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Elogiado longa 'Pacarrete' entra em streaming nesta quinta-feira
Filme estrelado por Marcélia Cartaxo e dirigido por Allan Deberton é atração no catálogo das plataformas digitais
Depois de estrear nos cinemas em novembro de 2020, em diversas cidades brasileiras, incluindo Porto Alegre (que logo teve as salas fechadas novamente), o premiado filme Pacarrete, estrelado por Marcélia Cartaxo e dirigido por Allan Deberton, entrou nesta quinta-feira (7) no catálogo das plataformas digitais.
Filmado em Russas, interior do Ceará, o longa conta a história de uma bailarina idosa que decide fazer uma apresentação para o povo da cidade, no aniversário de 200 anos do município. Inspirado em uma personagem real, Pacarrete foi nomeado para as listas de melhores do ano de 2020 e, inclusive, era um dos títulos na lista para ser o representante do Brasil no Oscar 2021.
Mesmo sendo a estreia de Allan Deberton na direção de longas, o título gera muita comoção onde é exibido, tido como um instrumento que valoriza a resistência da arte, caindo nas graças de críticos. A produção recebeu 28 prêmios nos festivais onde foi selecionada, incluindo oito Kikitos no 47º Festival de Gramado, um dos mais tradicionais do País.
Confira a seguir mais fotos do filme e a entrevista completa com o diretor.
"Em minhas pesquisas, fui ficando cada vez mais apaixonado"
Jornal do Comércio - Como te "muniste" para desenvolver este roteiro, baseado praticamente em uma "lenda" de uma cidade de interior, recuperando memórias afetivas de infância e com pouca documentação?
Allan Deberton - De fato, a documentação era pouca, mas a lembrança afetiva de muitos moradores de Russas me ajudaram a construir essa imagem da protagonista. Pode-se dizer que mal a conheci, sempre me mantive distante, lembro de ser uma criança assustada, quando a vi pela primeira vez. Somente depois que Pacarrete faleceu é que pude prestar atenção em quem era essa mulher.
Foi bailarina, professora de diversas escolas de Fortaleza e reclamava falta de espaço e de oportunidades pra fazer a sua arte. E, em minhas pesquisas, fui ficando cada vez mais apaixonado. Foi um roteiro feito a quatro mãos, com roteiristas bastantes jovens, mas que também se apaixonaram pelo tema. Os detalhes, o pano de fundo e a energia confesso que tem elementos bem pessoais.
Também nasci em Russas, onde vivi mais de 20 anos. Este ponto de vista sobre a cidade foi uma articulação na narrativa que, somado às minhas próprias vivências, ajudaram a dar este tom. A cidade é uma personagem e não poderia ser diferente. Faz parte de mim, do artista que tentava ser naquele lugar.
JC - O filme teve ótima recepção no exterior; uma grande turma torcia para que ele fosse o representante do Brasil no Oscar. Houve frustração por não ser o escolhido? Como foram os retornos após a estreia comercial nos cinemas do País e qual a expectativa para a exibição via streaming?
Deberton - De fato, a gente torcia por Pacarrete. Então, sim, houve uma frustração. Mas, quer saber? Foi quando a gente percebeu que tudo foi tão lindo, todo o processo de criação, o encontro da nossa equipe, a finalização, cada conquista, cada superação. Enquanto fazíamos o filme, sabíamos que estávamos dentro de algo especial.
Estreou no maior festival da China, o Festival Internacional de Cinema de Xangai, o “Oscar” deles. Foi inesquecível. E, depois de 6 meses, ainda voltamos para outra turnê lá, em seis cidades, exibindo o filme em grandes cinemas, salas lotadas. A estreia em Gramado foi muito emocionante. E cada um dos festivais que participamos foi muito acolhedor. Amamos e vibramos o encontro com o público, a melhor parte. Valeu a pena cada segundo e somos gratos por isso.
Agora, no streaming, é de fato uma oportunidade do filme chegar nas pessoas. Ousamos lançar nos cinemas na pandemia, para não perder a tela grande, sempre sonhamos em estrear assim, em busca da experiência coletiva. Quero pensar que foi um sucesso, apesar do momento. Ainda estamos em cartaz em algumas salas e tivemos diversas sessões lotadas em Fortaleza (dentro da capacidade da sala com o protocolo da Covid-19).
Pacarrete fez uma boa carreira. Desejo toda a sorte para Babenco (o documentário Babenco – Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou, de Bárbara Paz), Barbara fez um filme muito especial. O cinema brasileiro está com tudo!
JC - O elenco que tu formaste para fazer este filme é um verdadeiro "dream team" e também demonstra tua admiração pelo cinema brasileiro. Como se deu essa orquestração de talentos para uma estreia de diretor em longas?
Deberton - Marcélia Cartaxo me disse uma vez que Deus me põe sempre perto de pessoas boas, que “botam pra frente”. É muito verdade. Conheci Marcélia em 2010, através de Soia Lira (Central do Brasil), que estava atuando no meu primeiro curta, Doce de coco.
