A proposta de concessão à iniciativa privada para a recuperação e gestão do Cais Mauá, em Porto Alegre, foi apresentada em audiência na quinta-feira, dia 28 de abril, sob clima tenso. De um lado, cerca de 60 pessoas presentes no auditório do Centro Administrativo do Estado acusaram o governo de não dar abertura à participação na decisão sobre o que será feito. Para o governo, mesmo sem concordância geral, trata-se de "um grande acerto levar esse projeto adiante".
A apresentação à comunidade antecede a publicação do edital de concessão da área, prevista para julho. Caso se cumpra o cronograma, o leilão será em setembro. A proposta foi elaborada pelo Consórcio Revitaliza, contratado pelo BNDES, que é parceiro do governo do Estado para conduzir o processo de desestatização do Cais Mauá.
Logo no início da audiência, o público criticou o discurso de abertura ao diálogo. Isso porque não foram atendidas as reuniões solicitadas por grupos que reivindicam o uso cultural do Cais Mauá e que a gestão seja pública.
Os pedidos pendentes foram feitos entre o fim de 2020 e o início de 2021 ao governo e à prefeitura, antes mesmo de o Estado buscar a cooperação do BNDES. No fim do ano passado, antes da apresentação do projeto de revitalização, esses grupos divulgaram a proposta "Cais do Porto Cultural".
"Nos disseram para ter os pés no chão e apresentar propostas claras. Temos um projeto alternativo a esse e não conseguimos até hoje apresentá-lo, nem para o Estado, nem para o Consórcio Revitaliza", criticou Tânia Farias, do Coletivo Cais Cultural Já, que elaborou o trabalho em conjunto com integrantes de grupos de pesquisa e extensão da Ufrgs.
O secretário extraordinário de Parcerias do Estado, Leonardo Busatto, afirmou que teve acesso ao material. "Do jeito que está colocado, não se viabiliza financeiramente", disse à coluna.
Para justificar a avaliação, pontua questões urbanísticas, em especial a retirada do muro da Mauá - medida que o governo, orientado pelo consórcio, não abre mão.
O encontro foi marcado também por diversos momentos agitados. Após mais de uma hora de fala dos representantes do BNDES e do consórcio, estavam previstas manifestações de dois minutos para cada pessoa inscrita (eram mais de 20), para mais uma hora de respostas da mesa. O público reclamou até garantir mais tempo de fala. Busatto anunciou que será realizada outra audiência pública, além de nova rodada de oficinas para conversar especificamente sobre a proposta de ocupação cultural do Cais.
Depois do bate-boca inicial pela falta de resposta aos pedidos de reunião, o momento de maior agitação foi durante a fala do vereador Ramiro Rosário (PSDB), única manifestação da plateia abertamente favorável à proposta do governo, vaiado ao dizer que o Cais Mauá ficou abandonado por décadas. "Vaiem, por favor, vocês já sabem que vão perder", declarou.
Antes dele, a deputada Sofia Cavedon (PT) falou que "o único plebiscito feito em Porto Alegre foi sobre residência na orla e a população disse não". No entendimento da parlamentar, o governo precisa de autorização legislativa para alienar parte do Cais e então declarou "eu não autorizo" - frase repetida em coro pela maioria dos presentes.
Conforme a proposta que vai embasar o leilão, está prevista a alienação do setor das Docas (o mais próximo da Rodoviária) e a recuperação das outras áreas - armazéns e a parte próxima da Usina do Gasômetro.
A empresa ou o consórcio que vencer a licitação poderá vender os terrenos nas Docas ou construir e gerir os imóveis no local. Em troca, terá que gerir, investir no restauro, na urbanização e na manutenção do restante da área do Cais Mauá durante os 30 anos da concessão (que podem ser prorrogados por mais cinco anos). O investimento total estimado nesse prazo é de R$ 1,3 bilhão.
O modelo, que entrega a um único ator privado toda a gestão do Cais Mauá - são mais de 180 mil metros quadrados de área no Centro de Porto Alegre, à beira do Guaíba - foi comparada com o processo fracassado de 2010.
"Pelo jeito que está, caminha para um modelo de concentração", alertou Rafael Passos, presidente da seccional gaúcha do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RS). "Esperava que nesse modelo houvesse leilão para diferentes agentes. Vamos estar à mercê de um (único investidor) de novo?", questionou.
Busatto informou à coluna que foram feitos estudos prevendo mais investidores individuais, dividindo o processo por setores, mas se entendeu melhor fazer a concessão de maneira única.
"Precisamos que o setor das Docas financie a reforma dos armazéns. É mais fácil, por exemplo, duas ou três empresas se consorciarem e operar, do que licitar duas ou três vezes", pondera. Segundo ele, a diferença do modelo anterior é a busca por garantias maiores e um sistema de controle de desempenho, com indicadores para mensurar o serviço a ser prestado e penalização em caso de não atendimento.