Bento Gonçalves possui outros 23 no aguardo do processo. Ao contrário do vinho industrial, concentrado na Serra, o vinho colonial é difundido em diversas outras regiões gaúchas, abrangendo todo o Estado.
"O que se buscou foi qualificar a produção, tecnificar a elaboração. E depois legalizar, buscar o registro, que é uma consequência", conta Didoné, lembrando que não há expectativa de surgimento de novos produtores, pois praticamente todos viticultores já elaboravam seus próprios vinhos. A venda formal, porém, torna-se mais uma fonte de renda para as famílias no campo, ajudando na viabilidade dos minifúndios e na própria permanência dos jovens nas propriedades.
"As regras favorecem a manutenção dos vinhedos e da paisagem vitícola", acrescenta o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Mauro Zanus. O pesquisador lembra que a legislação pode diminuir a distância que o Brasil mantém dos principais países produtores. "Temos um número limitado de vinícolas, quando comparado com os mais tradicionais. Na Itália, passam de 10 mil, e no Brasil hoje não chega a 600", afirma.
A adesão ainda tímida é vista como normal, pois exige, por exemplo, adaptações físicas das cantinas. O acompanhamento das construções vem sendo feita pela Emater-RS. "Aos poucos, esse número vai aumentar, é um processo lento", projeta o vice-presidente do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Márcio Ferrari, apostando que o sucesso dos pioneiros abrirá as porteiras para os demais.
Ferrari vê a medida como importante para o setor, capaz de aumentar as vendas do vinho gaúcho. Formalizados, os vinhos coloniais receberão um crescimento da segurança na venda, tanto para o produtor quanto para o consumidor. Não há temor, também, de que a medida influencie na produção das vinícolas industriais, pois, como o vinho colonial já é feito há décadas, as uvas destinadas ao produto já não chegavam até as grandes empresas do setor.
Percepção de qualidade é um dos objetivos para o produto
Estigma do chamado "vinho de garrafão", a percepção de baixa qualidade por parte dos consumidores ainda pode trazer alguns desafios para a bebida.
Para se adequar às regras de formalização, porém, há uma série de cuidados e técnicas que precisam ser cumpridas, como um responsável técnico, uma construção com determinadas características e questões que regem sobre o recebimento da uva, o envase, a conservação do ambiente, entre outros, que podem ajudar a combater um possível preconceito.
"A qualidade desses produtos existe. Temos alguns que só não concorrem em premiações porque são produtores muito pequenos", argumenta o vice-presidente do Ibravin, Márcio Ferrari. Além disso, o dirigente lembra que a percepção de qualidade, na prática, pode ter mais a ver com o gosto pessoal de cada consumidor. "Se gostou, vai continuar comprando. E, agora, terá mais opções", complementa Ferrari.
"Não queremos padronizar a produção, cada um continuará fazendo do seu jeito, mas com acesso a equipamentos e técnicas", argumenta o enólogo e extensionista da Emater-RS, Thompson Didoné. Um dos pilares da atuação da entidade no segmento é a presença dos agricultores em cursos e treinamentos, além da busca por equipamentos.
Uma das questões ainda em aberto diz respeito ao suco de uva colonial. O método mais comum, de produção em panelas, traz limitante aos agricultores por adicionar água ao líquido que, assim, não pode ser vendido como suco integral. Um suquificador, equipamento de baixo custo que resolve o problema, já foi desenvolvido pela Embrapa Uva e Vinho, e deve chegar aos poucos aos produtores, que, como todo agricultor familiar, atuam com diversas fontes de renda.