Ministro desiste da implementação do Cart

Conselho de Recursos Administrativos Trabalhistas permitiria mais revisões nas autuações por infrações trabalhistas

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Nova instância retardaria, por exemplo, a inclusão de nomes de empresas na lista suja do trabalho escravo
O ministro do Trabalho, Caio Vieira de Mello, afirmou que decidiu enterrar a proposta de medida provisória que criaria o Conselho de Recursos Administrativos Trabalhistas (Cart). O ministro deu início a um processo interno para elaborar a medida, com previsão de edição ainda neste ano, no apagar das luzes do governo do presidente Michel Temer.
O Cart seria um colegiado que funcionaria como terceira instância para análise de recursos de empresas e pessoas físicas contra autuações por infrações trabalhistas. A nova instância, que permitiria mais recursos, retardaria, por exemplo, a inclusão de nomes na lista suja do trabalho escravo.
A Casa Civil da presidência da República afirmou não ter recebido qualquer texto do Ministério do Trabalho nem haver definição sobre edição da medida provisória. O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, criticou a proposta e disse que a intenção seria apenas "protelatória".
"Se essa questão está trazendo polêmica, eu não tenho a menor intenção de continuar com a polêmica. Encerra. Se há uma posição contrária do MPT (Ministério Público do Trabalho), que não me foi dita antes, se agora ele (o procurador-geral) acha que não deve, não tenho a menor dúvida em parar. Já está parado", afirmou ontem o ministro do Trabalho.
Mello disse que não levará mais a questão ao presidente Temer e que a discussão sobre a medida provisória acabou. "Encerra essa polêmica. Ponto. Agora está polemizado e acabou. Se cria mais problemas que solução, eu não seria irracional de manter uma coisa que cria problema. Segue como está (a análise de recursos em duas instâncias). Não posso falar pelo presidente (se a medida provisória pode ser editada). Ele não tem conhecimento. E não levarei a ele. Polemizou, o MPT está contra, então vamos ficar quietos", afirmou.
O ministro do Trabalho disse ainda não ser a favor do trabalho escravo. "Eu não sou a favor de trabalho escravo, pelo contrário, sou visceralmente contra. Mas sou a favor do direito da defesa previsto na Constituição. Ninguém aqui é a favor do trabalho escravo. Achamos que deveria haver uma eficácia maior, que as operações do ministério sejam acompanhadas pela Polícia Federal, que seja preso em flagrante delito aquele que pratica trabalho escravo", destacou.
O Ministério chegou a discutir a criação do Cart em 2015, o primeiro ano do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. O Cart funcionaria nos moldes do Carf, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, vinculado ao Ministério da Fazenda. O grupo de trabalho constituído para discutir a constituição do Cart concluiu naquele ano não haver viabilidade econômica e jurídica para criar o conselho.
Naquele momento, o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal (PF) haviam colocado nas ruas a Operação Zelotes, que apontou corrupção no Carf, com compra de votos dos conselheiros para que multas fossem revertidas ou anuladas. O esquema envolveu grandes empresas, conforme as investigações.
A composição do Carf é tripartite. Os conselheiros são indicados pela Receita Federal, por confederações de categorias econômicas - como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio (CNC) - e por centrais sindicais. Eles julgam recursos contra autuações por infrações fiscais.
O Cart funcionaria nos mesmos moldes. Assim, governo federal, entidades patronais e sindicatos de trabalhadores indicariam os conselheiros. Empregadores poderiam participar da decisão sobre multas trabalhistas aplicadas em razão do desrespeito a direitos dos trabalhadores.

Órgão atuaria na análise de atrasos de pagamento de salários e no recolhimento do FGTS

As autuações administrativas são resolvidas em duas instâncias: a Superintendência Regional do Trabalho, no estado onde ocorreu, e a Secretaria de Inspeção do Trabalho, no Ministério do Trabalho, em Brasília. O Conselho de Recursos Administrativos Trabalhistas (Cart) seria a terceira instância. Além de retardar punição por trabalho escravo, o colegiado serviria para analisar recursos contra autuações por atraso de pagamento de salário, atraso no recolhimento do FGTS, descumprimento de normas de segurança e pagamento de rescisão trabalhista fora do prazo, entre outras infrações.
Segundo o ministro do Trabalho, Caio Vieira de Mello, o estoque atual de processos é de 406.944, referentes a diferentes tipos de infração. Recursos contra decisões na primeira instância são na ordem de 10%, conforme Mello, com tempo médio de análise de um ano e meio. A prescrição por falta de análise é na ordem de 8%, ainda segundo o ministro.
"O percentual de prescrição é elevado. O que mais a gente vê nos recursos é a busca pelo direito de defesa, ou seja, produção de prova. Com esse volume de processos, como se assegura isso, como se faz isso? Não há um procedimento estabelecido, o que gera judicialização. A Justiça do Trabalho já tem um volume grande de processos, e levaríamos mais processos", explica.
Sobre o trabalho escravo, o ministro disse que há casos "evidentes" de exploração da mão de obra nessas condições, o que nem levaria a recursos. "Com relação ao trabalho escravo, o artigo 149 do Código Penal é elucidativo. Ninguém aqui, em momento algum, jamais, poderá pensar em desconhecer a lei. A competência para aplicação da lei penal é da Justiça Federal. E não há efeito suspensivo dos recursos", afirmou.
O ministro disse ter consultado o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury; o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cláudio Lamachia; e o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Brito Pereira, antes de dar encaminhamento ao processo de elaboração da medida provisória sobre o Cart. Mello afirmou não ter ouvido "objeção" de nenhum deles. Ele também disse que a Secretaria de Inspeção do Trabalho, que cuida dos recursos em segunda instância, não se opôs à proposta.
O procurador-geral do Trabalho criticou a ideia. Segundo Fleury, a criação de nova instância protela ainda mais uma fase administrativa.