Soia carregou Marcélia debaixo dos braços e me deu este presente, trouxe pro set. Marcélia fez uma participação e preparou o elenco do curta. Somos parceiros e amigos desde então. E, desde aquela época, eu já falava a Marcélia sobre a Pacarrete, que queria vê-la no papel.
Zezita Matos é a dama do teatro da Paraíba, com diversos trabalhos no cinema e na TV, com quem eu tinha muita vontade de trabalhar. Sobre João Miguel, apaixonei-me por ele quando assisti O Céu de Suely. Débora Ingrid e Edneia Tutti Quinto também atuaram em meus curtas. E Samya de Lavor (Inferninho) e Rodger Rogério (Bacurau) são dois artistas muito queridos de Fortaleza. Foi de coração. Um elenco com vontade de se juntar. E que ainda espero estar junto em outros trabalhos.
JC - Outro ponto alto da obra é a direção de arte/figurino/maquiagem. Podes comentar os desafios dessa produção com relação a esses elementos cênicos?
Deberton - O primeiro longa é um desafio, cheio de ansiedades. Pacarrete foi um filme muito aguardado por mim. Queria fazê-lo, mas fazê-lo bem. Era preciso ser sincero e bonito.
Rodrigo Frota fez cenários para alguns espetáculos que produzi e tem uma grande experiência, mas nunca participou de um longa. Apostei nele a direção de arte e sou muito feliz com o resultado. Para a maquiagem, o maior desafio era envelhecer a Marcélia e trazer semelhança com Pacarrete. Era importante pra mim que as pessoas de Russas, quando vissem o filme, vissem a “Pacarrete”. Foi incrível a dedicação de Tayce Vale (Bacurau/ Aquarius).
Chris Garrido (Tatuagem) assinou os figurinos. Foi tudo muito pesquisado, planejado. Não teria ficado bonito sem essa dedicação e perfeccionismo. Lembro de ter chegado em Russas dois caminhões com objetos de arte, com coisas pra escolher, pra combinar. Tem figurinos lindíssimos que não usamos. Tenho orgulho de nossa equipe.
Congruência entre diferentes áreas artísticas
JC - Tua experiência com teatro te auxiliou na 'feitura' da Pacarrete? Qual tua relação com as artes cênicas neste momento?
Deberton - Adoraria fazer mais teatro. Produzi alguns espetáculos, entre eles Avenida Q, um musical da Broadway, e A hora da estrela – O musical. Quando eu morava no Rio, durante a faculdade, assistia muito teatro. Ficou em mim. Eu amo musicais, desde criança. Musical é muito cênico, né? Foi inerente em Pacarrete, trazer um pouco disso. Atualmente, estou planejando outro filme e, com a história quase pronta, desmantelei tudo numa tentativa de trazer música, movimento.
JC - O longa Pacarrete é uma homenagem aos teus colegas artistas. Qual a mensagem que esta história deixa ao espectador?
Deberton - São diversas mensagens, sendo a mais importante: persistir, não desistir dos sonhos, de quem você é. O filme também fala sobre envelhecer. Ter empatia. Respeitar. Conviver. Sobre prestar atenção. Em algum lugar também ensina a ser criança e não perder a empolgação, a energia.
Pandemia e audiovisual na visão do realizador
JC - Os tempos são obscuros (a bagunça da Ancine, essa confusão toda em função da vacina, sem perspectivas de voltarmos com 100% de segurança aos sets e às salas), mas quais são teus próximos passos no cinema? Como foi teu 2020 de trabalho e quais os planos para 2021? Aliás, há algum horizonte para os profissionais do audiovisual brasileiro?
Deberton - Estive muito ansioso em 2020, com vontade de que tudo passasse logo. Não lido bem com a morte, tenho medo de perder as pessoas. Foi momento de ficar quietinho e de pensar nos próximos caminhos.
Então planejei. Escrevi alguns projetos e estamos seguindo com novas parcerias. Ainda é muito cedo pra saber o que vai acontecer. Estamos vivendo isso tudo, este desmonte cultural, falta de emprego, a indiferença com a vacina. Tudo atrasa nossos planos. Tenho muita saudade das coisas em sua normalidade.
Precisamos de bom senso, avançar, corrigir as coisas. Acreditar de novo. O Brasil é rico e diverso, nosso cinema é único. Não podemos desanimar. É preciso reclamar as injustiças. Cuidar bem das pessoas.
JC - Um dos teus próximos projetos se chama Marcélia. É com a Marcélia Cartaxo, fruto da parceria em Pacarrete?
Deberton - Marcélia será um longa de ficção, a cinebiografia de Marcélia Cartaxo, produzido pela Coração da Selva. Marcélia está contribuindo com o roteiro e fará também parte do elenco. Ela é uma mulher única, uma atriz rara, sou apaixonado por ela, então estou muito empolgado. Espero que aconteça logo.
JC - Já tem uma atriz definida para interpretá-la na fase jovem? Vão abrir teste? Como vai ser?
Deberton - O projeto ainda está em desenvolvimento, então não consigo falar muito a respeito. Mas com certeza o grande desafio será encontrar a atriz protagonista. Tem que ser tão única quanto a Marcélia, né?