Designer israelense baseado em Nova Iorque, Dror Benshetrit desenvolve projetos de alto padrão em lugares como Montreal, Turquia e Abu Dabi. Na capital gaúcha, o designer participa do empreendimento The Park inspired by Dror, localizado no bairro Rio Branco, numa parceria com a Cyrela que teve início em 2020. É conhecido por criações que buscam retomar a relação entre as pessoas e a natureza e percorre o mundo com sua apresentação falando sobre as cidades do futuro.
“Você vai me ouvir falar sobre inclusão da natureza, o valor do design não apenas centrado no ser humano, mas para a vida num todo, por entender que somos parte da biodiversidade da natureza”, disse à coluna pouco antes de subir ao palco do evento "What’s next? POA +250", evento promovido pela Cyrela em parceria com a prefeitura em comemoração ao aniversário de Porto Alegre, realizado no dia 22.
Jornal do Comércio: O que são as cidades do futuro? Como podemos imaginá-las?
Dror Benshetrit: Existem dois aspectos para isso: as cidades ou bairros de cidades que não existem atualmente que não existem atualmente, e como as cidades existentes vão evoluir. São duas questões completamente diferentes. Quando estamos melhorando uma cidade que existe, estamos lidando com estrutura e infraestrutura existentes, e quando estamos construindo um novo lugar, então podemos mudar completamente a maneira como (criamos)… É importante criar essa distinção. Antes de tudo, para as cidades do futuro, penso que uma das maiores experimentações que precisamos fazer é em infraestrutura. Porque, essencialmente, a infraestrutura é o que permite que a cidade cresça. Todas as nossas cidades hoje são organizadas com base no que chamamos de lógica ortogonal, que é basicamente tudo organizado com base em “linhas lineares”. No nosso modo de pensar, o futuro das cidades vai ser organizado em um modo mais celular, o que é de acordo com a formação das células, o que leva em consideração não apenas a forma física, mas toda a ideia por trás da circularidade na economia, em termos de ecologia, e assim por diante. Nós estamos agora focando nesses tipos de ambiente, mas sabemos que muito em breve vamos aplicar o mesmo tipo de aprendizado à infraestrutura existente.
JC: É possível, considerando as cidades como são hoje?
Dror: É factível. Mas a razão pela qual escolhemos não começar com as cidades existentes é que nós queremos herdar menos os problemas existentes e criar novas aproximações. Você vai me ouvir falar sobre inclusão da natureza, o valor do design não apenas centrado no ser humano, mas para a vida num todo, por entender que somos parte da biodiversidade da natureza. Acredito que há obviamente três áreas de implicação. Uma é o comportamento humano e como nós mudamos nossa dinâmica social baseados nas organizações físicas que criamos para nós mesmos. A segunda é o impacto econômico desses lugares, que essencialmente é afetado de dois modos: um o custo de construir esse tipo de estrutura e infraestrutura, mas também o crescimento do PIB por causa da felicidade das pessoas. Porque quando as pessoas são mais produtivas, quando são felizes, todos se beneficiam economicamente também. O terceiro, é claro, é o aspecto da ecologia. É muito importante para nós criar meio ambientes que estão empurrando o que chamamos de harmonia ecológica, a aproximação do ideal, que é um objetivo crescente a se alcançar.
JC: Como as cidades de hoje podem se preparar para serem as cidades do futuro?
Dror: O aspecto mais importante é os municípios e governos que estão fazendo novas leis de zoneamento realmente terem a mente aberta para o fato de que nós não estamos mais vivendo da mesma forma que vivíamos até cinco anos atrás. O mundo mudou tão rápido nos últimos 5 anos devido à internet e à capacidade de estar conectado online; o efeito cascata dos padrões;pois fazer compras é completamente diferente; como nos movemos; e é claro a pandemia. Gosto de entender como as pessoas querem viver e criar ambientes que estejam promovendo não apenas o modo como vivemos hoje, mas também projetando para a expansão desse tipo de comportamento, o que para mim é sobre a não separação entre ambiente de trabalho, ambiente de lazer e ambiente de morar. Realmente encorajando um ambiente onde as pessoas possam caminhar de um lugar para o outro, ao invés de dirigir, encorajando a interação com outras pessoas e criando um senso de comunidade, um senso de pertencimento. Criando um lugar que é facilmente acessível para todas as idades - e isso é a essência de criar parques centrais dentro de cada comunidade - e entender que vivemos numa sociedade que, quando prosperamos, todos prosperamos, não se trata de tirar vantagem de determinada situação.
JC: Na América do Sul e no Sul global como um todo, são comuns as comunidades que vivem de forma coletiva, algo que têm se perdido com a globalização. Você quer dizer que a cidade do futuro vai retornar a esse modo de vida?
