Luís Dill comemora 30 anos de escrita, com lançamento do 60º título da carreira

Romance adulto 'Timbirupá' tem live de apresentação nesta terça-feira (29) pelo Facebook do autor

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Capa e parte interna do romance 'Timbirupá' têm ilustrações de Beto Soares
Para marcar os 30 anos de carreira literária, o premiado escritor gaúcho Luís Dill lança, nesta terça-feira (29), o romance adulto Timbirupá (Casa 29, 232 páginas, R$ 50,00), seu 60º título. Em formato online em função da pandemia, Dill conversará no evento virtual com o escritor e editor Cláudio B. Carlos. A live poderá ser acompanhada no perfil do autor no Facebook, a partir das 19h.
Timbirupá se passa em dois dias de outubro de 1930, quando Getúlio Vargas ruma ao Rio de Janeiro - capital federal da época - para tomar o poder. Mas a Revolução de 1930 é apenas pano de fundo da narrativa que retrata o cotidiano da cidadezinha homônima ao livro, em uma região remota do Brasil. Naquele curto espaço de tempo, ocorrem dois assassinatos, um tornado e uma catástrofe.
Timbirupá é o nome de um arbusto em extinção encontrado em regiões áridas do Brasil. Na língua dos Yatukuwés, timbirupá significa "punho cerrado do mau" ou "punho fechado do diabo". O pequeno município é caracterizado pelo calor e pela areia que ameaça devorá-lo. Timbirupá é banhada pelo Rio Kawe-poru, de águas traiçoeiras e misteriosas, onde se oculta o mítico coiteté, conhecido como o "vampiro dos rios". Sua carne é saborosa e, segundo a tradição indígena, é um peixe que anda.
Pelos céus de Timbirupá também circula o pássaro mugum-três-cores, também em extinção. De plumagem negra e piado desagradável, é tida como ave de mau agouro, capaz de antecipar tragédias.
A apresentação oficial da obra ao público antes da virada para 2021 não tem a ver com o fato de a Revolução ter completado 90 anos em outubro. "O livro deveria ter sido lançado no dia 4 de abril, meu aniversário. Mas já em março percebemos que a pandemia chegaria de vez e cancelamos o evento. Então, ficamos aguardando a situação melhorar, o que não ocorreu. Decidimos lançar no final de dezembro, só para não deixarmos passar em branco a comemoração dos meus 30 anos de literatura", conta Dill, que, na verdade, diz não ter se dado conta dos 90 anos da Revolução de 1930.
O livro tem ilustrações de Beto Soares e passou por leitura crítica do professor de Escrita Criativa e Teoria da Literatura na Pucrs, Luís Roberto Amabile. O autor explica que Timbirupá surgiu há cinco ou seis anos, quando ele se propôs um exercício técnico: reunir vários personagens em um determinado lugar falando de um assunto específico.
O objetivo do desafio era ver como Dill resolveria a questão dos diálogos de toda aquela gente. "Eu precisava ser claro e, ao mesmo tempo, criativo. Em termos de cenário, logo pensei em comunidade pequena e sem energia elétrica, para aumentar o efeito dramático, o que me levou ao passado. E como mostrar que a história se passava em época pretérita?"
Todas essas questões foram elaboradas com cuidado, segundo o autor. O trabalho acabou se ampliando, novos cenários e personagens surgiram, e ele percebeu que o exercício era, na verdade, o embrião de um romance. "Escolher a Revolução de 1930 como momento em que ocorre a história teve a ver com meu fascínio com a época e com os romances brasileiros produzidos no período. A questão das velhas oligarquias se adequava muito bem às situações que foram surgindo no desenvolvimento dos fatos que integram o livro. E aqui uma revelação: a partir do Timbirupá, decidi escrever uma narrativa longa para cada década do século XX. É uma loucura que batizei de Ciclo XX. É meu século preferido, já tenho mais dois livros escritos e sigo trabalhando", adianta.
Porto-alegrense de 55 anos, Dill é formado em Jornalismo pela Pucrs e pós-graduado em Literatura Brasileira. Estreou como escritor em 1990. Entre suas premiações, estão o Troféu Açorianos de Literatura e o Prêmio Biblioteca Nacional. Alguns de seus títulos já foram adquiridos por governos municipais, estaduais e federal. Vários receberam o selo Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, e fazem parte de seu acervo básico. Em sua atividade de escritor, participa de feiras do livro, sendo patrono ou convidado, e de variados tipos de encontros com leitores em escolas e universidades.
Pela Editora Casa 29, já lançou Minha camisa amarela de flanela, Guri do cimento e 100 mil seguidores (finalista do Prêmio Jabuti de Literatura 2020). Neste mês, o autor venceu novamente o Prêmio Açorianos de Literatura, na categoria infantojuvenil, com Rabiscos (2019), que também foi finalista do Jabuti e recebeu outras distinções.
Com Timbirupá, o escritor e jornalista chega aos 60 livros publicados. Para o futuro, projeta mais trabalho intenso. Além do Ciclo XX, continua escrevendo ao público jovem: "As editoras de fora do Estado seguem me pedindo textos. Dois novos livros estão programados para o primeiro semestre de 2021".

