No momento, Otto Guerra está num período de alta. Em paralelo à autobiografia e ao filme A cidade dos piratas, o cineasta trabalha na adaptação de Rocky & Hudson para uma série de 13 episódios a ser exibida pelo Canal Brasil em 2019, além de planejar uma versão da autobiografia para o cinema de animação com a ajuda do roteirista Vinícius Peres. Como se não bastasse, já estão assegurados recursos mediante parceria com a Anaya Produções, de Minas Gerais, para a realização do longa-metragem Um tal de filho da puta, roteiro da baiana Carla Guimarães que acompanha a peregrinação do filho de uma prostituta para encontrar o pai. Desta vez, o filme será dirigido por Erica Maradona, que também é sócia do realizador na Otto Desenhos Animados.
O realizador atribui a profusão de projetos em andamento ao talento da sócia para garimpar editais e aprovar financiamentos para as obras. Erica, de 28 anos, além de cineasta, é skatista e artista visual - grafitou uma das fachadas da produtora no mês passado. "É obsessiva pelo trabalho, como eu era na idade dela", repara Otto. Com ironia, ele também coloca a atividade febril dos últimos tempos na conta de um câncer de cólon diagnosticado em 2013. "Acharam que eu ia morrer, aí decidiram me homenagear e aprovar tudo que é projeto", comenta. "Só que eu sobrevivi. Olha a vergonha que estou passando!", complementa, soltando uma risada. A homenagem a que se refere é o troféu Eduardo Abelin (destinado aos principais nomes do cinema brasileiro), que recebeu em Gramado em 2017.
Em parte, a doença que o colocou diante da iminência de morrer também desencadeou o impulso de escrever a autobiografia. Tanto que, a certa altura do livro em gestação, Otto convida a morte para uma conversa franca e amigável num banco sob as árvores do Parque da Redenção. "Câncer é como levar um tiro de fuzil em câmera lenta", compara. Com a saúde recuperada, ele enfatiza: "A morte é a maneira genial que a natureza inventou para se renovar, mas lutei para seguir vivo".
As oscilações da vida não o tiram do sério. "Não acredito em fracasso. Às vezes, fracassar é até bom, dependendo do ponto de vista." Tem sido assim desde que, aos cinco anos de idade, em Tramandaí, a correnteza puxou o menino para longe e, de repente, ele já não conseguia mais avistar o guarda-sol da família alçado na faixa de areia. Foi preciso que o alto-falante da cabine de salva-vidas anunciasse a criança perdida para que os pais o resgatassem.
Mais de meio século depois, a sensação de estar vagando, perdido, não se desfez, como se viver sem um propósito definido fosse, afinal de contas, uma premissa para preservar a capacidade imaginativa do artista. "Por sorte, nunca me livrei da imaginação infantil. No mais, hoje em dia, amar e estar com as pessoas que eu amo é tudo que almejo", conclui.