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Atlas Mundial vê extinção do Orçamento Participativo em Porto Alegre
Capital não atende critérios que caracterizam Orçamento Participativo
Cidade pioneira por ter criado um modelo de Orçamento Participativo (OP) há mais de 30 anos, Porto Alegre vê o espaço dedicado à definição de parte do orçamento público pela população perder protagonismo desde a segunda década dos anos 2000. Na cidade que já foi mundialmente conhecida como a capital da participação, a pandemia impacta a realização das atividades presenciais desde 2020. Mas o rompimento com os três critérios que caracterizam o Orçamento Participativo, conforme o Atlas Mundial dos Orçamentos Participativos lançado no início deste mês, é anterior.
O último ano com registro de demandas novas via Orçamento Participativo foi 2016. Em 2017, foram canceladas as assembleias e o ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) disse que, antes de se comprometer com novas demandas, iria realizar o passivo de obras e serviços de anos anteriores - o que não cumpriu. Desde então, não há recurso destinado para que os cidadãos decidam sobre novos investimentos e o que já foi acordado não tem sido cumprido de forma satisfatória.
Para classificar uma experiência como Orçamento Participativo, o Atlas considera três características essenciais: envolver o todo ou uma parte do orçamento de uma instituição ou território, que os cidadãos decidam as prioridades de execução, e garantir que seja feito o que for decidido.
Considerando esse cenário, o Atlas Mundial aponta "a prática extinção do Orçamento Participativo na capital gaúcha". Na avaliação dos pesquisadores, o Orçamento Participativo de Porto Alegre "mantém-se como uma referência histórica indiscutível, embora cada vez menos como uma fonte de replicação na atualidade".
No entanto, o Orçamento Participativo não foi formalmente encerrado em Porto Alegre. Mesmo sem a realização de assembleias, seguem ativos o Conselho do Orçamento Participativo (COP) e os Fóruns Regionais, que reúnem conselheiros e delegados eleitos pela comunidade.
Conforme a atual gestão do governo municipal, as assembleias podem ser retomadas e cabe aos representantes da comunidade a decisão de realizá-las virtual ou presencialmente. Contudo, a estrutura e o recurso para realizar os encontros depende da prefeitura.
Além disso, para o ano de 2022 estão previstos R$ 10 milhões para o Orçamento Participativo, a ser dividido entre as 17 regiões e os seis grupos temáticos para atender o que a já foi definido no passado como prioridade. Outros R$ 150 milhões entram na conta como recurso para o Orçamento Participativo e serão destinados para demandas como as chamadas obras da Copa e o projeto da Orla.
Presente em reunião do COP na semana passada, o prefeito Sebastião Melo (MDB) alega que os recursos devem ser considerados em conjunto e defende que "o Orçamento Participativo não é só orçamento". "Quando voltar presencialmente, antes de qualquer reunião vou dizer (quais os gastos da prefeitura). As pessoas precisam compreender o orçamento como um todo", sustenta.
Pesquisa mapeia 4 mil localidades com participação popular no mundo
Existem atualmente 4 mil processos ativos de Orçamento Participativo (OP) em todo o mundo, menos da metade das 10 mil experiências que estavam em andamento em 2019, ano da primeira edição do Atlas Mundial dos Orçamentos Participativos, que ganha nova versão e dados atualizados para o contexto da pandemia. O estudo, desenvolvido pela Associação Oficina com apoio do Município de Cascais, ambos de Portugal, foi apresentado ao público no dia 10 de dezembro.
O modelo de gestão que inclui a sociedade na decisão sobre os investimentos públicos surgiu em Porto Alegre em 1989 e hoje está presente em pelo menos 53 países (número considerado no levantamento). Nos anos 2020 e 2021, pela primeira vez em mais de três décadas, se verifica inversão no crescimento dos casos, ou seja, a quantidade de OP suspensos supera aqueles em funcionamento ou que surgiram neste período. A explicação está principalmente na emergência sanitária provocada pela pandemia de Covid-19.
Para a elaboração do documento atual, foi possível verificar a condição de 8,8 mil do total de OP identificados antes da pandemia. Destes, cerca de 55% foram suspensos com o surgimento da Covid-19. Conforme consta no Altas, "o impedimento de realizar encontros presenciais, algo fundamental na natureza destas instâncias participativas, é a principal razão invocada para o cancelamento das atividades".
Em 24% dos casos houve continuidade, cuja avaliação depende de uma leitura detalhada de cada situação - pode ser porque a fase presencial não coincidiu com o momento mais grave da pandemia ou pela postura negacionista de alguns gestores em relação à pandemia, que resultou na manutenção de atividades. Os 21% restantes optaram por adaptar os processos, com a adoção de ferramentas virtuais ou redução no número de participantes nos encontros presenciais. A soma destes resulta nos cerca de 4 mil OP ativos.
Considerando o total de OP de antes da pandemia, a maior parte - 7.976 - é desenvolvido por governos locais (prefeituras). Governos regionais e estaduais são responsáveis por 324 casos e governos nacionais por 4. Foram mapeados ainda casos realizados em instituições como escolas, empresas, universidades e unidades prisionais.
O Atlas Mundial dos Orçamentos Participativos foi construído a partir de uma rede global com mais de 100 colaboradores de 65 países. A organização é dos pesquisadores Nelson Dias, Sahsil Enríquez, Rafaela Cardita, Simone Júlio e Tatiane Serrano. O estudo está disponível para download em Português e Inglês aqui.