A reação de setores ultra-conservadores à Queermuseu, exposição ligada a temáticas LGBT então instalada no Farol Santander (então Santander Cultural) de Porto Alegre, tornou-se tema de intensas discussões em todo o Brasil. Após fazer uma inspeção à mostra, o MPF concluiu que as acusações de incentivo a crimes como pedofilia e zoofilia não se justificavam, e determinou que o centro cultural reabrisse a exposição, o que não ocorreu. O acordo posterior, no qual o Santander Cultural promoveria duas mostras no lugar da Queermuseu, foi cumprido pela metade: a primeira, Estratégias do feminino, aconteceu em 2019, mas a seguinte, que trataria do universo LGBT, não saiu do papel. É a multa decorrente da não realização dessa exposição que, agora, deve financiar ações em diferentes frentes.
"Uma luta que deu certo", comemora curador da 'Queermuseu'
De acordo com Enrico Rodrigues de Freitas, procurador regional de Direitos do Cidadão do MPF-RS, a expectativa é que os primeiros projetos contemplados pelo edital estejam na rua ainda no primeiro semestre de 2021. A campanha, por sua vez, está ganhando caráter nacional, na medida em que o MPF determinou que as seccionais em todo o Brasil realizem, durante este ano, ações ligadas ao tema do respeito à diversidade.
"No Art. 3º da Constituição, está estabelecido como objetivo fundamental da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Erradicar toda forma de racismo e preconceito é papel indiscutível e incontornável do poder público", ressalta o promotor. "Todas as instituições devem atuar nessa direção, ou estarão agindo de forma inconstitucional. Não é uma escolha. Temos ações repressivas (no MPF), mas é igualmente importante incidir preventivamente, com ações que digam à sociedade que é preciso buscar uma convivência com empatia."
Mulher indígena guarani em contexto urbano, Alice Martins comemora o "tecer de redes" entre diferentes grupos que não só tornou a campanha possível, mas deve se multiplicar a partir dos efeitos positivos do edital. "A Queermuseu foi fechada por intolerância, e é muito importante ver esse processo se reverter a favor de pautas tão violentadas e invisibilizadas. A palavra 'respeito' está na escrita, mas pouco existe na prática das pessoas, e estamos aqui para visibilidade para nossa luta, nossa pauta e nos fortalecer enquanto coletivo e parcela do contexto urbano", acentua.
Hoje vivendo nos Estados Unidos e atuando como pesquisador na New School University de Nova York, Gaudêncio Fidelis considera que a iniciativa Eu sou respeito é mais um dos aspectos de uma mostra coletiva que foi, apesar da reação violenta de setores contrários, bastante bem-sucedida: "É possível que uma exposição consiga galvanizar setores progressistas da sociedade em torno de questões e lutas fundamentais e, nesse sentido, não há nada que eu conheça mais bem-sucedido que a Queermuseu. O trabalho que o MPF continua fazendo é muito importante também no sentido de manter vivo esse momento exemplar de uma luta que deu certo, para que as pessoas possam recorrer a ela, inclusive, como uma forma de esperança".