As volumosas chuvas que caíram na Fronteira-Oeste na semana passada são mais empecilhos ao setor orizícola gaúcho. Em uma safra que já se iniciou com preocupações, em especial quanto à diminuição da área cultivada com o arroz, a enorme precipitação em tão pouco tempo e as enchentes dificultaram ainda mais a cultura. A chuva fará a produtividade cair e os custos aumentarem, e mais um ano de problemas pode comprometer o futuro.
A precipitação na parte mais ocidental do Rio Grande do Sul foi enorme. Em Uruguaiana, na estação do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), caíram 497mm entre domingo e quarta-feira (a média para todo o mês de janeiro é de 150mm). Em três dias e meio, portanto, choveu o que deveria chover em três meses. "Não se tem registro de tanta chuva em tão pouco tempo na região", diz o coordenador regional do Irga para a Fronteira-Oeste, Ivo Mello. A região é responsável por um terço da área cultivada com arroz no Estado.
O tamanho do estrago ainda é desconhecido, primeiro porque muitas lavouras seguem inundadas pelos rios e um levantamento mais preciso só pode ser feito quando a água baixar e, depois, porque alguns dos rios continuam a subir, podendo atingir ainda mais lavouras. "Alguns rios levam até 10 dias para encher, e depois mais o mesmo tempo baixando. O Ibicuí, por exemplo, podemos estar essa semana com sol e ele recém-chegando ao nível máximo", comenta Mello.
O mesmo não acontece com o rio Ibirapuitã, porém, que já na semana passada rapidamente subiu, causando problemas principalmente em Alegrete. No maior município do Estado, as lavouras de soja próximas aos rios já estão perdidas, e as de arroz, bastante prejudicadas, segundo a presidente da Associação dos Arrozeiros de Alegrete, Maria de Fátima Marchezan. "Nem tanto pela imersão, que o arroz segura até 10 dias e se recupera. O problema é a intensidade, o alagamento muito rápido, que causa o tombamento das plantas", argumenta Maria.
Outro problema, apontado pelo presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Estado (Federarroz), Henrique Dornelles, é o fato de a enchente ter chegado justamente em um período decisivo para a safra. "A maioria das lavouras está em momento reprodutivo, um estágio em que não tem mais volta", comenta Dornelles, comparando a situação com a última grande enxurrada, na virada do ano de 2015 para 2016, que causou menos problemas porque, à época, as plantas estavam com desenvolvimento atrasado, ainda em estágio vegetativo.
"O Estado não vai repetir a excelente produtividade do ano passado, nem de longe, isso já sabemos", argumenta Dornelles. Mello, do Irga, arrisca em pelo menos 10% a perda de produtividade por conta apenas de fatores já conhecidos. "Pela experiência, podemos contabilizar 10% a menos só pelos seguidos dias sem luminosidade, ventos fortes, chuvas intensas na floração. E isso vai aumentar na medida em que formos constatando outros danos", comenta. Maria acrescenta que, após tantos dias sem sol, as plantas também estão mais vulneráveis a doenças por fungos, que podem atacar as lavouras a partir de agora. Também está no horizonte dos arrozeiros a falta prolongada de energia elétrica, já que a concessionária não consegue acessar alguns locais para restabelecer a rede.
Dornelles afirma que a situação é mais um agravante para os problemas estruturais do setor. O País, na visão do presidente da Federarroz, corre o risco de passar de exportador para importador de arroz. "Os preços não são remuneradores, e o produtor já vai para o terceiro ou quarto ano de prejuízo. É muito difícil manter uma atividade dessa", comenta, projetando uma nova diminuição "consistente" de área plantada com arroz na próxima safra.