Dror: Penso que “retornar” pode ser um termo confuso, porque seria “retornar por isso”. Porque nunca vamos voltar ao que estava no passado, mas vamos evoluir talvez para algo que se inspire no passado. Uma das coisas que me anima sobre o que você me perguntou é a vida multigeracional, a qual nos faz falta. O fato é que éramos acostumados a viver tão perto de nossas famílias e agora almejamos tanto um sentimento de pertencimento que vai significar que alguns de nós vão escolher um modo de vida multigeracional (em família) e alguns de nós vão escolher não, em que nossos amigos se tornarão nossa família ou nossa empresa se tornará nossa família. Mas acho que essa ideia de abraçar a comunidade e abraçar o senso de comunidade é uma parte extremamente importante do nosso futuro.
JC: De que outra forma isso pode se manifestar em sociedade?
Dror: Outro aspecto é a comida. Quando você fala sobre globalização, em termos do efeito dos alimentos, muitos lugares ao redor do mundo perderam sua identidade.O Brasil é um lugar que tem uma cultura alimentar tão incrível, baseada na rica capacidade dos trópicos de produzir alimentos sazonais e criar pratos que são baseados neles… Acredito que haverá um grande retorno a comer mais “do chão”, tendo o luxo de realmente desfrutar dos produtos que você pode cultivar em seu ambiente. E espero que isso faça parte das tendências que veremos no futuro, onde os governos também podem incentivar esses tipos de tendências, como poder fornecer espaços para a agricultura urbana, fornecer espaços para desfrutar de cozinhar fora de casa, que é parte da cultura.
JC: Você falou algumas vezes sobre o que os governos devem fazer para construir essas cidades do futuro. Porto Alegre está debatendo a revisão do seu Plano Diretor. Você tem algum conselho?
Dror: Acredito fortemente na experimentação. A cidade precisa de experimentação. E poder anunciar à população que está se realizando uma experimentação, por exemplo: “ei, vamos tentar uma semana para ver o que acontece se ninguém dirigir naquelas ruas”. Pode ser um desastre, mas pode ser um desastre apenas por alguns dias. Mas também pode criar algo realmente incrível com o qual se pode aprender muito. Então faça pequenos experimentos, que às vezes não custam muito. O valor da experimentação é que você nunca sabe o tipo de resultado que algo vai criar. E eu acredito na criatividade e, portanto, acredito em artistas e acredito no poder da arte influenciar as decisões na governança do município. Assim, encorajando artistas a propor ideias, encorajando artistas a participarem de algumas dessas decisões, pode parecer muito acadêmico ou racional, mas às vezes eu acho que “o coração e o intestino” resolvem melhor os problemas do que a mente. Gosto de encorajar a participação com a comunidade artística como um todo.
JC: O que a prefeitura deve ter em mente para melhor preparar a cidade para o futuro?
Dror: Uma das coisas que nos deixa todos frustrados em todo o mundo é a mudança lenta (das leis). Às vezes para mudança de zoneamento leva cinco, sete, dez anos. Vivemos em um tempo tão moderno, em que não precisamos mais preencher formulários, arquivá-los e enviá-los, podemos fazer isso digitalmente e acelerar o processo, tirando vantagem da tecnologia para o benefício de acelerar alguns desses processos… Sempre começo minha apresentação falando sobre o fato de que vamos dobrar o ambiente construído nos próximos 30 a 40 anos. Mas o problema é que, se vai levar 10 anos apenas para trabalhar em processos de aprovação, teremos perdido um terço do crescimento, o que é uma grande perda para qualquer um, para o governo, para a contribuição econômica, para o meio ambiente e para as pessoas. Encontrar maneiras de acelerar esses processos é uma necessidade.
JC: Como o ambiente construído nas cidades e a natureza estão conectados?
Dror: Penso que todos já concordam com o fato de que a arquitetura vai ser cada vez mais modularizada, o que basicamente significa que vamos produzir o processo de construção, que não vamos despejar concreto num canteiro de obras ou soldar aço da mesma maneira como fazíamos. Isso vai mudar muito a indústria da construção e a arquitetura, para se comportarem mais como um design de produto. Imagine um canteiro de obras que é completamente limpo, com basicamente componentes que você constrói como Lego em vez de ser muito bagunçado, empoeirado, uma zona de construção feia. Para mim, essa é outra razão para diferentes disciplinas colaborarem, porque o mundo do design de produto no mundo da arquitetura está começando a ter cada vez mais colaboração. Eu adoraria ver que engenheiros, paisagistas, arquitetos e designers de produto estão trabalhando juntos na mesma equipe, encontrando soluções juntos para aquele tipo de problemas.