Em tempos de ódio e confusão, a cantora e compositora Céu escolheu batizar seu quinto álbum de estúdio com um grito de amor que antecede a palavra. APKÁ! é, na verdade, a exclamação que Antonino, segundo filho da artista, inventou para demonstrar satisfação diante de uma refeição, um afago, uma brincadeira - da vida, enfim. Escrito durante a gestação e os primeiros meses de vida de Antonino, o novo disco concretiza a explosão criativa e de vida que a maternidade traz - e torna-se ainda mais rico em nuances em um momento que parece menos propenso a criar do que a destruir.
Os porto-alegrenses terão a chance de conferir toda essa potência na quinta-feira, a partir das 22h, em show no Opinião (José do Patrocínio, 834). Ingressos, a partir de R$ 40,00, seguem à venda no site Sympla e nas lojas Multisom e Verse.
"Acho que a inundação hormonal que acontece (durante a gravidez) já ajuda bastante a ser criativa", ri a artista, em entrevista telefônica ao Jornal do Comércio. Lançado três anos após Tropix (2016), o novo álbum surgiu repentinamente nas plataformas digitais em setembro, sem a antecipação de singles ou vídeos promocionais. Como uma unidade, enfim. Além da surpresa transformar o processo de lançamento em algo ainda mais intenso, a estratégia reforça APKÁ! como o retrato de um momento, em mais de um sentido.
O novo trabalho traz o mesmo time de músicos do disco anterior (o tecladista e compositor francês Hervé Salters, o baixista Lucas Martins e o baterista Pupillo, pai de Antonino), e acaba soando não exatamente como rompimento, mas um passo adiante na busca do equilíbrio entre o sentimento e o digitalismo, o aconchego e a excitação. "Acho que os caras conseguiram brilhantemente entender o que eu estava buscando. Falei de coisas antigas do soul (como referência sonora), busquei coisas antigas do punk, e isso, por si só, já é um encontro total de contrastes", diz ela.
Não é a primeira vez que Céu vive a experiência da maternidade como um turbilhão criativo. O aclamado Vagarosa (2009) foi concebido em paralelo com a gestação de Rosa Morena, primeira filha da cantora. Os sentimentos cristalizados em cada disco, porém, são distintos: enquanto o segundo álbum da cantora fala e soa como um mergulho para dentro, APKÁ! é um grito para fora, que vai além do título e transborda em sonoridades quentes e vibrantes. O que não quer dizer, é claro, que esses dois momentos pessoais e artísticos não estejam profundamente interligados.
"A ponte entre eles é a da gestação e do amor", reflete. "Quando a gente está com um serzinho na nossa barriga, está cheia de amor e com muita esperança, também. Porque é uma loucura, é um contraste absurdo você colocar uma criança no mundo hoje em dia."
Amor é, de fato, uma palavra muito importante no momento pessoal e artístico de Céu. E que se transforma, no discurso da cantora, em uma proposta de diálogo - tanto na busca de conexões entre influências diversas quanto na defesa da música como um espaço de escuta em meio ao rompimento e ao distanciamento. "Eu acho que não dá mais para separar o que é política e o que não é", acentua. "O nosso viver é político. Claro que nunca fui uma artista panfletária, e não é agora, da noite para o dia, que vou virar. Isso seria até um equívoco da minha parte. Mas as coisas para mim sempre foram dessa maneira, e a minha posição de artista está atrelada à minha condição de cidadã."
Uma posição diante da arte e do mundo que surge nos detalhes de APKÁ!, mas de forma particularmente intensa em Forçar o verão - uma música que carrega, na letra e na sonoridade, as sombras de uma "nuvem que se aproxima do cartão postal". Um aviso de mau tempo que, mesmo ligado ao cenário político, fala, acima de tudo, da tempestade dentro de nós.
Para ela, o novo trabalho é um grito de amor em tempos de polarização, de discordância e de guerra, mesmo. "Está difícil, está puxado, a gente está mal para caramba, sabe? Então, por mais que eu fale de sentimentos particulares - o nome do disco é uma coisa completamente minha, íntima -, APKÁ! sou eu neste mundo, a Céu de agora, tentando me conectar com o coletivo. É a minha maneira poética de falar um pouco sobre o que a gente está vivendo."