Um prédio em Porto Alegre abriga há mais de meio século a história do planejamento urbano da cidade. Localizado no número 2244 da Avenida Borges de Medeiros, foi construído para abrigar a Secretaria Municipal de Obras e Viação - a Smov, sigla que se tornou o seu nome informal - e entregue em 1970. O projeto é assinado pelos arquitetos Moacyr Moojen Marques, João José Vallandro e Léo Ferreira da Silva.
Nesse endereço nasceram, nos anos seguintes, três secretarias: do Meio Ambiente - pioneira das capitais brasileiras -; do Planejamento Municipal, responsável por elaborar o Plano Diretor em 1979, em 1999 e pela sua revisão em 2009; e da Produção, Indústria e Comércio. Todas essas pastas e a Smov mudaram de nome e função nos anos recentes.
"Atendeu a sociedade durante muitos anos. A aprovação de projetos (de construção) era toda feita naquele prédio", comenta o engenheiro civil Sérgio Luiz Brum, servidor aposentado da prefeitura que trabalhou no edifício por mais de 30 anos. Brum é vice-presidente da Associação dos Técnicos de Nível Superior do Município de Porto Alegre, que em janeiro promoveu um debate sobre a história e o futuro do lugar.
Isso porque o prédio da Smov integra uma lista com outros 100 imóveis do municípios que poderão ser vendidos, caso a Câmara autorize. Como não é tombado nem listado, a decisão de manter em pé o prédio da Smov caberá ao futuro comprador.
"Elogiamos cidades como Praga, Lisboa e Barcelona. Nessas cidades, a arquitetura não surgiu de um dia para o outro, lá construíram uma história mais antiga que Porto Alegre. Só vamos construir isso se reconhecermos o que temos de valor", argumenta o arquiteto Maturino da Luz, professor na Escola Politécnica da Pucrs.
O prédio da Smov é apontado como um desses imóveis que merece ser preservado. Um abaixo assinado pede o tombamento do prédio da Smov como patrimônio da cidade, com base em processo que tramita na prefeitura desde 2018. Sérgio Marques, arquiteto e professor da Ufrgs, explica que um conjunto de fatores caracteriza o interesse para preservar uma obra, como a relevância histórica, fazer parte de um processo representativo, ter valor artístico e importância no conjunto urbano. "O prédio da Smov, apesar disso não ser de domínio na opinião pública, esbanja razões para a preservação", pondera.
O edifício foi uma das primeiras construções no aterro da Praia de Belas, que expandiu a cidade Guaíba adentro partindo do Centro em direção à Zona Sul, na metade do século passado. Na arquitetura, se destaca como uma construção com concepção moderna, inaugurando elementos como o concreto pré-fabricado na fachada e a planta livre: um núcleo central, com elevador, escada e depósito, e o restante da área aberta, estilo que prega a flexibilidade de uso (as divisórias são móveis). Essa característica, junto com o terraço aberto, pode ser explorada numa adaptação de uso do edifício, defendem os especialistas - mesmo que o prédio passe para a iniciativa privada.
Além disso, a parte do terreno usada como estacionamento tem praticamente o mesmo tamanho da área edificada e comporta a construção de outro prédio sem precisar derrubar o atual. "Do ponto de vista ambiental, é absurdo gastarmos para construir uma edificação, retirar materiais da natureza, e nem cem anos depois destruir, gerando lixo, para ir na natureza buscar mais. Se as edificações têm capacidade de serem reutilizadas, por que não?", indaga Maturino.
Terreno, incluindo a construção, é avaliado em R$ 37,3 milhões
"O município não vai tirar o prédio para vender só o terreno", assegura André Barbosa, secretário de Administração e Patrimônio da Capital - a Fazenda apresenta uma estimativa do valor do terreno com e sem o prédio da Smov, o que segundo Barbosa é de praxe. Quando for colocado à venda, o mínimo que será aceito pela área de 5.340 metros quadrados (com a construção de 9,9 mil m2) é R$ 37,3 milhões; se estivesse vazio, valeria R$ 14,8 milhões.
O prédio será desocupado até março - a Secretaria de Obras e Infraestrutura, que está hoje no endereço, será a primeira a se mudar para a nova sede administrativa, no antigo prédio da Habitasul, entregue ao município como pagamento por dívidas tributárias. "Eventualmente, quando se colocar à venda (o prédio da Smov), podem ser discutidas condicionantes, como a preservação da fachada. Mas, em tese, só pode exigir isso do privado se (o imóvel) estiver tecnicamente listado ou tombado", alega Barbosa.
O secretário diz reconhecer a legitimidade dos movimentos que querem preservar o prédio e se dispõe a conversar. No entanto, não enxerga motivos que sustentem o pedido de preservação desse edifício e acredita que a mobilização se dê não pela arquitetura, e sim pela sua história: "em que pese já tenha idade, não tem o contorno patrimonial que justifique o tombamento".