Confira a entrevista completa com o autor

Jornal do Comércio - Chamam atenção em Timbirupá os elementos folclóricos, como a etimologia da palavra que dá nome à cidade e, consequentemente, à obra, e o pássaro mugum-três-cores. Como chegaste a essas simbologias e quando o título se desenhou no processo do livro?
Luís Dill - Olha, isso faz parte do trabalho. Não existe inspiração para mim. Existe trabalho. Eu precisava não só criar uma história e seus personagens. Era importante construir a cidade. Até um mapa desenhei, que, depois, foi aperfeiçoado pelo Beto Soares. Só a cartografia da cidade e da região não era suficiente. Eu precisava estabelecer os primórdios do povoado e até dos antigos habitantes da área. Neste processo foram surgindo essas criaturas mitológicas. De certa forma é possível identificar uma alegoria, uma metáfora com o próprio Brasil, como apontou o Sinval Medina. Sobre o título: na maioria das vezes é minha última preocupação. No romance, o título surgiu de modo muito natural e me parece que não poderia ser outro.
JC - Qual é normalmente tua fonte para dar nomes aos personagens? Tens algum método?
Dill - Sim. Quando escrevo histórias ambientadas no passado leio muitos jornais da época e de várias partes do Brasil. Os nomes e os sobrenomes de todos os personagens foram retirados de jornais publicados nos anos 1920 e 1930.
JC - Neste livro em específico, que tipo de pesquisa histórica era necessária para a escrita?
Dill - Embora tudo seja inventado, foi preciso pesquisar bastante. Em especial a situação do País à época, com a partida de Getúlio Vargas do Rio Grande do Sul para tomar o poder no Rio de Janeiro, então a capital federal do País. Teve ainda um levantamento de fármacos, vestuário, tecidos, cigarros, arquitetura, etc. Também li muitos livros publicados no período e fugi do nosso tu, pois a região de Timbirupá, embora não especificada geograficamente, com certeza, não se refere ao Sul do Brasil.
JC - Outro ponto que gostaria que comentasses e não podemos deixar passar no momento em que atravessamos é se houve algum receio teu sobre a crítica do romance, ao abordar tradições moralistas, machistas e racistas na história. Vivemos sob a égide do revisionismo histórico, em época de cancelamentos. Na tua opinião, fica claro que os fatos descritos ali estão circunscritos naquele contexto cronológico? E seria uma crítica tua, como autor, retratá-las ali?
Dill - Questão importante. Certa vez publiquei um livro que exibia o ponto de vista de um serial killer. No Lâmina cega, eu tentei entrar na mente do criminoso e descrevi suas atrocidades de modo explícito. Incrível como alguns leitores me confundiram com o personagem. Teve gente até como medo de chegar perto de mim!
É preciso não perder de vista que o romance se passa em 1930. Portanto, há quase 100 anos. O mundo era diferente, o País era outro. Gosto de estudar a literatura produzida no período. Quem fizer o mesmo verá que grandes autores brasileiros abordaram essas tradições de uma maneira que nos desagrada hoje.
É muito óbvio que meu romance retrata aquele período, para o bem e para o mal. As pessoas que leram o Timbirupá não identificaram nenhum problema, em especial autoridades literárias do quilate de Regina Zilberman, Sinval Medina e Luís Bueno.
Quando termino um livro (resultado de alguns anos de trabalho), não fico com nenhum tipo de receio. Claro, alguns vão gostar, outros não. Independente disso estarei sempre tranquilo, porque terei feito o máximo esforço para contar a história da melhor maneira possível. Penso que depois de impressos, os livros pertencem aos leitores, e eles farão seus próprios juízos, tirarão suas próprias conclusões.
JC - Timbirupá marca teus 30 anos como escritor, com 60 livros publicados. É uma obra diversa, bem reconhecida, premiada. Que avaliação pessoal fazes dessa tua trajetória e o que projetas para o futuro na carreira literária?
Dill - Trabalho intenso. Assim posso definir minha trajetória até agora. Meus livros são fruto de grande esforço no sentido de contar boas histórias. Nessa caminhada, penso ter ajudado bastante também na formação de leitores em visitas a inúmeras escolas e feiras do livro. Para o futuro projeto mais trabalho. Por hora estou interessado neste Ciclo XX, estou finalizando o segundo volume que é ambientado na grande enchente de 1941 em Porto Alegre. Além disso, sigo trabalhando com textos para o público jovem, pois as editoras de fora do Estado seguem me pedindo textos. Dois novos livros estão programados para o primeiro semestre de 2021.
JC - Acabaste de vencer outro Prêmio Açorianos de Literatura, na categoria infantojuvenil, com Rabiscos, que também foi finalista do Jabuti e recebeu outras distinções. Qual é a diferença - do ponto de vista do autor - na produção de uma narrativa juvenil e de um romance histórico adulto, como o que apresentas neste fim de 2020?
Dill - A dedicação é a mesma. Trabalho sempre na tentativa de oferecer o melhor aos leitores. Quem acompanha minha trajetória sabe que gosto de buscar novas possibilidades narrativas na hora de realizar os livros. Isso pode complicar para alguns leitores, mas sigo aplicando formas alternativas de arquitetura literária mesmo em livros destinados aos pequenos. É um jeito de escrever.
Para apontar uma diferença, eu diria que ela se dê na linguagem. Nos juvenis e sobretudo nos infantis evito palavrões. Mas, no geral, busco construções limpas, objetivas e que conduzam o leitor para frente, para a próxima página.