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Cultura

- Publicada em 09 de Maio de 2021 às 20:10

Jornada de Belchior pelo Sul do Brasil é tema de livro

Repletos de mistérios, últimos caminhos do artista são repassados em 'Viver é melhor do que sonhar'

Repletos de mistérios, últimos caminhos do artista são repassados em 'Viver é melhor do que sonhar'


HELIO FERNANDES/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
Sumir. Alguns pensam que era isso que o cantor e compositor Belchior desejava quando, a partir de 2008, embarcou em uma intrigante e errática jornada pelo Sul do Brasil, que só se encerrou com sua morte, em abril de 2017. Outros argumentam que, na verdade, ele buscava justamente o contrário: uma forma de, por meio do desaparecimento, ser reencontrado pelo público, pelo Universo, por si próprio.
Sumir. Alguns pensam que era isso que o cantor e compositor Belchior desejava quando, a partir de 2008, embarcou em uma intrigante e errática jornada pelo Sul do Brasil, que só se encerrou com sua morte, em abril de 2017. Outros argumentam que, na verdade, ele buscava justamente o contrário: uma forma de, por meio do desaparecimento, ser reencontrado pelo público, pelo Universo, por si próprio.
Em Viver é melhor do que sonhar - os últimos caminhos de Belchior (Sonora, 264 págs., R$ 59,00), os jornalistas Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti refazem os passos do artista na última década de sua vida, em uma viagem que não precisa de esforço para capturar a imaginação.
Belchior não facilitou as coisas. Não avisou a ninguém que estava partindo, e não fez senão vagos comentários sobre seus motivos às pessoas que o hospedaram nos anos seguintes. Ao lado da companheira e empresária Edna Assunção de Araujo, o cantor esteve no Uruguai e em várias cidades gaúchas, enquanto sua imagem pública era debatida na imprensa e seu outrora confortável patrimônio desaparecia em meio às dívidas. Abandonou itens pessoais pelo caminho, dependeu do favor de desconhecidos para ter o que comer, vestir, onde dormir. Mas nunca voltou atrás - o que, é claro, só amplia a aura mítica em torno de seu aparente (mas nunca plenamente concretizado) sumiço.
Assumidamente um livro de estrada, Viver é melhor do que sonhar faz um caminho quase inverso ao de Belchior, saindo do Uruguai em direção a São Paulo e, de lá, até o Ceará, onde o artista nasceu. Fizeram diários da viagem e chegaram a gravar suas próprias conversas dentro do carro, registrando as ideias que tomavam sua mente no decorrer da jornada. Durante as idas e vindas, acentuou-se uma das notórias características de Belchior: seu enorme carisma, capaz de fascinar as pessoas em questão de minutos. "Tanto Belchior quanto a Edna nos seduziram em vários momentos", diz Chris Fuscaldo. "Foi difícil escrever as partes negativas da história, porque, na maior parte do tempo, estávamos convivendo com esse Belchior divertido, fascinante, gostoso de lidar." O que, é claro, não apaga a má impressão que a dupla também causou em alguns dos mais de 150 interlocutores que aparecem no livro. "Ele realmente cometeu um crime (ao não pagar pensão), deixou dívidas, mas me parece que ele era daquelas pessoas que, quando não sabe como resolver um problema, tem vontade de chutar o balde. Viu-se sem empresário, sem produtor e sem esposa, tendo que lidar sozinho com os problemas que envolviam sua vida e carreira. Aí, o que ele fez? 'Vou dar um tempo no Uruguai para pensar'. Foi a partir dessa decisão que veio a cascata", complementa.
O road book pulsa com histórias fascinantes, mas não se pretende um livro de respostas. Mesmo porque a pergunta que Belchior lança é muito maior do que a capacidade de respondê-la em uma ou duas frases. "Um dos entrevistados disse que Belchior gostaria de ser lembrado como alguém que desapareceu. Essa leitura faz algum sentido", comenta Marcelo Bortoloti. "As grandes músicas são dos anos 1970; nos últimos tempos, sua produção não tinha a mesma relevância. Essa fuga ganhou ares de um gesto de libertação e coragem, fez com que voltasse a ser visto como uma figura da contracultura, que rompe com os padrões. Isso redirecionou e, de certo modo, depurou sua imagem."
Chris, por sua vez, escolhe outro depoimento para refletir: "Uma pessoa nos disse que, desde criança, Belchior queria ser santo. Ele foi seminarista, como se sabe. Não acho que ele tenha planejado sumir para virar santo, tanto que ficou chateadíssimo quando a imprensa o encontrou (no Rio Grande do Sul). Mas tivemos relatos de que ficou feliz com o movimento 'volta Belchior' e memes na internet. Talvez estivesse vendo ali um potencial de virar mito, como os santos que admirava".
Uma busca de transcendência que dialoga com a própria obra artística do biografado. "As canções dele trazem muito esse desejo de ir para a estrada, de mudar de vida, de se deixar levar. Talvez, nesse gesto silencioso de auto-exílio, ele estivesse construindo essa nova elevação de personagem. Não é à toa que, mesmo sem querer ser encontrado, nunca tirou o bigode, nunca desfez a cara de Belchior", acentua a jornalista.
A jornada de Belchior segue viva muito depois de sua morte, e ganha desdobramentos também para os autores da obra. Unidos à equipe da série documental Procurando Belchior, coprodução da Urca Filmes e Canal Brasil, eles também colaboram para o roteiro de um longa de ficção, em pré-produção. "A busca não se encerra no livro, mesmo porque um livro é naturalmente repleto de imperfeições", acentua Bortoloti. "É uma história relevante para a cultura brasileira recente, e traz esse elemento de mistério, é um gesto repleto de discussões possíveis. É emblemático, e acho que ainda temos muito o que aprender com ela."
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